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Responsabilidade civil do transportador e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

8 de março de 2016

Paulo de Tarso Sanseverino Ministro do STJ

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Paulo de Tarso SanseverinoO interesse pela responsabilidade civil do transportador surge, na Europa, no final século XIX, com a utilização da máquina nos veículos de transporte de passageiros.

No Brasil, a preocupação com os transtornos ensejados pelos acidentes envolvendo veículos de transporte público pode ser sintetizada na seguinte observação feita em uma crônica por Machado de Assis no final do século XIX (“Os Ratos”):

Há terras onde as companhias indenizam as vítimas dos desastres (ferimentos ou mortes) com avultadas quantias, tudo ordenado por lei. É justo; mas essas terras não têm, e deviam ter, outra lei que obrigasse os feridos e as famílias dos mortos a indenizarem as companhias pelas perturbações que os desastres trazem ao horário de serviço.[1]

 Ao longo do século XX, a notável ampliação dos sistemas de transporte de passageiros tornou mais sensível a questão, multiplicando-se as demandas que chegam aos tribunais.

Casos variados têm sido enfrentados pelo Poder Judiciário envolvendo a responsabilidade do transportador de passageiros, variando desde as lesões sofridas por um passageiro em decorrência de acidente de trânsito, passando por danos causados por uma pedra lançada por um pedestre e chegando a situações mais graves, como o assalto à mão armada praticado dentro de um ônibus de transporte coletivo, inclusive com a morte de pessoas.

O objeto do presente trabalho é o exame do regime de responsabilidade civil do transportador de passageiros, em face da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A primeira parte será destinada a uma breve análise do regime jurídico da responsabilidade civil do transportador no Código Civil, enquanto a segunda parte será dedicada ao exame do tratamento dispensado pela jurisprudência do STJ às principais situações ocorridas no transporte de passageiros, com ênfase nas principais excludentes da responsabilidade civil.

 1. Regime jurídico da responsabilidade civil do transportador

O Código Civil, em seu art. 730, conceitua o contrato de transporte como sendo aquele pelo qual “alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar de um lugar para outro pessoas ou coisas”.

O contrato de transporte abrange, assim, duas modalidades bastante distintas, com feições bem características: o transporte de pessoas e o transporte de coisas.

No transporte de coisas, regulado pelos artigos 743 e seguintes do Código Civil (CC), a relação jurídica envolve três personagens distintos: o transportador, o remetente e o destinatário da coisa. Já no transporte de pessoas, previsto nos artigos 734 e seguintes, há apenas o transportador e o passageiro.

Anteriormente ao CC/2002, o transporte de coisas era regulado pelo Código Comercial (art. 100), enquanto o transporte de pessoas era regulado fundamentalmente por leis especiais (v.g. transporte ferroviário ou aéreo) ou convenções internacionais (v.g. transporte aéreo).

O CC, ao mesmo tempo em que respeitou esses regimes jurídicos especiais, em seu art. 732, desde que não contrariem as suas estatuições, estabeleceu regramento próprio para a responsabilidade civil do transportador.

Cada modalidade de contrato de transporte de passageiros regulada por leis especiais apresenta regime jurídico peculiar, sendo preocupação deste trabalho o exame da responsabilidade civil do transportador de passageiros, conforme a sua regulamentação pelo Código Civil.

Ressalte-se apenas que, em qualquer caso, tratando-se de relação de consumo, há também a incidência do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

A responsabilidade civil do transportador de passageiros é bastante complexa, pois um mesmo fato (acidente de trânsito), envolvendo um veículo de transporte, pode causar danos a pessoas em diferentes situações jurídicas, como o motorista (empregado), um passageiro e um pedestre (terceiro), submetendo-se cada uma dessas situações a um regime jurídico diferenciado.

Em relação ao empregado, a sua situação subsume-se no regime jurídico da responsabilidade civil do empregador por acidente de trabalho (art. 7o, XXVIII, Constituição Federal de 1988). Os danos sofridos por terceiros são regidos pelo regime jurídico da responsabilidade extracontratual (art. 37, § 6o, da Constituição Federal de 1988, ou art. 927, § único, do CC/2002). Por sua vez, os danos sofridos pelos passageiros amoldam-se no regime da responsabilidade civil do transportador, previsto no art. 734 do CC.

