Redução da maioridade penal

28 de fevereiro de 2010

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Volta e meia, surgem debates inflamados sobre a questão da maioridade penal e vozes defendem a necessidade de alteração do artigo 228 da CF (“São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial”), apresentando o rebaixamento da maioridade penal como a grande solução para o problema da violência urbana. Quanto mais ineficazes os poderes públicos se mostram no combate à criminalidade e quanto maior se torna o sentimento de insegurança da população, mais vozes se unem à tese da redução da maioridade penal.
Entretanto, toda a discussão se dá sobre distorções gigantescas, que precisam ser corrigidas. A primeira grande distorção é a visão de que adolescentes que cometem infrações penais não respondem pelos atos que praticam. É a confusão, bastante comum entre leigos, mas inaceitável para os que optaram em seguir uma carreira jurídica, entre inimputabilidade penal e impunidade penal ou total irresponsabilidade. Adolescentes infratores respondem, sim, pelo ato que praticam, sendo submetidos a julgamento de acordo com o devido processo legal, mas o fazem dentro de um sistema de punição especialmente elaborado para eles, recebendo do Estado, em resposta ao seu ato, uma das medidas socioeducativas previstas no ECA, entre as quais se encontra a internação, que, é bom que se ressalte, em nada difere das penas criminais, no que diz respeito à privação de liberdade.
É verdade que o ECA estabelece que, durante esse período, o adolescente seja trabalhado, tornando-se apto para se inserir na sociedade — mas aqueles que já visitaram um desses institutos ou assistiram a filmes como “Juízo”, sabem que isto infelizmente não acontece como deveria. É verdade também que o ECA estabelece um período máximo de três anos para esse internamento, considerando a condição do adolescente como pessoa em desenvolvimento e a grande metamorfose que caracteriza essa fase. Mas, se calcularmos direito, o adolescente acaba cumprindo mais tempo de pena do que a maioria dos adultos. Se, por exemplo, uma pessoa que acabou de completar dezoito anos pratica um roubo à mão armada, recebe uma pena que pode girar em torno de cinco anos e quatro meses de reclusão. Devido à sistemática da Lei de Execuções Penais, cumprirá na prisão apenas um terço dela, o que quer dizer um ano e nove meses, aproximadamente, saindo antes mesmo de completar vinte anos. Além disso, o Código Penal lhe dá direito ao livramento condicional após ter cumprido metade da pena, e à progressão de regime, após o cumprimento de um sexto dela. Já um adolescente que comete um ato infracional, às vésperas de completar os dezoito anos, poderá ficar no internato até os 21 anos de idade!
Assim, que fique claro: inimputabilidade apenas rima com impunidade, mas equiparar as duas coisas demonstra ou ignorância ou má-fé. Essa equiparação, de forma alguma, encontra respaldo na legislação brasileira, ou em normas internacionais. O ECA não propõe a impunidade!
Do ponto de vista da Psicologia, é adequado que a sociedade corrija a conduta do jovem adolescente, sob a perspectiva educacional. Responsabilização dos jovens infratores — e sua ressocialização — é um dever do Estado e da sociedade em relação aos próprios jovens! Significa auxiliar no desenvolvimento do superego, instância psíquica capaz de reprimir os impulsos de destruição, permitindo um convívio social pacífico.
Uma segunda grande distorção é imaginar que os atos infracionais praticados por adolescentes representam parcela significativa dos crimes ocorridos no país. Mostram as pesquisas que apenas dez por cento dos delitos são praticados por jovens com menos de 18 anos de idade. Este é um dado bastante significativo, que desperta questionamentos sobre até que ponto a redução da maioridade penal é realmente capaz de baixar os índices de violência e de criminalidade!
Finalmente, uma terceira distorção bastante comum é a redução da questão à discussão sobre a capacidade de discernimento do jovem, se ele sabe ou não sabe o que está fazendo quando pratica o ato antissocial. Toda e qualquer discussão sobre maioridade penal que gire em torno do discernimento é equivocada, desfocada! O critério da “imaturidade” foi o utilizado no CP de 1940, segundo a Exposição de Motivos escrita pelo Ministro Francisco Campos. Sem dúvida um absurdo completo — todos os menores de 18 anos do Brasil são imaturos?!? — Insólita concepção! Adolescente de hoje: muito informado, melhor preparado que o dos anos 40! Aceitar que a fixação constitucional da imputabilidade penal baseia-se na falta de compreensão do caráter ilícito ou antissocial de uma conduta implica em equiparar todos os jovens menores de 18 anos a insanos mentais. Não tem coerência. Não há dúvida de que mesmo uma criança é capaz de entender que é reprovável furtar, matar ou danificar. O discernimento sobre os atos que pratica pode ser encontrado em uma criança de cinco anos. Mas será que chegaríamos ao absurdo de defender que uma criança dessa idade que furtou o lápis do amiguinho na escola deveria receber uma pena criminal, em um presídio?
