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Responsabilidade do Município sobre desabamento em área de risco

11 de setembro de 2012

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL No 0000166-03.2007.8.19.0060

Vistos, relatados e discutidos esses autos de Apelação Cível nº 0000166-03.2007.8.19.0060, em que é apelante V. E. e outro e apelado o Município de Sumidouro.

ACORDAM os Desembargadores que compõem a Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, no termos do voto do Desembargador Relator.

Cuida-se de ação indenizatória, proposta por V. E. e C. E., em face do Município de Sumidouro.

Os autores afirmaram que, em 4.10.2007, em razão das chuvas que caíram na cidade, parte do telhado de sua casa desabou, havendo, ainda, risco de uma grande pedra cair sobre ela. Assim, tiveram que deixar a casa e alugar um imóvel para moradia, cujo custo vem lhes causando privações, visto que somente o segundo autor tem remuneração para manter a família.

Alegando que era previsível ao Município réu que, em caso de chuvas fortes, fatalmente haveria danos às pessoas daquela localidade, deve ele responder de forma objetiva pelos danos suportados pelos autores.

Portanto, requereram a condenação do réu ao pagamento de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais), referente ao aluguel pago por eles, além dos alugueres que se venceram ao longo da lide, a título de danos materiais, bem como em danos morais, no valor de R$ 17.500,00 (dezessete mil e quinhentos reais), arcando, ainda, com os ônus sucumbenciais.

Contestação, às fls. 37/46, arguindo preliminar de carência de ação, por impossibilidade jurídica do pedido, e de ausência de interesse processual, bem como de ilegitimidade passiva. No mérito, alegou, em síntese, que as chuvas causaram diversos prejuízos materiais e sociais à cidade de Sumidouro assim como às cidades vizinhas, havendo várias famílias que perderam suas casas, inclusive com perda de vidas; foi enviado consulta ao Ministério das Cidades para inscrever o Município no programa de apoio e construção de casas habitacionais para atender as famílias cujas residências foram atingidas, sem haver qualquer resposta neste sentido; inexistência de negligência do réu, uma vez que não há registro de que famílias perderam casas nos anos anteriores; a Defesa Civil estava no local e decidiu pela demolição do imóvel dos autores, tendo o réu disponibilizado alojamento para os desabrigados, mas a primeira autora não o ocupou, alegando problemas especiais de sua filha, o que não comprovou, preferindo alugar um imóvel para morar; o réu não participou do ato lesivo, tendo tomado as medidas necessárias para minorar o sofrimento vivido pelos autores, devendo ser julgados improcedente os pedidos exordiais, caso superadas as preliminares arguidas.

Réplica, às fls. 57 vo.

Audiência de conciliação, conforme assentada à fl. 66.

Novos documentos a partir de fl. 67, e audiência finalizadora, à fl. 86, com conciliação sem êxito.

O MP manifestou falta de interesse no feito.

Na sentença, às fls. 87/93, foi julgado procedente em parte o pedido, condenando o réu a pagar aos autores o aluguel que vem sendo despendido pelos mesmos, conforme contrato por cópia às fls. 29/30, devendo os valores pretéritos ser apurados em liquidação de cálculo, pelo Contador, com juros de 1% ao mês e correção monetária desde a citação, julgando improcedente o pedido de dano moral, tudo com base no art. 269, I, do CPC. Deixou de condenar o réu em custas, por ser isento, bem como em honorários advocatícios, tendo vista o patrocínio gracioso da Defensoria Pública.

Apelam os autores, às fls. 99/103, requerendo a reforma da sentença, para julgar procedente, também, o pedido de indenização por danos morais, considerando que a experiência vivida pelos autores não se trata de mero dissabor, bem como para que haja condenação do réu em honorários advocatícios em prol da Defensoria Pública, que é órgão do Estado, possuindo orçamento próprio, na forma da Lei Estadual no 1.146/87, não havendo que se falar em confusão.

Não foram apresentadas contrarrazões, conforme certidão, à fl. 108.

A douta Procuradoria de Justiça, às fls. 115/121, oficiou no sentido de que seja conhecido e provido parcialmente o recurso, apenas, para condenar o réu ao pagamento de honorários advocatícios e, em sede de reexame necessário, sugere que seja fixado um termo final para a obrigação de pagar aluguel para os autores, imposta ao Município réu.

É o relatório

A presente lide deve ser resolvida atentos à peculiaridade da questão social que nos é submetida, merecendo ser examinada dando relevância ao princípio da dignidade humana, assegurado no texto constitucional (artigo 1o, III)

O ser humano é a única razão do Estado. O Estado está conformado para servi-lo, como instrumento por ele criado com tal finalidade.