Observe-se que o CC, entre os artigos 737 e 742, estatuiu de forma bastante minuciosa as obrigações dos contratantes (transportador e passageiro) no contrato de transporte.

A principal preocupação, porém, do legislador do CC foi com a responsabilidade civil do transportador pelos danos causados às pessoas transportadas e sua bagagens (art. 734), ou seja, preocupa-se com a responsabilidade do transportador perante os seus passageiros, abrangendo também as suas bagagens.

Dispõe o CC textualmente que “o transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade” (art. 734).

Essa estatuição parte da ideia de que existe uma cláusula de incolumidade implícita no contrato de transporte consistente no dever de garantir a incolumidade do passageiro da partida até o seu destino, que envolve uma obrigação de resultado.

A responsabilidade civil do transportador é objetiva, independentemente de culpa, situando-se os danos causados aos passageiros dentro do risco da atividade de transporte.

Acolhe-se a teoria do risco da atividade, cuja origem remonta ao final do século XIX, na França, insculpida pelos trabalhos de Josserand[2] e de Saleilles,[3] inspirados exatamente em uma decisão da Corte de Cassação Francesa de 1896,[4] sendo que uma das preocupações desses autores era os danos causados pelos contratos de transporte. Aliás, a primeira lei brasileira que acolhe a responsabilidade objetiva pelo risco é o Decreto no 2.681/1912, regulando a responsabilidade civil no transporte ferroviário.

A teoria do risco percorreu longo percurso no Direito brasileiro, gradativamente positivada em normas especiais de responsabilidade civil, até ser consagrada como cláusula geral pelo art. 927, parágrafo único, do CC.

O próprio professor Miguel Reale,[5] analisando essa cláusula geral de risco, fornece exemplos na área de acidente de trabalho e de transporte de passageiros.

A disposição normativa do art. 734 do CC segue, assim, a linha da cláusula geral de responsabilidade objetiva estatuída pelo art. 927, parágrafo único, do CC, com algumas nuanças próprias.

Destaque-se, por exemplo, que, embora a força maior possa excluir a responsabilidade do transportador, o fato de terceiro, contra o qual tenha ele ação regressiva, não a afasta, consoante a previsão do art. 735, respeitando a orientação traçada pela Súmula 314 do STF, consoante será analisado na segunda parte desta exposição.

Há, ainda, o expresso reconhecimento da nulidade da cláusula de não indenizar, também positivando antigo enunciado sumular do STF (Súmula 161).

O legislador do Código Civil aproveitou a oportunidade para, em seu art. 736, excluir desse regime jurídico o transporte gratuito de passageiro feito por amizade ou cortesia (a carona), positivando a Súmula 145 do STJ. Naturalmente, nessa hipótese legal, se houver culpa do motorista, haverá responsabilidade civil aquiliana (art. 186, CC).[6]

 2. Excludentes da responsabilidade civil do transportador

As principais excludentes analisadas pela jurisprudência do STJ são o fato exclusivo do passageiro (culpa da vítima); o fato exclusivo de terceiro; o caso fortuito e força maior; a prescrição.

A primeira eximente é o fato exclusivo do passageiro, catalogado como culpa exclusiva da vítima, constituindo causa de exclusão da obrigação de indenizar do transportador.

O fato exclusivo relevante imputável ao próprio passageiro quebra o nexo de causalidade entre o serviço de transporte e o evento lesivo. Embora o dano tenha sido provocado em decorrência de um processo causal em que pode ser identificada a participação de um serviço de transporte, teve como causa adequada exclusiva a conduta culposa (lato sensu) da própria vítima.

Isso ocorre nos casos em que a vítima intencional, culposa ou, até mesmo, acidentalmente se utiliza indevidamente do serviço de transporte em situação de grave risco para si mesma.

O fundamental é que o fato da vítima seja causa exclusiva do evento danoso.

Se for causa concorrente (culpa concorrente da vítima), apenas atenua a responsabilidade civil do transportador (art. 945 do CC).

Na jurisprudência do STJ, interessante situação recentemente analisada foi a de um passageiro esquecido após parada obrigatória realizada durante viagem interestadual.[7] Após a análise dos deveres das partes no contrato de transporte, reconheceu-se que:

[…] o dever de o consumidor cooperar para a normal execução do contrato de transporte é essencial, impondo-se-lhe, entre outras responsabilidades, que também esteja atento às diretivas do motorista em relação ao tempo de parada para descanso, de modo a não prejudicar os demais passageiros (art. 738 do CC).

