Responsabilidade social, transparência e inovação

2 de fevereiro de 2023

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Entrevista com o novo presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Desembargador Ricardo Cardozo

Três dias antes de tomar posse como presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), em pleno turbilhão da transição, o Desembargador Ricardo Cardozo gentilmente concedeu entrevista à Revista JC para falar sobre os planos de sua gestão. Eleito em primeiro escrutínio com o voto de 99 dos 185 desembargadores, o magistrado é um profundo conhecedor do Tribunal, no qual, além de corregedor e agora presidente, já ocupou o cargo de diretor-geral da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), dentre inúmeras outras atribuições institucionais.

Na carta que enviou aos magistrados e servidores quando se lançou candidato a presidente, em agosto de 2022, Cardozo já havia enumerado alguns dos principais projetos que pretende colocar em prática, como: o aprimoramento dos canais de comunicação interna e externa, em busca de transparência e participação democrática dos servidores e da sociedade fluminense; a criação das secretarias de Responsabilidade Social e Sustentabilidade e de Governança; a construção de novos fóruns em Magé e Seropédica; e a modernização do parque tecnológico.

Nascido em Niterói, o Desembargador Ricardo Cardozo formou-se bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) em 1979. Foi defensor público do Estado do Rio de Janeiro por cinco anos antes de ingressar na magistratura fluminense, em 1988, tendo sido promovido a desembargador em 2003. Foi ainda juiz eleitoral titular da 246a Zona Eleitoral, coordenador regional eleitoral das áreas de Campo Grande e Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, presidente da 15a Câmara Cível e professor de diversas faculdades de Direito.

Integram a gestão, como corregedor-geral da Justiça o Desembargador Marcus Henrique Pinto Basílio, como 1o vice-presidente o Desembargador Caetano Ernesto da Fonseca Costa, como 2a vice-presidente a Desembargadora Suely Lopes Magalhães, como 3o vice-presidente o Desembargador José Carlos
Maldonado de Carvalho e como diretor-geral da Emerj o Desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo.

Confira a seguir os melhores momentos da entrevista.

Revista Justiça & Cidadania – Desembargador, nossa entrevista acontece com o senhor ainda na condição de corregedor geral da Justiça. Qual é o balanço que faz de sua passagem pelo cargo?
Desembargador Ricardo Cardozo – Como corregedor procurei humanizar a Corregedoria. O que não significa ser complacente com os maus feitos, mas ter um olhar compreensivo tanto para o servidor quanto para o juiz no que toca às suas atividades. Por que o juiz não alcançou aquela meta? Por que o servidor não produz? É preciso indagar se a meta não foi alcançada porque o Tribunal também não está dando ao juiz meios para atingi-la, ou se o servidor agiu de determinada forma porque não teve condições de fazer diferente. Nossa preocupação na Corregedoria foi ter esse foco mais humanizado e partir disso para dar, tanto ao servidor quanto ao magistrado de primeiro grau, a oportunidade de sanar aqueles problemas. Não foi uma corregedoria punitiva. Puniu-se quando realmente tinha que punir. Várias vezes arquivei porque entendi o problema, mas dei ao juiz a oportunidade de se organizar-se e tratar melhor aquele problema.

Outra coisa que também fiz e me deixou muito satisfeito foi reorganizar administrativamente a Corregedoria. Aliás, também o estou fazendo com o Tribunal. Onde chego, reorganizo, pretendendo otimizar os serviços. Sem falsa modéstia, hoje entrego ao Desembargador Basílio uma Corregedoria absolutamente organizada. Para minha imensa satisfação, citando apenas um exemplo, uma diretoria nossa com quatro subdepartamentos e várias subdivisões recebeu o grau máximo na certificação ISO, porque estava tudo absolutamente correto. 

Estou entregando a Diretoria de Serviços Extrajudiciais – atividade que sempre causa certo temor, porque o juiz não domina essa matéria – inteiramente organizada, com menos de 500 processos em curso, processos rotineiros que sempre vai haver. Está com as prestações de contas todas em dia, o que me traz muita satisfação. Digo ao Desembargador Basílio que o fato de ter passado pela corregedoria também vai facilitar muito a vida dele, porque serei um presidente que conhece todos os problemas pelos quais o corregedor passa, as angústias, e vou tentar minorá-las.

(…) Ainda sobre os serviços extrajudiciais, para complementar, hoje participei de audiência pública com o Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Luis Felipe Salomão, para tratar do projeto do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para criar um serviço de registros públicos totalmente informatizado e interligado, no Brasil inteiro. 

