Sensacionalistas, informativas, alienantes ou produtoras de neuroses? A qualidade nas mídias brasileiras
4 de janeiro de 2017
Sérgio Henrique Silva Pereira Jornalista, professor, produtor, articulista, palestrante, colunista
Os Jogos Olímpicos terminaram ontem [21/08/2016], e deixaram saudades as belas imagens de superações, perseveranças, solidariedade. As cenas trágicas, como desrespeito, não merecem muita atenção, do ponto de vista de encher conteúdo.
Hoje [22/08/2016] liguei a minha TV. Nos canais abertos, ou não pagos, os mesmos assuntos, alguns até repetitivos mesmo, como reprises de certos acontecimentos. Se verificarmos as grades televisivas das TVs abertas, teremos o seguinte resumo:
· Furtos e roubos;
· Menores infratores;
· Pregações exacerbadas da religião protestante;
· Desastres ambientais;
· Defesa da melhor política;
· Matérias e reportagens defendendo único posicionamento;
· Exploração da miséria, da dor, do sofrimento pelos programas de auditório “salvadores” da autoestima;
· Policiais que matam.
As informações mudam, conforme interesses dos donos das emissoras, claro. No entanto, jornalismo também é mercado, as empresas jornalísticas precisam de verbas para pagarem seus funcionários, desde o faxineiro até o jornalista. Também há gastos com equipamentos tecnológicos. Enfim, queira ou não, são empresas em primeiro lugar. Faço as seguintes perguntas:
1. Os conteúdos apresentados aos telespectadores são de acordo com as exigências dos telespectadores ou são de interesses exclusivos dos donos dessas empresas?
2. Os conteúdos apresentados visão informações ou provocar sensações [sensacionalismo] emocionais?
3. Os conteúdos apresentados são conjugações de interesses entre os donos das empresas e dos governantes?
4. A empresas jornalísticas realmente estão em sintonia com o Estado Democrático de Direito?
Vejamos quanto ao item “4”. O que é Estado Democrático de Direito?
a) Democrático — temos a norma do art. 1º contida no corpo da CF/88, em que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. O povo [natos e naturalizados] participam na condução do Estado, os representantes devem acatar às ordens do povo.
b) Direito — em síntese, é tudo que está previsto na Carta Política de 1988, como, por exemplo, os princípios fundamentais [art. 1º], os objetivos [art. 3º], as relações internacionais [art. 4º], a dignidade da pessoa humana [art. 5º], os direitos sociais [arts. 6º e 7º], os princípios da Administração Pública [art. 37], a ordem econômica [art. 170].
Faço observação quanto à letra “a”, de que “O povo [natos e naturalizados] participam na condução do Estado, os representantes devem acatar às ordens do povo”.
Se a maioria do povo, por exemplo, quiser o fim das ações afirmativas, como as cotas raciais, a Lei Maria da Penha? Os representantes devem acatar? Não! A democracia pressupõe o bem, a dignidade humana de todos os brasileiros, e até os estrangeiros, como os atletas que vieram ao Brasil para os Jogos Olímpicos de 2106. Diante dos acontecimentos, por exemplo, acabar com a Lei Maria da Penha seria um retrocesso histórico diante dos inúmeros atos bárbaros dos homens às mulheres. Seria também impensável acabar com as cotas raciais diante dos abismos sociais ainda presentes no Brasil. Seria plausível acabar com as cotas raciais quando todos tivessem as mesmas oportunidades, a começar por ensino eficiente nas instituições sejam elas públicas ou privadas — também existem diferenças de qualidades nas instituições privadas. Porém, as cotas raciais não têm a ver somente com as diferenças de qualidade no ensino, mas fazer com que o convívio entre etnias rompe com séculos de racismos e preconceitos. Quanto mais estreita a relação humana, maior a dor, todavia, da dor, do enfrentamento da dor — dor no sentido de conceber, erroneamente, de que os afrodescendentes são pessoas do mal, esta concepção desgraçadamente construída ao longo dos séculos no inconsciente coletivo brasileiro —, o reconhecimento de um medo ilusório.