 A segunda eximente é o fato exclusivo de terceiro consistente na atividade desenvolvida por uma pessoa determinada que, sem ter qualquer vinculação com o transportador, interfere no processo causal, provocando com exclusividade o evento lesivo.[8]

Atua de forma restritiva, na responsabilidade do transportador, nos termos do art. 735 do CC. Esse dispositivo legal, conforme já aludido, reproduz o enunciado da Súmula 187 do STF, não sendo permitida a invocação da excludente em relação a terceiro contra quem o transportador tenha ação regressiva.

A compreensão desse enunciado normativo exige que se estabeleça uma distinção entre o ato culposo de terceiro (v.g. acidente de trânsito) e o ato doloso de terceiro (v.g. pedrada).

Apenas o ato doloso de terceiro afasta a responsabilidade civil do transportador por estar situado fora do desenvolvimento normal do contrato de transporte (fortuito externo), não tendo com ele conexão.

No ato culposo de terceiro (v.g. acidente de trânsito), não há exclusão da responsabilidade civil por estar inserido na noção de fortuito interno, abrangido pelos riscos do contrato de transporte, tendo o transportador contra essa pessoa ação de regresso.

Exige-se, assim, que o fato de terceiro seja conexo com o serviço de transporte prestado para que seja reconhecida a responsabilidade civil do transportador, o que não ocorre com os atos dolosos praticados por outras pessoas.[9]

Na jurisprudência do STJ, essa distinção tem aparecido com clareza seja em relação a atos culposos,[10],[11] seja em relação a atos dolosos.[12]

Enfim, o fato de terceiro deve ser estranho à atividade de transporte de passageiros, o que não ocorre, por exemplo, com o empurrão dado por outros passageiros no curso da prestação do serviço de transporte.[13]

A terceira eximente da responsabilidade civil do transportador é a força maior.

Relembre-se que o legislador do CC, no enunciado normativo do art. 734, restringiu-se a prever a força maior como causa de exclusão da responsabilidade do transportador, não mencionando o caso fortuito, embora as duas categorias tenham sido equiparadas no art. 393 do mesmo diploma legal.

A explicação reside na diferente concepção esposada pelo legislador do CC/2002 acerca dos dois institutos em comparação com a adotada pelo CC/2016.

O caso fortuito e a força maior apresentam-se como acontecimentos inevitáveis e independentes de qualquer atividade do agente, de cuja possível responsabilidade civil se cogita, atuando, isoladamente e com exclusividade, como causas adequadas do dano produzido.

Os dois institutos jurídicos são, normalmente, referidos em conjunto, como se constituíssem expressões sinônimas.

Na realidade, o caso fortuito e a força maior são institutos jurídicos autônomos, que foram aproximados pela dificuldade prática de distinção e por produzirem, via de regra, efeitos jurídicos similares.

O legislador brasileiro do Código Civil de 1916, ao regular a responsabilidade negocial ou contratual, optou expressamente pela equiparação dos dois institutos, o que foi repetido pelo art. 393, e seu parágrafo único, do Código Civil de 2002, estabelecendo a seguinte estatuição: “O caso fortuito, ou de força maior, verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar, ou impedir”.

A equiparação das duas figuras deve-se a razões de ordem prática, já que a fixação de critérios para distinção entre caso fortuito e força maior constitui fator de profunda controvérsia doutrinária (a imprevisibilidade; a irresistibilidade; a externidade; a presença da vontade humana; a gravidade do acontecimento).

Com efeito, ao longo da histórica, diferentes critérios têm sido utilizados para diferenciar caso fortuito e força maior. No Direito Romano, Ulpiano distinguia casus e vis a partir das noções de resistibilidade e inevitabilidade. Na França, Louis Josserand valoriza a natureza interna ou externa do acontecimento fortuito para distinguir entre caso fortuito (fortuito interno) e força maior (fortuito externo). No Brasil, Agostinho Alvim,[14] acolhendo a teoria desenvolvida por Louis Josserand, esposa a chamada teoria da externidade para diferenciar caso fortuito e força maior.

