
Eleito para a Presidência do TCU, o ministro Vital do Rêgo destaca as prioridades da gestão, com foco na sociedade, no fortalecimento do controle social e no investimento em inovação e tecnologia
O ministro Vital do Rêgo assumiu em 1o de janeiro de 2025 a Presidência do Tribunal de Contas da União (TCU). Em entrevista concedida à Revista Justiça & Cidadania, ele falou sobre os desafios e prioridades da gestão. Com foco nos cidadãos, ele destaca a necessidade de promover transparência, fortalecer o controle social e investir em inovação e tecnologia para tornar o trabalho do TCU mais eficiente e relevante.
Entre os temas discutidos, estão o impacto de ações estratégicas em áreas como educação, infraestrutura e sustentabilidade, além de iniciativas para aproximar o tribunal da sociedade, como a capacitação de “auditores sociais” e o lançamento de projetos voltados para a inclusão e acessibilidade. O ministro também compartilha a visão que tem sobre o uso de inteligência artificial e de big data para modernizar as atividades do TCU e reafirma o compromisso de transformar o órgão em catalisador de mudanças positivas para o Brasil.
Revista Justiça & Cidadania – Quais são os principais desafios que o senhor enxerga para a gestão à frente do TCU?
Ministro Vital do Rêgo – Os principais desafios envolvem garantir que o Tribunal de Contas da União continue desempenhando o papel constitucional de maneira eficaz, priorizando esforços, especialmente em cenário de recursos públicos cada vez mais escassos e demandas crescentes por serviços de qualidade.
Precisamos promover transparência e ampliar o diálogo com a sociedade, com os entes fiscalizados e com os poderes. Além disso, é essencial que avancemos no uso de tecnologia e dados para aprimorar nossas fiscalizações, tornando-as mais tempestivas, precisas e relevantes para a tomada de decisão. Outro ponto crítico é o investimento no desenvolvimento de nossos servidores e colaboradores, garantindo que estejam preparados para lidar com as transformações e complexidades crescentes.
Contudo, gostaria de destacar nosso desafio mais premente: colocar os cidadãos no centro de nossas atenções e decisões. Vamos direcionar nossos esforços para resultados práticos que melhorem o bem-estar. Nosso compromisso envolve ouvir cada indivíduo e entender suas necessidades, utilizando cada interação e consulta como fonte de orientação para nossas ações. Para isso, desenvolveremos canais abertos e acessíveis, promovendo ações de controle social em que qualquer cidadão ou grupo da sociedade civil organizada possa participar ativamente, contribuindo de forma prática e construtiva para o aprimoramento da administração pública. Queremos transformar o Tribunal de Contas da União em um efetivo Tribunal do Cidadão.
JC – Quais áreas da administração pública demandam maior atenção do TCU neste momento? E qual será o foco de sua gestão diante dessas áreas?
MVR – Nossas atenções devem especialmente ser voltadas para questões estruturantes, como o equilíbrio das contas públicas, a promoção do desenvolvimento social e econômico do país, a melhoria da infraestrutura, da sustentabilidade da previdência, da qualidade e da economicidade das aquisições públicas, do aprimoramento contínuo do Sistema Único de Saúde e de nosso sistema de educação. Temos áreas no Tribunal com equipes inteiramente dedicadas a essas e outras questões.
Como disse, minha gestão tem como foco os cidadãos e o diálogo institucional. Nosso trabalho deve transcender a simples fiscalização, com o objetivo de transformar realidades e contribuir para um Brasil mais justo e eficiente, de impulsionar políticas que melhorem a vida dos brasileiros e fortaleçam a confiança da sociedade nas instituições.
Com base nessa visão, orientei os dirigentes e servidores do TCU a alinharem as ações a esse propósito maior, reforçando que nossa atuação deve ir para além da fiscalização tradicional. Ressaltei a importância de trabalharmos de forma integrada e propositiva, sempre buscando impactar positivamente a vida do cidadão.
JC – Há iniciativas planejadas para aproximar ainda mais o TCU da sociedade? De que forma os cidadãos podem contribuir para o fortalecimento do controle social?
MVR – Com os cidadãos no centro das atenções do Tribunal, priorizaremos não somente ações de controle que impactem diretamente o dia a dia das pessoas, mas também investiremos em iniciativas que incentivem diretamente a participação cidadã.
Criaremos canais de interação que permitirão aos brasileiros atuar como “auditores sociais”, enviando informações sobre o uso de recursos públicos. Um exemplo é a parceria entre o TCU e o Observatório Social do Brasil, que vai capacitar cidadãos voluntários para identificarem problemas em obras públicas de creches e escolas. A partir do registro das informações em um aplicativo, a Corte de Contas vai priorizar as obras de maior risco e garantir que sejam retomadas com segurança e qualidade.