Pontuado sobre Estado Democrático de Direito, agora analisaremos a liberdade de expressão e de pensamento.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
(…)
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. ”
Pela leitura, ao pé da letra, a liberdade de expressão e de pensamento são protegidas pela CF/88. A única exceção é o anonimato [inciso IV]. Quer dizer, então qualquer pessoa poderá falar o que bem quiser, mesmo em termos de perseguição aos negros, aos índios, aos nordestinos, às mulheres, aos LGBTs, às religiões consideradas “pagãs”? Ao pé da letra, sim. Porém, atenção, há limites explícitos e implícitos quando se analisa “dignidade da pessoa humana”. São os direitos humanos, que todos possuem, independentemente de classe social, região, morfologia, etnia, crença, sexualidade. Quanto aos Tratados ou Convenções internacionais que versão sobre direitos humanos:
Convenção Liberdade de Expressão
DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS SOBRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO
(Aprovado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em seu 108º período ordinário de sessões, celebrado de 16 a 27 de outubro de 2000)
1. A liberdade de expressão, em todas as suas formas e manifestações, é um direito fundamental e inalienável, inerente a todas as pessoas. É, ademais, um requisito indispensável para a própria existência de uma sociedade democrática.
2. Toda pessoa tem o direito de buscar, receber e divulgar informação e opiniões livremente, nos termos estipulados no Artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Todas as pessoas devem contar com igualdade de oportunidades para receber, buscar e divulgar informação por qualquer meio de comunicação, sem discriminação por nenhum motivo, inclusive os de raça, cor, religião, sexo, idioma, opiniões políticas ou de qualquer outra índole, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS
(Assinada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969)
Artigo 13. Liberdade de pensamento e de expressão
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:
A. O respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou
b. A proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões
4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.
5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.
A liberdade de expressão e de pensamento podem sofrer censura prévia ou ater ser proibida, com fulcro nos itens “4” e “5” do art. 13 da Convenção.
Pergunto, a mídia brasileira, como um todo, tem atendido os preceitos constitucionais? Se você pensar que divulgações sobre violência urbana, sobre podridão política e influência nefasta das empresas particulares na condução do Estado Brasileiro são relevantes para denunciar acontecimentos que merecem repercussões nacional e, com isto, pela ciência do povo, para se tomar providências, então concordo com você. No entanto, como, implícita e subliminarmente, essas informações são transmitidas?
Perguntas:
· Defendem e limitam as matérias e reportagens a único tipo de política [direita ou esquerda]?
· A vida brasileira é inteiramente análoga ao Inferno de Dante?
· Certos tipos de comportamentos [estereótipos] de brasileiros, natos ou naturalizados, ou de estrangeiros de passagem pelo solo brasileiro, são inerentes a determinados tipos de etnia, sexualidade, morfologia, classe social, região, religião, sexo?
· A democracia é a vontade de muitos [utilitarismo] sobre poucos?
· Os meios justificam os fins em casos de manifestações populares, mesmo que sejam em defesa dos direitos civis, políticos, sociais, culturais e econômicos?
· Os direitos humanos protegem bandidos?
· Bandido bom é bandido morto?
· Ação afirmativa é condição de usurpação de direitos dos que, realmente, trabalham arduamente [meritocracia] para conseguirem qualidade de vida?
· Depressão é justificar comportamentos de pessoas sem caráter e sem força de vontade para enfrentar a vida?
· Prostituição é comportamento influenciado pelo demônio ou, então, comportamento de pessoas sem caráter, sem força de vontade para o trabalho honesto?