Na interpretação do enunciado normativo do art. 734, a diferenciação entre os dois institutos, a partir do critério preconizado por Agostinho Alvim, apresenta sensível relevância teórica e prática, pois o efeito produzido por cada um dos institutos é significativamente distinto.

Não se pode olvidar que, na comissão de juristas que elaborou o Anteprojeto do Código Civil de 2002, presidida pelo Professor Miguel Reale, coube ao Professor Agostinho Alvim a parte relativa ao Direito das Obrigações, incluindo os contratos e a responsabilidade civil.

Na jurisprudência do STJ, ainda na vigência do CC de 1916, acolhia-se a distinção preconizada por Clóvis Bevilaqua, afirmando que o traço característico para se distinguir o caso fortuito da força maior não é a imprevisibilidade, mas a inevitabilidade.[15]

Após a vigência do CC de 2002, na interpretação do disposto no art. 734, deve ser seguida a doutrina de Agostinho Alvim, adotando-se a teoria da externidade para diferenciar caso fortuito e força maior.

De todo modo, a força maior deve ser causa exclusiva do evento danoso para que ocorra o rompimento do nexo causal.

Esse aspecto é relevante nos casos dos danos sofridos por passageiros em decorrência de assalto à mão armada no curso da prestação do serviço de transporte, devendo esse fato ser a causa exclusiva do evento.

Essa questão dividiu a jurisprudência do STJ até 2002 ao apreciar casos relativos inclusive à morte de passageiro de ônibus coletivo durante assalto a mão armada.

Após longo debate, a matéria foi submetida à Segunda Seção, em 2002, no julgamento do REsp. n. 435.865-RJ, relatoria do Ministro Barros Monteiro, em sede de incidente de assunção de competência,[16] concluindo-se que “constitui causa excludente da responsabilidade da empresa transportadora o fato inteiramente estranho ao transporte em si, como é o assalto ocorrido no interior do coletivo”.[17]

A orientação firmada nesse precedente tem sido seguida pela jurisprudência do STJ até os dias de hoje.[18],[19],[20]

Finalmente, tem sido discutido o prazo prescricional incidente na responsabilidade civil do transportador.

A controvérsia situa-se em torno do prazo de três anos, previsto pelo art. 206, § 3o, V, do CC, para as ações de reparação de danos em geral, e de cinco anos, estatuído pelo art. 27 do CDC, para as hipóteses de responsabilidade pelo fato do produto (art. 12) e pelo fato do serviço (art. 14, CDC).

Nesse ponto, a jurisprudência do STJ tem feito a aplicação do CDC para as hipóteses em que o transporte de passageiro constitua relação de consumo, fixando em cinco anos o prazo de prescrição.[21]

Enfim, as principais questões controvertidas relativas à responsabilidade civil do transportador de passageiros, partir da edição CC/2002, mostram-se bem consolidadas e estratificadas na jurisprudência do STJ.

 

NOTAS_____________________________________

1 Machado de Assis, A Semana, 23 de outubro de 1892.

2 Étienne Louis Josserand (1868-1941), jurista francês. De la responsabilité du fait des choses inanimées, p. 555-556.

3 Raymond Saleilles (1855-1912), jurista francês. Étude sur la théorie générale de l’obligation.Paris: Librairie Générale de Droit & de Jurisprudence, 1925. p. 438.

4 Corte de Cassação francesa, Arrêt Teffaine, 16/6/1896.

5 Miguel Reale (1910-2006), filósofo, jurista, educador e poeta brasileiro.

6STJ, REsp 685.791/MG, Rel. Min. VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, j. 18/02/2010, DJe 10/03/2010):RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. TRANSPORTE DE SIMPLES CORTESIA OU BENÉVOLO EM CARROCERIA ABERTA, SEM PROTEÇÃO. CULPA GRAVE (MODALIDADE CULPA CONSCIENTE) CONFIGURADA. VALOR DA CONDENAÇÃO. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284/STF. N1. Em se tratando de transporte desinteressado, de simples cortesia, só haverá possibilidade de condenação do transportador se comprovada a existência de dolo ou culpa grave (Súmula 145/STJ). 2. Resta configurada a culpa grave do condutor de veículo que transporta gratuitamente passageiro, de forma irregular, ou seja, em carroceira aberta, uma vez que previsível a ocorrência de graves danos, ainda que haja a crença de que eles não irão acontecer. 3. Não é possível o conhecimento da pretensão de redução da condenação, pois o recorrente não apontou qualquer lei que teria sido vulnerada pelo acórdão recorrido. Aplica-se, por analogia, na espécie, o disposto na Súmula 284 do STF: É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiênciana sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia. 4. Recurso especial desprovido.

