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Recepção da Contribuição Social do Salário Educação pela atual Carta Política

5 de setembro de 1999

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Questão das mais debatidas atualmente e bastante comum no cotidiano das Procuradorias do INSS. Diz respeito à legislação atinente ao salário educação.

Trata-se, certamente, de tema que vem assumindo cada vez mais espaço no meio doutrinário e ocupando indiscutível importância entre as demandas a serem dirimidas pelo Poder Judiciário.

Recente evolução da jurisprudência, em especial do Supremo Tribunal Federal, dá novo contorno à matéria em comento, encorajando, portanto, esta contribuição ao debate.

O principal argumento utilizado por muitos tributaristas contra a cobrança do chamado salário educação baseia-se em suposta inconstitucionalidade originária causada por vício formal. Em síntese, defendem que a contribuição do salário educação não foi recepcionada pela nova ordem seja por violar o princípio da legalidade, insculpido na Constituição de 1988, seja pela inobservância do inciso I, do art. 25 ou do §5°, do art. 34, ambos do ADCT. Vejamos, com a cautela sempre necessária, os principais aspectos da contribuição em questão.

Antes do advento da Constituição de 1988, o salário educação, previsto no art. 178, da Carta de 67/69, instituído pelo Decreto-Lei 1.422, de 23 de outubro de 1975, posteriormente regulado pelo Decreto 87.043, de 22 de março de 1982, tinha a natureza de contribuição sui generis, sem caráter tributário, não estando sujeita ao princípio da legalidade estrita.

Não obstante insistirem alguns na tese de inconstitucionalidade da contribuição ao salário educação na antiga ordem constitucional, não tem relevância tal discussão, na medida em que, a esse respeito, o Supremo Tribunal Federal, em não raras oportunidades, pronunciando-se sobre a sua natureza jurídica, concluiu não tratar-se de tributo, dado a manifesta ausência de compulsoriedade. Neste sentido: RE-85357/RS, RE 82480/RS, RE 83662, RTJ 83/444.

A principal tese ate agora utilizada contra a cobrança do salário educação passa necessariamente pelo exame da recepção da contribuição em tela pela Carta de 1988.

Nenhum óbice se vislumbra à recepção do Decreto-Lei 1.422/75, como norma indispensável à cobrança da contribuição do salário educação.

Continha o referido Decreto-Lei todos os elementos necessários para se ter por autorizada a cobrança do tributo em tela. Neste sentido, da leitura do Decreto-Lei 1.422/75, extraem-se: fato gerador, sujeitos, base de calculo, alíquota.

Não tem procedência a alegação de que o art. 25, I, do ADCT, ao vedar a delegação de competência ao Poder Executivo, revogou o parágrafo segundo, do art. 1º do Decreto Lei 1.422/75, restando impedida a cobrança do salário-educação, por ausência de previsão da alíquota respectiva.

Ora, assim não se pode entender, pois o que a norma constitucional expressamente revogou foi o dispositivo legal que delega a competência e não a norma que estabelece a alíquota. Nesta linha, o art. 25, do ADCT pretende, apenas, impedir que as alíquotas sejam alteradas, a partir de então por decretos.

Com efeito, os decretos através dos quais foram fixadas as alíquotas foram recepcionados pela Constituição de 1988, já que haviam sido concebidos no legítimo exercício da delegação prevista no Decreto Lei 1.422/75.

O legislador constitucional não quis que se perpetuassem as delegações, porém, não pretendeu revogar os atos validamente editados.

Ademais, e importante ressaltar que, quando da promulgação da atual Carta Política, a contribuição prevista no Decreto Lei 1.422/75 era a única destinada ao salário educação. Logo, somente a ela poderia ter se referido o §5° do art. 212.

Não há que se falar, portanto, em inconstitucionalidade na cobrança do salário educação durante a vigência do Decreto Lei 1.422/75, quer antes ou depois da Constituição de 1988.

De toda a sorte, em razão das recentes decisões relativas às contribuições do IAA e sobre a exportação de café pelo Supremo Tribunal Federal, a tese da inconstitucionalidade na originária por vício de forma estão fadadas ao fracasso.