CONFRONTANDO INFORMAÇÕES E CONHECIMENTOS
Pelas perguntas, pelos conhecimentos adquiridos pela mídia — sem jamais você ter lido algum livro sobre Direitos Humanos, por exemplo, livros que operadores de Direito leem, estudam, fundamentam suas petições, recursos — como você responderia cada pergunta? O desafio. Pegue algum livro, ou peça emprestado, sobre Direitos Humanos, que os operadores de Direito usam. Mantenha suas respostas anotadas. Após a leitura do livro, ou dos livros, que versa sobre Direitos Humanos, qual é a sua opinião? Se for pela paixão, que defende conceitos doutrinários antes da Segunda Guerra Mundial, com certeza você concordará substancialmente com tudo o que, a maioria, da mídia brasileira transmite. Se agir pela razão, ao discernir sobre os acontecimentos durante a Segunda Guerra Mundial, tudo, ou a maioria, que é transmitido pela mídia brasileira desinforma, os direitos humanos, e fomentadora de gravíssimas ideologias, sejam elas políticas, religiosas ou filosóficas, que provocam revoltas, guerras civis e até mundiais.
O QUE É LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE PENSAMENTO NA DEMOCRACIA?
Dizer que o jornalismo é isento, é mentira. Desde o momento que o ser humano passou a escrever, seja em pedras, pergaminhos e, atualmente, digitalmente, o jornalismo sempre divulgou ideias sejam elas contra minorias ou a favor da maioria. Jornalismo, principalmente com o invento do rádio, passou a influenciar pessoas, políticas, ou até derrubar governos, como no caso Watergate. O jornalismo também pode destruir vidas, como no caso Escola Base.
O jornalismo, numa democracia, ou melhor, no Estado Democrático de Direito, tem o dever de passar informações sobre acontecimentos que venham a atentar contra a democracia, sem jamais perder o justo e correto caminho à dignidade humana. Entre a notícia que possa dar maior IBOPE, ou atrair patrocinadores, a dignidade humana deve ser a pedra angular do jornalismo. Informações, mesmo verídicas — bala perdida, traficante, ou miliciano, que mata interesses bestiais —, que exploram e incitam sentimentos, e provocam no íntimo humano a sensação de que algo, por qualquer meio, deva ser feito, não condiz com o Estado Democrático de Direito.
O jornalismo humanístico mostra os fatos cotidianos, bons ou maus, sem jamais descurar de sua função numa democracia. Informação consubstanciada com educação aos direitos humanos. E como seria? Os apresentadores, os âncoras, devem se ater à informação e seus efeitos posteriores na sociedade. Se o âncora, ou qualquer outro jornalista, deixar, implícita ou explicitamente, de mencionar os direitos humanos que todos os seres humanos têm, a função do jornalismo será apenas do tipo “Ctrl + c” e “Crtl + v”. Ou seja, copiar [presenciou, ouviu certo fato], colar [somente transmite]. É gravíssimo o “copiar e colar”, pois informação deste tipo, querendo ou não, influencia.
Por exemplo, digamos que eu mostre duas cenas: um homem espancando uma mulher; um negro correndo com uma bolsa na mão e, atrás dele, um policial também correndo. Primordialmente, pela historicidade brasileira em relação às mulheres e aos negros, por ideologias religiosas e científicas — o homem é um ser inescrupuloso [misoginia], o negro é um bandido. Logo, a função democrática da mídia não é apenas transmitir fatos, mas esclarecê-los ao público. Há casos em que os noticiários, os comentários de repórteres e âncoras são meramente depreciativos e incitadores de preconceitos.
“Você roubou uma senhora, e ainda com essa cara de cachaceiro, não tem vergonha?”
“Então, você assaltou o fast-food. Além de assaltante, burro é, não sabe falar ‘fast-food’. Largue dessa vida e vá estudar!”
A primeira frase faz estereótipo ao dependente químico, de que, por ser dependente, não tem escrúpulos, honra. Na segunda frase, o assaltante, por não saber pronunciar a palavra “fast-food”, é burra, pior, a sua condição de ser analfabeto ao idioma estrangeiro [inglês] o torna propenso à criminalidade. Então os franceses, sem exceção, são todos criminosos e “burros” por não falarem “fast-food”.
Jornalismo é mais do que escrever ou digitar textos, saber usar tecnologias para edições, conhecer os nomes técnicos usados na profissão, em captar fatos. Jornalismo, democrático, é saber transmitir valores que possam contribuir para os objetivos da República [art. 3º, da CF/88]. Diploma, seja para qualquer profissão, não garante sapiência, proficiência, cidadania.