7 STJ, REsp 1.354.369/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, j. 05/05/2015, DJe 25/05/2015: RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRANSPORTE INTERESTADUAL DE PASSAGEIROS. USUÁRIO DEIXADO EM PARADA OBRIGATÓRIA. CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR. 1. A responsabilidade decorrente do contrato de transporte é objetiva, nos termos do art. 37, § 6o, da Constituição da República e dos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor, sendo atribuído ao transportador o dever reparatório quando demonstrado o nexo causal entre o defeito do serviço e o acidente de consumo, do qual somente é passível de isenção quando houver culpa exclusiva do consumidor ou uma das causas excludentes de responsabilidade genéricas (arts. 734 e 735 do Código Civil). 2. Deflui do contrato de transporte uma obrigação de resultado que incumbe ao transportador levar o transportado incólume ao seu destino (art. 730 do CC), sendo certo que a cláusula de incolumidade se refere à garantia de que a concessionária de transporte irá empreendertodos os esforços possíveis no sentido de isentar o consumidor de perigo e de dano à sua integridade física, mantendo-o em segurança durante todo o trajeto, até a chegada ao destino final. 3. Ademais, ao lado do dever principal de transladar os passageiros e suas bagagens até o local de destino com cuidado, exatidão e presteza, há o transportador que observar os deveres secundários de cumprir o itinerário ajustado e o horário marcado, sob pena de responsabilização pelo atraso ou pela mudança de trajeto. 4. Assim, a mera partida do coletivo sem a presença do viajante não pode ser equiparada automaticamente à falha na prestação do serviço, decorrente da quebra da cláusula de incolumidade, devendo ser analisadas pelas instâncias ordinárias as circunstâncias fáticas que envolveram o evento, tais como, quanto tempo o coletivo permaneceu na parada; se ele partiu antes do tempo previsto ou não; qual o tempo de atraso do passageiro; e se houve por parte do motorista a chamada dos viajantes para reembarque de forma inequívoca. 5. O dever de o consumidor cooperar para a normal execução do contrato de transporte é essencial, impondo-se-lhe, entre outras responsabilidades, que também esteja atento às diretivas do motorista em relação ao tempo de parada para descanso, de modo a não prejudicar os demais passageiros (art. 738 do CC). 6. Recurso especial provido.

8 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1960. p. 713; CAVALIERI FILHO, 1998; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros Ed., 1998. p. 65.

9 STJ,EREsp 232.649/SP, Rel. Min. ARI PARGENDLER, SEGUNDA SEÇÃO, j. 26/10/2005, DJ 05/12/2005, p. 216:CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGENCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE COLETIVO DE PASSAGEIROS. O transportador só responde pelos danos resultantes de fatos conexos com o serviço que presta. Embargos de divergência conhecidos e providos.

10 STJ, REsp 703.324/PE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, j. 03/03/2005, DJ 21/03/2005, p. 382:Processual civil e civil. Recurso especial. Ação de indenização por danos materiais cumulada com reparação de danos morais.Prequestionamento. Ausência. Julgamento extra petita.Não configuração. Excludente de responsabilidade. Reexame fático-probatório. Inadmissibilidade. Consonância do acórdão recorrido com o entendimento do STJ. Dissídio jurisprudencial. Ausência de fundamentação. O prequestionamento do dispositivo legal tido como violado constitui requisito de admissibilidade do recurso especial. Independentemente do pedido das partes, pode o juiz determinar a constituição de capital com vistas a garantir o efetivo cumprimento da obrigação indenizatória continuada, a teor do disposto no art. 602 do CPC. É vedado, em sede de recurso especial, o reexame fático-probatório dos autos. O fato de terceiro que exclui a responsabilidade do transportador é aquele imprevisto e inevitável, que não guarda qualquer relação com a atividade inerente à transportadora. Precedentes.Inviável a análise de suposta divergência jurisprudencial com julgados indicados no recurso especial, se esse não foi interposto com fundamento na alínea “c” do permissivo constitucional. Recurso especial não conhecido.