Identificamos que, atualmente, há 3.784 obras de educação básica (creches e escolas) paralisadas no Brasil. Com a ajuda do “auditor cidadão”, queremos contribuir para a conclusão dessas obras, o que resultará na criação de mais de 740 mil vagas na rede pública de ensino. Essa é apenas uma de várias iniciativas que vamos fomentar no Tribunal.
Além disso, quero reforçar a importância da linguagem acessível nas decisões. O juridiquês deve dar lugar a textos simples, objetivos e inteligíveis, para que qualquer brasileiro compreenda o trabalho desta Corte, em conjunto com nosso compromisso com a transparência.
JC – O TCU elegeu 2025 como o ano da pessoa com deficiência no controle externo brasileiro. Qual foi a motivação para isso?
MVR – Esta é uma iniciativa extremamente oportuna capitaneada pelo procurador Sergio Ricardo Costa Caribé, que atua no Ministério Público junto ao TCU, e apoiada por todas as autoridades da Corte de Contas.
A escolha de 2025 como o Ano da Pessoa com Deficiência no Controle Externo Brasileiro foi uma decisão estratégica com carga simbólica poderosa já que coincide com o décimo aniversário da Lei Brasileira de Inclusão (LBI), marco jurídico destinado a proteger e promover os direitos das pessoas com deficiência. Este contexto proporciona ocasião ideal para refletirmos sobre o progresso alcançado e os desafios persistentes.
O principal motor por trás dessa iniciativa é a necessidade de intensificar nossos esforços para garantir acessibilidade plena e oportunidades igualitárias em um país que ainda enfrenta barreiras estruturais significativas. Além disso, 2025 se apresenta como momento de oportunidade única para alavancar o papel do TCU como líder na fiscalização e promoção de práticas inclusivas, demonstrando nosso compromisso contínuo com uma administração pública justa e inclusiva.
JC – Quais são os principais objetivos dessa iniciativa e quais impactos o Tribunal espera alcançar?
MVR – Os principais objetivos desta iniciativa são vastos e interconectados, começando pela celebração dos avanços obtidos desde a implementação da LBI. Nosso foco é fortalecer as diretrizes já estabelecidas enquanto estimulamos novas ações que potencializem a inclusão em todas as áreas de governança e participação social.
Esperamos aumentar consistentemente o cumprimento das normas de acessibilidade, não só nos espaços físicos, mas também nas esferas digital e comunicacional. Por meio de campanhas de conscientização, pretendemos enfrentar preconceitos e barreiras atitudinais referentes à deficiência.
O impacto desejado é o de transformar a inclusão em componente essencial e sistemático das práticas administrativas. Idealizamos um cenário onde nossas iniciativas venham a estimular políticas similares em outras instituições, promovendo mudança cultural alinhada aos princípios de equidade e respeito à diversidade.
JC – Como o TCU pretende engajar os gestores públicos e a sociedade nessa pauta?
MVR – O engajamento eficiente requer abordagem multifacetada que catalise a participação ativa mediante ações informativas, educativas e motivacionais.
Organizaremos uma série de seminários e webinários de alto nível, com participação de especialistas, defensores de direitos e pessoas com deficiência que compartilharão suas experiências e conhecimentos. Estes eventos são projetados não apenas para aprimorar e fortalecer a conscientização, mas também para inspirar mudanças práticas por meio de propostas concretas discutidas em fóruns abertos.
As parcerias são e continuarão sendo o epicentro de nosso esforço de engajamento — conectando-nos a outras instituições do Controle Externo, associativas, governamentais, ONGs e entidades privadas, buscando construir uma rede cooperativa de apoio. Além dessas iniciativas, promoveremos campanhas de mídia abrangentes para alcançar diversos públicos, promovendo a sensibilização e o diálogo contínuo sobre a importância de eliminar barreiras para pessoas com deficiência.
JC – E de que forma o TCU pode inspirar outros órgãos a adotar práticas inclusivas no âmbito de suas atividades?
MVR – O TCU está posicionado de forma única para ser modelo exemplar de práticas inclusivas, tanto no âmbito interno e na atuação finalística quanto na política interinstitucional.
Adotamos e demos visibilidade a uma política de acessibilidade que sinaliza compromisso institucional fundamental. Ao priorizarmos a eliminação de barreiras arquitetônicas, comunicacionais e tecnológicas, encorajamos outras entidades a criarem e aprimorarem práticas inclusivas. Oferecer treinamentos regulares em acessibilidade para nosso quadro funcional e promover cultura organizacional que valorize a diversidade reforça nossa liderança neste campo, sobretudo no enfrentamento de barreiras atitudinais.