Fui convidado porque apresentamos o primeiro código da atividade extrajudicial adaptado à nova legislação, no qual introduzimos todas as modalidades de serviços on-line. Toda a sociedade vai sentir logo a diferença. Vamos poder fazer escrituras on-line sem ir ao cartório, aqui ou no exterior. Vamos ter vários atos de simplificação, todos eles autorizados pela nova legislação que entra em vigor. Foi um trabalho de aproximadamente um ano, que fizemos ouvindo os delegatários, não é nada de cima para baixo, mas um projeto compartilhado, no qual apenas fomos os condutores. São os delegatários que vivem o dia a dia, que sabem onde dói o calo. Temos que ouvi-los e também a sociedade, os advogados que atuam na área. O que resultou nisso, que logo a sociedade fluminense vai sentir. Hoje mesmo o Ministro Salomão me disse, numa conversa on-line, que ele está se utilizando desse nosso projeto como subsídio para essas reformas que ele quer fazer no âmbito do CNJ.

RJC –Por que o senhor decidiu ser candidato a presidente do Tribunal?
DRC – Como disse no dia em que fui eleito, estou vivendo um momento muito especial. Sempre soube o que desejava e esperava para minha vida pessoal e profissional. Desde juiz, tive um objetivo na vida que era galgar e chegar a este patamar. Chegar à chefia do Poder Judiciário sempre foi tratada por mim como uma missão, não como vaidade. Essa busca é lídima, mas o caminho a trilhar deve ser feito com seriedade, ética e respeito. Aprendi a conhecer o Tribunal nos diversos cargos de administração que exerci. Vou cumprir minha missão com a dedicação de quem se preparou a vida toda para exercê-la, com presteza, respeito ao ordenamento jurídico, em consonância com o trabalho de nossos magistrados e servidores, e, especialmente, com atenção aos anseios da sociedade que deposita na Justiça a sua esperança, fé e confiança. Estou pronto para dar continuidade, modernizar, garantir os direitos que todos nós temos.

RJC – Quais são os principais desafios da sua gestão?
DRC – Se queremos uma Justiça operosa, eficiente, moderna, inclusiva e responsável temos muito a fazer. Numa sociedade marcada por profundas desigualdades, o Judiciário ganha especial importância, pois dele se espera o desafio de garantir a eficácia dos direitos com o oferecimento de um serviço de qualidade. Sobre os desafios temos vários, mas destaco dois em especial. O primeiro refere-se à reforma administrativa. Fruto da minha experiência, verifiquei que o TJRJ não está preparado e aparelhado convenientemente para o mundo digital e virtual. Ainda se pensa como se estivéssemos em um mundo analógico. Daí a estrutura administrativa pesada, carregada, burocratizada. Isso precisa mudar. O segundo grande desafio é a informática, que precisamos seguir modernizando para tirar proveitos que tornem a prestação jurisdicional mais rápida e eficiente. Justiça seja feita à administração anterior, que deu início ao processo de renovação digital. É preciso dar continuidade e o farei. 

RJC – E as principais metas para o biênio 2023-2024?
DRC – Apresentei meu plano de gestão para desembargadores e juízes há algum tempo. Ele contempla os projetos especiais que pretendo realizar. Dividi em três áreas: institucional, administrativa e tecnológica. Quero dar continuidade a todas as conquistas da atual administração, especialmente no plano financeiro. Pretendo, na área administrativa, proceder a reforma de que falei anteriormente. Desejo que a carreira da magistratura ande, nunca fique parada, especialmente agora, quando há a entrância única. Na área tecnológica, o objetivo é investir maciçamente, explorar ecossistemas e plataformas digitais. A área de tecnologia da informação (TI) merecerá especial atenção, principalmente ante ao grande volume de dados disponíveis, que demandam o devido tratamento para que deles se extraia conhecimento, tornando a informação acessível ao magistrado e servidor como meio de melhora e facilitação do desempenho funcional.

RJC – O Estado do Rio de Janeiro está em regime de recuperação fiscal. O orçamento do TJRJ para 2023 será suficiente para melhorar a remuneração e garantir os direitos funcionais de magistrados e servidores? Como o senhor pretende gerir o fundo financeiro do Tribunal de Justiça?
DRC – Os direitos de nossos servidores e magistrados estão assegurados. Em junho de 2022 o governador sancionou, após aprovação pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), o novo plano de cargos. O plano é uma conquista e vamos cumprir. A Assembleia aprovou, em dezembro, a proposta orçamentária do Governo do Estado para 2023 e ela contempla o orçamento do Judiciário fluminense. O fundo financeiro do Tribunal de Justiça será gerido como sempre foi, ou seja, com responsabilidade.