11STJ, AgRg no Ag 1.083.789/MG, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 14/04/2009, DJe 27/04/2009:AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. CONTRATO DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. FATO DE TERCEIRO CONEXO AOS RICOS DO TRANSPORTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA NÃO AFASTADA. SÚMULA 187/STF. INTERESSE PROCESSUAL. SÚMULA 07. AGRAVO IMPROVIDO. n1. Esta Corte tem entendimento sólido segundo o qual, em se tratando de contrato de transporte oneroso, o fato de terceiro apto a afastar a responsabilidade objetiva da empresa transportadora é somente aquele totalmente divorciado dos riscos inerentes ao transporte. 2. O delineamento fático reconhecido pela justiça de origem sinaliza que os óbitos foram ocasionados por abalroamento no qual se envolveu o veículo pertencente à recorrente, circunstância que não tem o condão de afastar o enunciado sumular n. 187 do STF: a responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva. 3. A indigitada falta de interesse processual, decorrente de suposta transação extrajudicial, o Tribunal a quo a afastou à luz de recibos exaustivamente analisados. Incidência da Súmula 07/STJ. 4. Agravo regimental improvido.

12 STJ, EDcl no AgRg no REsp 1325225/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 15/10/2013, DJe 03/12/2013:EMBARGOS DECLARATÓRIOS RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. ARREMESSO DE PEDRA DE FORA DA COMPOSIÇÃO FÉRREA. LESÃO EM PASSAGEIRO. FATO DE TERCEIRO EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental em face do nítido caráter infringente das razões recursais. Aplicação dos princípios da fungibilidade e da economia processual. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem entendido que o arremesso de objeto de fora de trem não se inclui entre os riscos normais da atividade de transporte e, por isso, não gera, para aquele que explora essa atividade, dever de indenizar, por se caracterizar como fortuito externo. Precedentes. 3. No tocante à condenação em verbas sucumbenciais, deve ser observado o disposto no art. 12 da Lei 1.060/50, em virtude da concessão de assistência judiciária gratuita ao autor. 4. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se dá parcial provimento, apenas para que seja observado o disposto no art. 12 da Lei 1.060/50, em relação às verbas sucumbenciais.

13 STJ, AgRg no AREsp 621.486/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/02/2015, DJe 11/02/2015: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE EM ESTAÇÃO DE TREM. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. EMPURRÃO PERPETRADO POR OUTROS PASSAGEIROS. FATO QUE NÃO EXCLUI O NEXO CAUSAL. DEVER DE INDENIZAR. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Inexiste contradição em afastar a violação do art. 535 do CPC e, ao mesmo tempo, não conhecer do mérito do recurso por ausência de prequestionamento, desde que o acórdão recorrido esteja adequadamente motivado. 2. O fato de terceiro que exclui a responsabilidade do transportador é aquele imprevisto e inevitável, que nenhuma relação guarda com a atividade de transporte, o que não é o caso dos autos, em que a vítima foi empurrada por outros passageiros, clientes da concessionária.3. Agravo regimental não provido.

14 Agostinho Neves de Arruda Alvim (1897-1976), jurista brasileiro. Dainexecuçãodasobrigaçõesesuasconseqüências, São Paulo: Saraiva, 1980, p. 330-1.

15 STJ, 4a T., REsp 118.123/SP, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Acórdão de 25-6-1998, Diário da Justiça, Brasília, 21-9-1998, p. 172: “DIREITO CIVIL. TRANSPORTE RODOVIÁRIO. MORTE DE PASSAGEIRO DE ÔNIBUS DECORRENTE DE ROUBO OCORRIDO DENTRO DO ÔNIBUS. FORÇA MAIOR. EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR DE INDENIZAR. PRECEDENTES. RECURSO ACOLHIDO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. I − A presunção de culpa da transportadora pode ser ilidida pela prova da ocorrência de força maior, como tal se qualificando a morte de passageiro decorrente de assalto com violência, comprovada a atenção da ré nas cautelas e precauções a que está obrigada no cumprimento do contrato de transporte. II − Na lição de Clóvis, caso fortuito é o ‘acidente produzido por força física ininteligente, em condições que não podiam ser previstas pelas partes’, enquanto a força maior é ‘o fato de terceiro, que criou, para a inexecução da obrigação, um obstáculo, que a boa vontade do devedor não pode vencer’, com a observação de que o traço que os caracteriza não é a imprevisibilidade, mas a inevitabilidade. Recurso conhecido e provido”.