Ao compartilhar nossos conhecimentos, convidamos e estimulamos outras instituições a elevar seus padrões de acessibilidade em diferentes contextos, criando efeito multiplicador e assinalando que a inclusão das pessoas com deficiência não é apenas possível, mas essencial para o progresso sistêmico dentro de qualquer estrutura organizacional.
JC – O TCU tem se destacado não só pelo papel fiscalizador e punitivo, mas também pela postura de adotar soluções consensuais. Quais as vantagens desse modelo para resolução dos problemas complexos enfrentados pela instituição?
MVR – Incentivamos o consensualismo entre nossos jurisdicionados, seguindo tendência global do direito administrativo que demonstrou ser uma alternativa efetiva, em contraponto ao longo e custoso histórico de litigância desenfreada especialmente observado no Brasil.
A Secex Consenso, idealizada pelo ministro Bruno Dantas e apoiada por todos os ministros desta Corte, viabilizou, até o momento, 13 acordos que representam benefício estimado de R$ 16,5 bilhões aos cofres públicos. Temos ainda, em acompanhamento, mais de 10 propostas de consenso que, se aprovadas por todos os órgãos envolvidos, têm o potencial de destravar bilhões de reais em investimentos.
Em minha gestão, vamos fortalecer a Secex Consenso com mais recursos para aperfeiçoar o modelo, que já traz impacto transformador no direito administrativo atual em todo o mundo. Entendo que acordos que melhorem as condições econômicas e sociais devam prevalecer sobre a litigância interminável, mesmo que as partes envolvidas tenham que, mutuamente, renunciar a algo na mesa de negociação. O Brasil é o país da litigância. Meu desejo é que possamos avançar para nos tornarmos o Brasil do consenso.
JC – O senhor pretende implementar mudanças nos processos internos do Tribunal? Se sim, quais seriam elas?
MVR – A gestão anterior realizou relevantes inovações na estrutura organizacional do TCU (como a criação da já mencionada Secex Consenso, por exemplo), com o redesenho das secretarias de controle externo, que passaram a atuar de forma mais estratégica e com mais autonomia.
Dessa forma, nos estudos para o planejamento de nossa gestão, chegamos à conclusão de não promovermos grandes mudanças em estrutura que está amadurecendo e que já tem apresentado bons resultados. Contudo, fizemos algumas alterações pontuais. A mais significativa é a criação da Secretaria de Relações Institucionais (SRI).
A SRI vai bater à porta de todas as partes interessadas, como elemento de conversão, de catalisação dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário junto ao Tribunal. Além disso, atuaremos para que essa aproximação valorize a diversidade das demandas regionais, comunicando e considerando essas especificidades em nossas iniciativas.
Precisamos manter nosso olhar para pautas construtivas que unam o país, que pacifiquem a nação e amenizem as gritantes desigualdades. Para tanto, as relações entre Poderes democraticamente constituídos são fundamentais, respeitando e reforçando a autonomia e independência de cada instituição. Nós criamos a Secretaria de Relações Institucionais exatamente para oferecer essa sinergia, esse entrosamento com os poderes constituídos.
Nosso compromisso é consolidar o TCU como instituição aberta e colaborativa, onde as partes interessadas sejam parceiras na construção de soluções.
JC – A atuação do TCU em temas ambientais tem ganhado relevância. O senhor pretende reforçar esse papel?
MVR – Sim, sem dúvida. O papel do TCU na fiscalização e orientação de políticas públicas ambientais é cada vez mais estratégico, especialmente neste momento em que questões climáticas e de sustentabilidade estão no centro das agendas globais. Cito um exemplo: em 2023, após assumir a presidência da Intosai (Organização Internacional das Instituições Superiores de Controle) – maior organização internacional dos órgãos de controle, com 195 membros – o TCU apresentou proposta para implantação de plataforma, alimentada pelos órgãos de controle externo de cada país-membro, possibilitando formatar referencial acerca das mudanças climáticas em todo o planeta, o Climate Scanner.
Até este momento, 145 países já se incorporaram à plataforma, que vai integrar os resultados monitorados pelos respectivos órgãos superiores de controle, se consolidando como a maior ferramenta de auditoria global sobre o clima mundial. Em novembro deste ano, apresentaremos os resultados na COP30, a ser realizada em Belém/PA.
Em 2025, nós daremos início ao Climate Scanner subnacional, que vai ser desenvolvido em cada estado brasileiro, com objetivo de dar transparência aos investimentos locais nas ações de combate às mudanças climáticas, tudo isso com a valiosa parceria dos tribunais de contas locais.