RJC – Os tribunais brasileiros enfrentam um histórico congestionamento de processos. O que o presidente tem em mente para contribuir para a diminuição desse acervo? Investimentos em tecnologia? Mediação?
DRC – Como eu disse, nosso plano de gestão tem três eixos e um deles é voltado para o desenvolvimento tecnológico. Acredito muito nos programas de inteligência artificial, que poderão identificar recursos e fornecer soluções. Estamos em plena migração de uma cultura analógica para digital. O Judiciário deve caminhar firme e célere para alcançar uma governança totalmente digital. A tecnologia é fundamental. É nosso foco o investimento maciço em capacitação tecnológica. Vamos explorar os ecossistemas e plataformas digitais. É preciso tratar o grande volume de dados hoje disponíveis, extraindo conhecimento, tornando a informação acessível ao magistrado, ao servidor e para aqueles que buscam nossos serviços. Objetivamos colocar a inteligência artificial a serviço do magistrado e dos serviços do Tribunal. 

Avaliamos, também, que o Tribunal deve desenvolver sistemas de mineração de dados, o que nos ajudará a implantar modelos e planos de fornecimento de serviços, com previsões de demandas, e a detectar problemas previamente. Serão seis pilares para balizamento da gestão tecnológica: inteligência artificial, hardware, software, pessoal qualificado, atenção ao big data e atenção à mineração de dados. 

No âmbito da mediação o Tribunal já conta com iniciativas como, por exemplo, a plataforma +Acordo, desenvolvida em parceria com a PUC-Rio, que permite a solução pré-processual on-line de resolução de conflitos. Essa plataforma pode ser ampliada e, sem dúvida, é um bom instrumento. A mediação sempre será um dos caminhos que vamos trabalhar para evitar o aumento do acervo de processos. A ninguém interessa a manutenção de litígios. 

RJC – Alguns magistrados do TJRJ apontam que enquanto faltam juízes e serventuários na primeira instância, haveria juízes “sobrando” na segunda instância, com magistrados em cargos administrativos cumprindo funções que poderiam ser desempenhadas por servidores. O senhor pretende promover reformas no organograma do Tribunal para melhorar o equilíbrio entre as duas instâncias?
DRC – Meu plano de gestão tem o eixo da governança institucional. O magistrado que presta a jurisdição, seja do 1o ou 2o grau, há de ter nossa consideração e respeito. A Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj) será ouvida nos assuntos que tenham repercussão sobre a atividade funcional dos juízes. Haverá diálogo. Por outro lado, temos o eixo da governança administrativa. Destaquei a necessidade de remodelagem da estrutura administrativa do Tribunal, inserindo novas áreas e conceitos mais compatíveis com o mundo moderno, que se alicerça na tecnologia e virtualidade.

Como novidade, está prevista a criação da Secretaria-Geral de Governança, Planejamento e Compliance. Nela estará inserido o laboratório de inovação, denominado IdeiaRio, cuja missão é pensar projetos para o Tribunal. Nessa linha, também teremos a Secretaria-Geral de Responsabilidade Social e Sustentabilidade. É hora de consolidar programas que indiquem a preocupação do Tribunal com ações de natureza social, que favoreçam a inclusão e a acessibilidade, indicando a preocupação do TJRJ com uma sociedade sustentável. Por fim, teremos a Secretaria-Geral de Administração, que apoiará os órgãos colegiados permanentes e transitórios, mas também com a função de divulgar o conhecimento produzido pelo Poder Judiciário. A meta também é desburocratizar o trabalho. Não é possível num mundo digital se pensar em papel e em etapas e estágios que podem ser suprimidos pelo uso da inteligência artificial.

RJC – O senhor tem algum projeto para ajudar a proteger a mulher que sofre violência no Estado do Rio de Janeiro?
DRC – O combate à violência doméstica e contra a mulher seguirá sendo prioridade em nossa gestão. O TJRJ tem trabalho de vanguarda nessa área. Temos o Observatório Judicial de Violência Contra a Mulher, no qual, além de dados, qualquer pessoa encontra informações sobre nossos programas e projetos de como agir e pedir proteção nesses casos. O Tribunal conta com os Juizados Especial de Violência Doméstica e com instrumentos como o Aplicativo Maria da Penha, através do qual a vítima pode pedir ajuda de qualquer dispositivo eletrônico, por meio de um link. Vamos avançar nessa área, sempre prioritária para o Judiciário fluminense.

Nota_______________________

1 Nota da Redação: O Desembargador se refere ao Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (SERP), que entrou em vigor na data da entrevista (31/1/2023) e ao qual devem aderir todos os estabelecimentos regulados pela Lei dos Registros Públicos (Lei no 6.015/1973), conforme determina a Medida Provisória no 1.085/2021, que aprovada em maio de 2022 modificou a lei então vigente sobre registros eletrônicos (Lei no 11.977/2009).