16 Regimento Interno do STJ (ART. 14, II) e art. 947 do novo CPC.

17 STJ, 2a Secção, REsp 435.865/RJ, Rel. Min. BARROS MONTEIRO, j. 09/10/2002, DJ 12/05/2003, p. 209:RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE COLETIVO. ASSALTO À MÃO ARMADA. FORÇA MAIOR. Constitui causa excludente da responsabilidade da empresa transportadora o fato inteiramente estranho ao transporte em si, como é o assalto ocorrido no interior do coletivo. Precedentes. Recurso especial conhecido e provido.

18 STJ, REsp 215.618/SP, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, j. 9/11/2005, DJ 19/12/2005, p. 392:RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE DE PASSAGEIRO EM COLETIVO. ASSALTO. MORTE. RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR AFASTADA. PRECEDENTES. A Segunda Seção deste Sodalício firmou orientação no sentido de que o assalto à mão armada dentro de coletivo constitui força maior a afastar a responsabilidade da empresa transportadora pelo evento danoso daí decorrente para o passageiro. Recurso especial conhecido e provido.

19 STJ, AgRg no REsp 1456690/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, j. 05/08/2014, DJe 02/09/2014:RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO DE TRANSPORTE. ASSALTO À MÃO ARMADA. FORÇA MAIOR. PRECEDENTES DA CORTE. 1.- A Segunda Seção desta Corte já decidiu que “constitui causa excludente da responsabilidade da empresa transportadora o fato inteiramente estranho ao transporte em si, como é o assalto ocorrido no interior do coletivo” (REsp 435.865/RJ, Rel. Min. BARROS MONTEIRO, DJ 12.05.2003) 2.- Agravo Regimental improvido.

20 STJ, AgRg no Ag 1389181/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, j. 26/06/2012, DJe 29/06/2012: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL – DANOS MORAIS E MATERIAIS. ASSALTO À MÃO ARMADA EM VAGÃO DE TREM. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA EMPRESA TRANSPORTADORA. INEXISTÊNCIA. FUNDAMENTOS DO NOVO RECURSO INSUFICIENTES PARA REFORMAR A DECISÃO AGRAVADA. 1. “Constitui causa excludente da responsabilidade da empresa transportadora o fato inteiramente estranho ao transporte em si, como é o assalto ocorrido no interior do coletivo. Precedentes.” (REsp 435865/RJ, 2o Seção, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 12.05.2003). 2. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

21 STJ, REsp 958.833/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/02/2008, DJ 25/02/2008: PROCESSO CIVIL, CIVIL E CONSUMIDOR. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE PESSOAS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. PRESCRIÇÃO. PRAZO. ART. 27 DO CDC. NOVA INTERPRETAÇÃO, VÁLIDA A PARTIR DA VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO CIVIL. O CC/16 não disciplinava especificamente o transporte de pessoas e coisas. Até então, a regulamentação dessa atividade era feita por leis esparsas e pelo CCom, que não traziam dispositivo algum relativo à responsabilidade no transporte rodoviário de pessoas. Diante disso, cabia à doutrina e à jurisprudência determinar os contornos da responsabilidade pelo defeito na prestação do serviço de transporte de passageiros. Nesse esforço interpretativo, esta Corte firmou o entendimento de que danos causados ao viajante, em decorrência de acidente de trânsito, não importavam em defeito na prestação do serviço e; portanto, o prazo prescricional para ajuizamento da respectiva ação devia respeitar o CC/16, e não o CDC. Com o advento do CC/02, não há mais espaço para discussão. O art. 734 fixa expressamente a responsabilidade objetiva do transportador pelos danos causados às pessoas por ele transportadas, o que engloba o dever de garantir a segurança do passageiro, de modo que ocorrências que afetem o bem-estar do viajante devem ser classificadas de defeito na prestação do serviço de transporte de pessoas. Como decorrência lógica, os contratos de transporte de pessoas ficam sujeitos ao prazo prescricional específico do art. 27 do CDC. Deixa de incidir, por ser genérico, o prazo prescricional do Código Civil. Recurso especial não conhecido.