Não se trata de ter ou não discernimento! Em verdade, a idade estabelecida para a maioridade penal, pela chamada Constituição Cidadã, foi uma opção política do constituinte. O critério foi social, cultural e político, não tendo relação alguma com capacidade ou incapacidade de entendimento. Considerou-se a realidade político-econômica do país, a imensa desigualdade social e as péssimas condições de vida às quais esses jovens estão muitas vezes submetidos, causas reais do problema da criminalidade urbana. Considerou-se a própria falência do sistema penitenciário, que, em verdade, acaba ministrando cursos de especialização em bandidagem. Considerou-se que o adolescente é ainda uma pessoa humana em desenvolvimento, que vive uma fase de sua vida marcada por grandes transformações, e posicionou-se a favor da educação — e não da repressão — como a maneira mais adequada e eficaz de lidar com a questão da delinquência juvenil, de modo a buscar a inserção desses jovens à sociedade, educando-os tanto do ponto de vista emocional quanto físico e social.
A Psicologia reafirma este posicionamento, demonstrando que a repressão não é uma forma adequada para a constituição de sujeitos sadios, e que violência não corrige nem previne violência. Agir apenas com a repressão e punição é não revelar os mecanismos produtores e mantenedores, o que resulta em aumentá-la. Violência e criminalidade não serão solucionadas apenas pela culpabilização e pela punição. É necessário que haja uma ação junto às instâncias psíquicas, sociais, políticas e econômicas que a produzem.
Reduzir a maioridade penal é combater o efeito, não a causa; é encarcerar mais cedo a população pobre jovem, deixando de apostar que ela possa ter outro destino ou possibilidade. Norma Legal: instrumento funcional para a solução do problema: efeito dissuasivo das cominações legais: pena nem exageradamente longa, nem exageradamente curta, mas funcional: ameaça de retribuição à conduta antissocial. Retirar o adolescente de circulação = ilusão de que algo foi feito e de que as coisas estão sob controle. Simplesmente, vai encher os presídios, já superlotados, sem qualquer programa eficaz de readaptação dos detentos. É abrir mão da prevenção, da aposta de que o jovem possa se tornar um cidadão pacífico e produtivo para a sociedade. Assim, a decisão do constituinte foi no sentido de valorização da dignidade humana, de acordo com uma tendência internacional, a de reconhecimento jurídico da Doutrina da Proteção Integral.
A questão não é de informação, razão ou compreensão. Trata-se de formação, equilíbrio emocional e entendimento. Adolescente = pessoa em desenvolvimento que ainda está construindo sua estrutura psicológica, sua inteligência emocional. Juridicamente, esta norma sobre a idade penal mínima é um autêntico direito fundamental, inequivocamente vinculada ao princípio da dignidade da pessoa humana, e, portanto, protegida como cláusula pétrea contra a possibilidade de extirpação do texto constitucional. Fora isso, a redução da maioridade penal seria um recorte que restringiria e simplificaria muito a questão da violência, além de significar o rompimento com tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e um retrocesso sem precedentes no direito infanto-juvenil brasileiro.
O ECA — modelo de proteção integral, que agrega educação com responsabilidade — é grande marco de mudança paradigmática da questão da infância no Brasil. Na verdade, integração legislativa do estabelecido pela CF/88, art. 227 — Doutrina da Proteção Integral, aprovada por unanimidade pela Assembleia Geral da ONU, na Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Nem paternalismo ingênuo — tratar os jovens como se não tivessem violado os direitos de outras pessoas, ou como se não fossem também eles destinatários da norma, como os demais —, nem a hipocrisia de tratar a adolescência como uma patologia social, tratando o adolescente como bode expiatório de um sistema que lhe nega tudo, e colocando a punição como solução mágica de um problema cujas causas são muito mais complexas, isentando o Estado do compromisso com a elaboração de políticas educativas voltadas para a juventude.
Infelizmente, as previsões legais não são cumpridas, em sua totalidade, pelo Poder Público. Se todos os direitos assegurados pelo ECA fossem respeitados, se os programas educacionais funcionassem efetivamente, se as pessoas envolvidas no processo educacional fossem mesmo engajadas na proposta do Estatuto, servindo de referência direcionadora dos jovens com quem convivem… O que falta é a efetiva implementação das medidas socioeducativas previstas no Estatuto. Transformar as, hoje, simbólicas penas e medidas socioeducativas em instrumentos reais de prevenção e recuperação — funcional, eficiente, capaz de ressocializar. É mais que urgente e necessária a aplicação correta e efetiva das medidas previstas no ECA!
Por todas essas razões, os psicólogos se posicionam de modo a reforçar a percepção da necessidade da criação de políticas públicas que tenham a adolescência sadia como meta. Esforços no sentido da prevenção, desde a primeira infância. Rede de suporte, que inclua a família, a escola, capacitação para o trabalho, recreação, e toda a comunidade. Capacitação para trabalhadores sociais que atuam com jovens em risco de delinquência. É urgente garantir o tempo social da infância e da juventude, com escola de qualidade, e condições para que o jovem exercite e vivencie sua cidadania, construindo para si próprio um novo papel social. A adolescência é o momento em que o jovem começa e se inserir no mundo adulto e inicia a construção de seu projeto de vida adulta. É necessário que a sociedade lhe ofereça condições sociais, educacionais e emocionais para que ele faça esse ingresso. E isto não se obtém com segregação, mas, sim, com educação e orientação.

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