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Reparação do dano

31 de janeiro de 2008

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O instituto da suspensão condicional do processo, criado pela Lei nº 9.099/95, exige, no artigo 89, parágrafo 1º, I, a reparação do dano como uma das condições para que seja extinta a punibilidade do acusado, sem a qual a mesma não pode ser decretada, salvo a prova de impossibilidade de fazê-lo.
Assevera Ada Pellegrini Grinover (Juizados Especiais Criminais, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 4ª edição, p. 328 e 329) que “a reparação do dano não é condição da concessão da suspensão, senão condição da extinção da punibilidade”. Ensina, ainda, que “não é preciso que haja reparação prévia, isto é, não é necessário pagar os danos antecipadamente para se obter a suspensão. Ao longo do período de prova é que deve ocorrer a reparação dos danos (…)” (obra citada).
Neste sentido já decidiu o STJ (HC 7637-90, Relator Ministro Félix Fischer, DJU de 26.10.98, p. 129) que “não é requisito para a concessão da suspensão condicional do processo, mas sim condição da extinção da punibilidade”.
Vencida essa matéria, poderia o lesado, habilitado como assistente do Ministério Público, recorrer da decisão judicial que homologa a suspensão condicional do processo sem incluir entre as condições acordadas aquela de reparação do dano?
A título de exemplo, nos casos dos crimes de furto de energia elétrica (art. 155, par. 3º, CP) vem sendo admitida a habilitação de empresa concessionária de serviço público como assistente do Ministério Público. Nesse caso, poderia a empresa lesada pelo furto recorrer da mencionada decisão?
Parece que sim. Primeiro, porque um dos motivos pelos quais o assistente participa do processo é para que posteriormente à condenação criminal busque a indenização no juízo cível. Depois, porque a própria Lei nº 9.099/95, de forma inovadora, estimula que essa solução econômica seja realizada em sede criminal.
Entendimento em sentido contrário, data maxima venia, anularia os próprios princípios que criaram a figura do assistente.
E na hipótese de não ficar consignada a condição em tela? Qual o recurso cabível dessa decisão?
A matéria ainda não está pacificada na doutrina e na jurisprudência.
Grandinetti Castanho de Carvalho e Geraldo Prado, na obra intitulada “Lei dos Juizados Especiais – Comentada e anotada” (Ed. Lumen Juris, 4ª edição, p. 202 e 203), apontam que “a decisão que homologa a suspensão altera o curso do procedimento, modificando a espécie de atos que as partes tem de praticar. Isso significa que não se trata de decisão definitiva ou com força de definitiva e, portanto, não poderá ser impugnado por apelação. (…) Resta o recurso em sentido estrito, cuja aplicação analógica deve ser admitida, excepcionalmente, porquanto de um modo geral esteja previsto para a impugnação de decisões interlocutórias”.
Por outro turno, Fernando da Costa Tourinho Neto (Juizados Especiais Federais Cíveis e Criminais, Ed. Revista dos Tribunais, p. 755) professa que “a decisão que suspende o processo não tem natureza de sentença, pois não condena nem absolve. Contra essa decisão qual o recurso a ser interposto? – Apelação, pois se trata de uma decisão com força definitiva, extinguindo o processo, sob condição resolutória (CPP, 593, II)(…) Incabível o recurso em sentido estrito, em face de não constar tal hipótese no elenco do art. 581, CPP, que, segundo a maioria dos doutrinadores, é taxativo. Diante da dúvida, no entanto, de que recurso cabível, é de se admitir um ou outro recurso, ou seja, apelação ou recurso em sentido estrito ou mesmo correição parcial (…)“
A 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no julgamento da Carta Testemunhável nº 2006.069.0006, apresentada pela assis-tência do Ministério Público em crime de furto de energia elétrica, determinou que o recurso strictu sensu, cujo segui-mento fora anteriormente negado pelo juízo a quo subisse ao Egrégio Tribunal, mostrando assim a legitimidade do assistente e a adequação da impugnação escolhida.
No sentido de ser esse recurso, o STJ já decidiu da seguinte forma, in verbis:

“Recurso Especial. Processo Penal. Recurso em Sentido Estrito. Decisão que ordena suspensão do processo, nos termos da Lei 9.099/95. Cabimento. Interpretação extensiva, analógica do art. 581 do CPP.
– É cabível interposição de recurso em sentido estrito contra decisão que, ex vi da Lei nº 9.099/95, concede ou nega suspensão do processo, por admitir o Estatuto Adjetivo Penal, em regra, interpretação extensiva e, na lacuna, involuntária da lei, a analogia e os princípios gerais do direito.
– O art. 581, inc. XI, do CPP, prevê esse recurso contra decisão que conceder, negar ou revogar a suspensão condicional da pena. Por analogia, há de se entender cabível no caso da Lei nº 9.099/95 o recurso em sentido estrito, na omissão do legislador. (…)”
(Recurso Especial nº 164.387/RJ, 5ª Turma, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, decisão de 27.10.98, DJ de 23.11.98, p. 194)

Entretanto, no sentido de ser a apelação o recurso cabível, cite-se o HC 163.77-SP, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJU de 04.02.2002, p. 561, j. em 20.09.01.
Por fim, malgrado a divergência, o que deve ser considerado é que a recorribilidade das decisões é inerente ao Estado Democrático de Direito. Assim, ao assistente devidamente habilitado deve ser reconhecido o direito de recorrer da decisão homologatória do sursis processual que não tenha incluído a reparação do dano entre as condições a serem cumpridas no período de prova pelo réu. E quanto ao recurso cabível no caso em tela, em nome do princípio da fungibilidade e em atenção à boa-fé do advogado, fica, portanto, a escolha ao seu alvedrio.

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