O Supremo Tribunal Federal, em relação a quota de contribuição sobre a exportação do café, que seguia o mesmo regime de delegação, entendeu da seguinte forma: Quota de contribuição sobre a exportação de café 01 2.295/86. Inteligência do art. 25, I, do ADCT/88. Entendeu a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal que a regra do art. 25, I, do ADCT revogou tão-somente a delegação conferida ao IBC para alteração da alíquota, mantendo-se a exigência fiscal legitimamente instituída pelo Decreto Lei 2.295/86, recepcionada pela nova Carta (RE 191229-SP, DJ 13.09.96). Recurso Extraordinário conhecido e provido.

O acórdão proferido no julga­mento do RE 214.206-9-AL, confirma o entendimento no sentido da inexistência de inconstitucionalidade formal superveniente. Vejamos: Contribuição do IAA Alíquota Compatibilidade com a CF/ 88 – recepção.

Constitucional. Tributário. Contribuição Devida ao Instituto do Açúcar e do Álcool – IAA. A CF/88 recepcionou o Decreto Lei 308/67, com as alterações dos decretos-Iei 1.712/79 e 1.952/82.

Ficou afastada a ofensa ao art. 149, da CF/88, que exige lei complementar para a instituição de contribuição de intervenção no domínio econômico.

A contribuição para o IAA é compatível com o sistema tributário nacional. Não vulnera o art.34, § 5° do ADCT/CF/88. É incompatível com a CF/88 a possibilidade da alíquota variar ou ser fixada por autoridade administrativa. Recurso não conhecido.

Restou, portanto, afastado o principal argumento utilizado na maio­ria das demandas judiciais, retirando qualquer chance de êxito no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

Certamente, outras teses existem, de menor aceitação na jurisprudência pátria, objetivando obstar a cobrança do salário educação. Assim, pretendem alguns a inconstitucionalidade da Lei 9.424/96, sustentando que o salário educação somente poderia ser reintroduzido no atual Sistema Tributário Nacional, após a Constituição Federal, mediante Lei Complementar, nos estritos termos do art. 146, III.

Importa, aqui, esclarecer que a Constituição não subordinou a exigência do salário educação a lei complementar, mas, tão-somente, a lei. Fato é que não ha que se falar em inconstitucionalidade quando a própria norma constitucional discrimina o ato normativo a ser utilizado.

Também, não deve prosperar a tese de que a contribuição do salário educação deve jungir-se aos arts. 149 e 146, III, da Constituição Federal, posto que não se trata de nova contribuição, nem tampouco deve ser considerada como contribuição de intervenção no domínio econômico ou de interesse de categorias profissionais ou econômicas.

Há os que ainda postulam pela inconstitucionalidade formal da lei n° 9424/96, por vício de tramitação do projeto de lei. O diploma normativo em comento não apresenta qualquer mácula que desse azo à declaração de inconstitucionalidade, na medida em que a alteração sofrida atingiu apenas a redação do dispositivo, sem afetar seu conteúdo. Com efeito, não houve alteração substancial a justificar a alegação de inconstitucionalidade.

Diversos, portanto, os fundamentos utilizados para inviabilizar a cobrança da contribuição em questão, porém, o exame de cada um em profundidade não caberia na órbita estreita deste trabalho, podendo ser enfrentado em outra oportunidade.

Por fim, insta registrar que a questão ora em debate deve merecer especial atenção por parte da doutrina especializada e, em especial, pelo Poder Judiciário que, não raro, concede antecipação de tutela ou liminar autorizando a compensação da contribuição do salário educação com outros tributos federais, sem qualquer critério, provocando séria agressão ao erário público.

Sobre o tema há, inclusive, a recente súmula 212, do Superior Tribunal de Justiça, que determina que a compensação de créditos tributários não pode ser deferida por medida liminar.

Este, verdadeiramente, é tema a ser mais profundamente examinado, na medida em que representa forma de pagamento de débito, em virtude de sentença judicial, sem a observância do art. 100, da Constituição Federal de 1988.

Trata-se, evidentemente, de grave distorção, na medida em que o precatório é obrigatório para grande parte da população – na maior parte aposentados e pensionistas, não sendo para pessoas jurídicas autorizadas a proceder a compensação, muitas vezes, de valores vultuosos.

Outra não deve ser a preocupação do legislador e do intérprete do direito, para que a situação aqui apontada seja devidamente examinada e solucionada, evitando que o Judiciário seja o meio de privilegiar os mais abastados em detrimento dos mais miseráveis.