Outra iniciativa recente se refere ao lançamento do Guia de Auditoria em transição energética, ferramenta inédita que visa fortalecer o papel das instituições superiores de controle na fiscalização de políticas públicas relacionadas ao tema. Vamos continuar investindo fortemente em fiscalizações na área ambiental, consolidando o papel do TCU como um dos principais agentes na promoção da sustentabilidade e no combate às mudanças climáticas. Nosso compromisso é ampliar e aprimorar iniciativas como essas, buscando sempre oferecer transparência, eficiência e resultados concretos.
O objetivo é não apenas monitorar a aplicação de recursos, mas também contribuir para a construção de políticas públicas mais eficazes e alinhadas às necessidades ambientais globais e locais, reforçando a posição do Brasil como líder em auditorias climáticas e desenvolvimento sustentável.
JC – Em termos de inovação e tecnologia, quais os planos ou de que forma o TCU está incorporando tecnologias como inteligência artificial e big data em suas atividades? O senhor acredita no potencial dessas ferramentas para a eficiência das atividades desenvolvidas pela instituição?
MVR – O TCU firmou sua posição como referência, tanto nacional quanto internacional, ao adotar tecnologias de ponta em suas funções de controle e avaliação. Tenho repetido por onde passo, com orgulho, que somos o maior hub tecnológico da administração pública, pois temos mais de 180 bases de dados integradas internamente. Ou seja, reunimos informações de diferentes fontes em nossos próprios sistemas, para facilitar o acesso e a análise dessas informações. Isso é importante porque nos permite cruzar dados e obter insights estratégicos, ajudando a planejar e executar fiscalizações de forma mais eficiente e eficaz.
Também contamos com computadores que analisam dados públicos a todo instante, sem interrupções, identificando potenciais riscos e irregularidades em licitações, contratos, aquisições públicas, disputas de pregões eletrônicos e publicações oficiais relacionadas à gestão de recursos públicos.
Os avanços têm sido ainda mais significativos com o uso intensivo de inteligência artificial (IA), que permite ao TCU processar e interpretar volumes crescentes de dados, estruturados e não estruturados. Para garantir a segurança, a privacidade e o sigilo das informações, criamos o “chatTCU”, uma solução interna inovadora. Essa plataforma sem paralelo nas Cortes de Contas do mundo aprimora a análise de dados, automatiza processos e aumenta a eficiência no trabalho de nossos servidores. Assim, a IA se consolidou como ferramenta estratégica que amplia a eficiência e a qualidade das atividades do Tribunal.
Olhando para o futuro, o TCU espera obter ganhos ainda mais expressivos à medida que os modelos de IA continuam a evoluir rapidamente. Esses avanços irão intensificar a capacidade do Tribunal de compreender as demandas sociais, permitindo conexão mais direta com as necessidades reais dos cidadãos. Essa aproximação não será limitada à sede em Brasília. Com o auxílio da IA, o processamento e a análise de dados provenientes de todas as regiões do Brasil poderão ser feitos de forma integrada, favorecendo a atuação junto a estados e municípios. Essa é uma das bandeiras de minha gestão, que se inicia em 2025. Quero que o TCU chegue à última ponta, que faça diferença na vida dos cidadãos.
JC – Em um momento em que a desinformação representa ameaça significativa à democracia e à confiança nas instituições públicas, como o TCU tem contribuído para combater esse problema e promover a transparência e a segurança das informações?
MVR – Uma das contribuições mais relevantes do TCU se refere à fiscalização que reafirmou, nas últimas eleições, a segurança e a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro, em parceria com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Por meio de auditorias técnicas e análises rigorosas, o Tribunal contribuiu para desmistificar informações falsas, fortalecendo a confiança no processo eleitoral.
Outro exemplo que podemos citar é nossa fiscalização das campanhas publicitárias do governo federal que identificou algumas veiculações em canais inapropriados, seja porque divulgavam conteúdo desinformativo, seja porque estavam associadas a atividades ilegais.
Essas iniciativas refletem o compromisso do TCU com a transparência e com o uso responsável dos recursos públicos, combatendo os efeitos nocivos da desinformação e promovendo ambiente mais justo e informado para os cidadãos. Continuaremos atentos e atuantes, sempre em defesa da democracia.
JC – Qual o legado que o senhor gostaria de deixar ao longo da gestão?
MVR – Buscamos o legado de proximidade e de confiança entre as instituições, além de alçar cada cidadão a protagonista, fazendo do TCU um órgão que age de forma responsável, acessível, e transparente, beneficiando diretamente a qualidade dos serviços prestados à população. Queremos que a cooperação interinstitucional e a efetividade nas entregas do TCU contribuam diretamente para a vida dos cidadãos brasileiros, para o desenvolvimento sustentável e para a melhoria da administração pública em nosso país.
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