Edição 279
Segurança jurídica, pressuposto da democracia
7 de novembro de 2023
Tiago Santos Salles Editor-Executivo
“Liberdade é não ter medo”, definiu certa vez a lendária cantora e pianista Nina Simone, líder do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos. De fato, medo e liberdade são grandezas inversamente proporcionais. Quanto mais medo, menos liberdade.
Portanto, é preciso coragem para que se possa viver em liberdade, mas não se trata da coragem associada à força ou à violência. Pelo contrário, a verdadeira coragem é virtude essencialmente pacífica. Como é a coragem do advogado, que por meio da palavra defende os injustiçados, garante suas liberdades fundamentais e protege a sociedade do arbítrio e dos abusos de poder. Ou a coragem do magistrado, que não se furta a assumir posições contramajoritárias, como fiel guardião das leis, para fazer justiça.
É o que se espera dos magistrados e advogados que exercem com sincera dedicação o seu mister: coragem para reafirmar a lei e a justiça, trazendo a todos segurança jurídica e o livre exercício dos direitos da cidadania.
A feliz definição de Nina Simone poderia ser também interpretada como “liberdade é viver em segurança”.
Na edificação de um País melhor, a magistratura e a advocacia nacional têm o dever de ajudar a devolver a previsibilidade à sociedade brasileira, para que o cidadão comum, o empresário nacional e o investidor estrangeiro possam viver, trabalhar, produzir e investir com segurança e liberdade no Brasil – como bem pontuou recentemente o Ministro Nunes Marques, em palestra organizada pela OAB do Mato Grosso do Sul e pela Comissão do Direito Agrário e do Agronegócio do Conselho Federal da Ordem.
Em Londres, no IV New Trends in the Common Law – que faz parte do Ciclo de Estudos de Direito Comparado, promovido por Justiça & Cidadania (leia a cobertura completa na página 12) – outro membro do STF, o Ministro Luiz Fux, endossou essa mesma percepção ao comentar que “se todos são iguais perante a lei, todos são iguais também perante a jurisprudência, não há sentido que tenhamos uma jurisprudência lotérica”. Para Fux, expoente do estudo da Análise Econômica do Direito no Brasil, a forma mais eficiente para dotar o sistema de Justiça brasileiro de previsibilidade é fazer vigorar, de fato, a cultura de respeito aos precedentes judiciais.
Na mesma linha, durante o IV New Trends, o Ministro do STF Dias Toffoli reforçou a certeza de que é a segurança de que pactos, contratos e leis serão interpretados de maneira uniforme um fator essencial para que os agentes econômicos queiram investir e realizar novos negócios no Brasil. Neste sentido, Toffoli defendeu o “efeito vinculante decorrente do juízo definitivo de constitucionalidade, em sede de controle concentrado e de repercussão geral”, para evitar incoerências e prestigiar “a força normativa da Constituição, o princípio da isonomia entre os contribuintes, a livre concorrência e a segurança jurídica”.
De fato, não há dúvida de que a insegurança jurídica deixa a sociedade à mercê de posturas imprevisíveis das instituições públicas, impõem obstáculos ao desenvolvimento econômico, eleva os riscos, desestimula investimentos, favorece a formação de crises, provoca medo e induz o acirramento das desigualdades.
Sabemos, porém, que não é tarefa simples manter a previsibilidade num momento como o atual, de tão rápidas e profundas transformações. Junto com torrente de utilidades que até ontem ignorávamos, mas que sem as quais hoje já não conseguiríamos mais viver, na mediação de aspectos cada vez mais corriqueiros de nossas vidas e interações sociais, a revolução digital trouxe outra torrente, de novos conflitos, ainda não totalmente contemplados nas leis ou interpretados pela jurisprudência.
Como bem ressaltou em Londres outro luminar do Direito nacional, o presidente do Supremo e do CNJ, Ministro Luís Roberto Barroso – que assim como os ministros Toffoli e Fux, nos dá a honra de compor o Conselho Editorial da Revista JC – as novas tecnologias de comunicação e computação, entre elas a inteligência artificial, estão afetando os pilares da civilização liberal, incluindo a autonomia da vontade, que também pode ser bem compreendida como o livre-arbítrio.
“Por quê? Porque, a partir do momento em que as principais decisões sobre nossas vidas puderem ser tomadas de maneira mais eficiente, fora de nós, heteronomamente, romperemos com esse grande pilar que é fazer as escolhas existenciais das nossas vidas. Se vou casar ou não, se eu vou ter religião ou não, etc. A partir do momento em que essas decisões puderem ser melhor tomadas fora de nós, será uma transformação civilizatória muito profunda, que poderá modificar até o significado do que é o ser humano”, avaliou o Ministro Barroso.
Vivemos e viveremos grandes transformações, é verdade. Apesar disso, os principais valores a preservar serão sempre os mesmos: o bem, a justiça, a democracia, a cidadania, os direitos humanos, o meio ambiente, a livre iniciativa e o valor social do trabalho.
Nina Simone estava certa, assim como os ministros Barroso, Toffoli, Fux e Nunes Marques. Há incertezas a superar em tempos de tantas transformações, mas se sabemos o que queremos preservar e se pudermos contar com a segurança jurídica que tanto precisamos – traduzida no respeito aos precedentes, na previsibilidade das decisões, na duração razoável dos processos, no direito ao contraditório, etc. – nosso povo e nosso País terão a liberdade necessária para seguir adiante, sem medo do que nos reserva o futuro.
Leia ainda nesta edição – Além da íntegra da palestra do Ministro Dias Toffoli sobre as tendências tributárias na visão do STF e da cobertura completa do IV New Trends in the Common Law, a Revista Justiça & Cidadania de novembro traz ainda reportagens sobre o 1o Fórum Internacional de Arbitragem de Brasília, o XIII Congresso Internacional de Direito do Trabalho, o 19o Encontro Nacional dos Tabeliães de Protesto, e o II Congresso Internacional de Arbitragem do Med Arb RB.
Leia ainda artigos sobre temas como os 35 anos da Constituição Cidadã, a desjudicialização da execução, a importância da Justiça Eleitoral e outros, assinados por magistrados e juristas de renome, como o presidente do TRF2, Desembargador Guilherme Calmon, o advogado e escritor José Roberto Castro Neves, o conselheiro da AASP, Rogério Lauria Marçal Tucci, o presidente da OAB, Beto Simonetti, e o presidente da AMB, Frederico Mendes Júnior.
Boa leitura!