Nenhuma construção artificial, todavia, pode prevalecer sobre os seus inalienáveis direitos e liberdades, posto que o Estado é um meio de realização do ser humano e não um fim em si mesmo (Ives Gandra da Silva Martins, in “Caderno de Direito Natural – Lei Positiva e Lei Natural”, n. 1, 1ª edição, Centro de Estudos Jurídicos do Pará, 1985, p. 27).

Tratam-se de efeitos de desabamento de casa construída em área de risco, situação que envolve o problema de moradia da camada social pobre, que se agrava em face de fenômenos da natureza, como chuvas, envolvendo, portanto, várias casas.

Existência de culpa concorrente, visto que os autores/apelantes sabiam dos riscos e o assumiram ao construírem a casa em local perigoso, e o Município réu deixou de exercer a fiscalização que lhe competia de impedir a construção de casa em área de risco.

Assim, não pode ser excluída a responsabilidade do poder público, principalmente municipal, na solução do problema.

A solução mostra-se complexa, devendo ser tomada considerando, não só o caso isolado trazido aos autos, mas toda população pobre envolvida em situações de mesma natureza.

Diante das circunstâncias dos autos, correta a condenação do Município réu de arcar com o custo do aluguel do imóvel, suportado pelos autores/apelantes, até que lhes seja viabilizado um imóvel para morar, através de programa público destinado a tal fim.

O fato de não ter havido autorização do órgão público para a locação de uma moradia para os autores/apelante não exime a responsabilidade do Município réu/apelado de indenizar tais custos, diante de sua atitude omissiva.

Ressalte-se que cabe ao Estado “lato sensu”, envolvendo as três esferas (federal, estadual e municipal), viabilizar a solução definitiva, não só para os autores/apelantes, mas, também, para as demais famílias pobres que ficaram desabrigadas em face de fatores naturais aliados à omissões do Poder Público.

A douta Procuradoria de Justiça opina que, em reexame necessário, seja fixado um termo final para a obrigação de arcar com o custo de aluguel imposta ao Município réu, considerando que o valor de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais) mensais, despendido há mais de três anos deste processo, já atinge a cifra de R$ 12.600,00 (doze mil e seiscentos reais), e pode ser ilimitado devido à ausência de previsão de termo final na sentença, o que certamente não caracterizará o preço da modesta casa perdida pelos autores.

Mostra-se lógica a conclusão do “Parquet”, de que a ausência de termo final para a obrigação do Município de pagar aluguel mensal para os autores ensejará uma indenização em valor muito superior ao real dano material sofrido por eles, em face dos fatos narrados na inicial.

Por outro lado, impõe-se ponderar que se o Poder Público não se omitir, mais uma vez, tomando medidas eficientes e eficazes para viabilizar, em curto tempo, o problema de moradia dos autores/apelantes, os custos poderão ser reduzidos.

Conclui-se que a responsabilização do Município no presente caso não está atrelada ao valor do dano material sofrido pelos autores, mas à responsabilidade do Poder Público com a assistência social, principalmente, quando se trata de camada pobre da sociedade, desprovida de condições de arcar, por si só, com a moradia de sua família e que ainda se vê atingida por calamidade pública, cujos efeitos foram agravados pela omissão do Estado.

Assim, não há como fixar um termo final para a obrigação do réu de arcar com os custos do aluguel de moradia para os autores, a não ser, até a data em que disponibilizar uma casa ou apartamento a estes, decorrente de programas de atendimento às vítimas.

Ressalte-se que o custo da demora na solução do problema em questão dependerá da gestão pública, não podendo ser suportado pelos autores.

Entretanto, poderá o Ministério Público, utilizando-se dos mecanismos jurídicos que lhe são assegurados constitucionalmente, buscar a responsabilização por eventual improbidade administrativa geradora de prejuízo ao patrimônio público, em face da demora da viabilização de moradia popular aos autores e prolongamento excessivo da obrigação de pagar o aluguel previsto nestes autos.

Considerando que na família dos autores/apelantes não houve vítimas e, principalmente, que há culpa concorrente dos mesmos, descabe a condenação do réu/apelado a indenizá-los a título de danos morais.

Em relação ao Município não há que se falar em confusão com a Defensoria Pública, que é órgão estadual, devendo ser afastado o motivo constante da sentença para a não condenação do réu em honorários advocatícios em favor do referido órgão.

Entretanto, em reexame necessário, impõe-se aplicar a regra do art. 21 “caput” do CPC, tendo em vista a evidente sucumbência recíproca, uma vez que foi julgado improcedente o pedido de indenização por danos morais.

Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso voluntário, mantendo a sentença em reexame necessário.