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Setor elétrico brasileiro e a complexidade de suas relações jurídicas

30 de setembro de 2007

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Relações jurídicas estão mais complexas

Em seu discurso, Evandro Coura ressaltou a importância do evento, devido ao aumento da complexidade nas relações jurídicas do setor elétrico nos últimos anos. O presidente da ABCE ainda aproveitou para expor que a direção da Associação está disposta a apresentar contribuições e defender a transparência das ações de órgãos de Estado e do governo. “Demandas como a publicação das atas de reuniões do CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico) são fundamentais aos agentes para que se possam pautar as posições do setor de forma clara e coordenada”, disse. Kelman concordou com o presidente da ABCE, apontando que a publicação das atas do CMSE traz maior qualidade, inclusive, aos processos decisórios. Em seguida, o diretor da Aneel definiu que as direções das agências reguladoras, em especial a Aneel, tratam com cuidado tanto as demandas e influências dos investidores, quanto as dos próprios funcionários das agências, que, por vezes, são agressivos em suas exigências, como se a obtenção de lucro por parte das empresas fosse pecaminosa. Para complementar, Abi-Ackel, afirmou que a CME está buscando fazer sua parte e tem contado com o compromisso dos membros da equipe. “Os deputados estão dispostos a permanecer no grupo até o final de seus mandatos. Isso nos permitirá desenvolver um trabalho de longo prazo, com benefícios à sociedade e ao setor”, concluiu.

 

Procuradoria Geral da União

Luís Henrique Martins dos Anjos foi o responsável pela exposição da palestra “A Constituição e a Jurisprudência no Setor Elétrico”, apontando precedentes da AGU (Advocacia Geral da União) em ações judiciais envolvendo o segmento. O procurador afirmou que a Constituição no Estado Democrático tem o papel de estabelecer e mediar as relações da esfera pública e privada, cabendo aos advogados do governo federal respeitar este princípio. Dentre os casos de jurisprudência apresentados por Anjos estavam a cassação de liminares concedidas em situações em que todas as partes envolvidas não eram ouvidas e os procedimentos administrativos já cumpridos pelas empresas ignorados. “A Procuradoria Geral da União também interfere nas ações em que há conflitos de competência, a exemplo do questionamento do mérito de concessão, que é federal, por advogados estaduais”, explicou.

 

Processo Administrativo

No painel “Reestruturação do Processo Administrativo Punitivo e as Agências Estaduais Conveniadas”, Claudio Girardi, que é Procurador Federal da Aneel, destacou que a agência reguladora se envolve em questões diversas, no entanto, “o órgão tem a atuação extremamente voltada aos atos normativos”. Com o objetivo de oferecer melhores condições às concessionárias para que possam alcançar o equilíbrio econômico do empreendimento, a agência dividiu recente-
mente as atividades da procuradoria da agência em núcleos temáticos, possibilitando assim a especialização dos profis-sionais em alguns temas. Anabella Araújo, Advogada da CPFL
e membro do Grupo de Trabalho (GT) Processo Adminis-trativo, apresentou o resultado do estudo conduzido por advogados representantes de concessionárias associadas à ABCE. Em relação à resolução da Aneel 273/07, a proposta é inserir em seu texto itens que decorrem da Lei Federal 9.784/99, tais como a possibilidade de apresentação de alega-ções pelos interessados em qualquer tempo antes da tomada de decisão; o melhor regramento das hipóteses de suspeição e impedimento das autoridades julgadoras; e a previsão de possibilidade de revisão dos processos admisnistrativos encerrados e que tenham resultado em sanção. Nessa hipótese, seria assegurada a “reabertura” da discussão administrativa, podendo a empresa punida solicitar o reexame da penalidade aplicada nos casos em que venha a surgir algum fato novo ou circunstância relevante que não tenha sido examinada na decisão. Já as medidas sugeridas para a resolução da Aneel 63/04 visam explicitar o alcance e a efetiva caracterização das infrações já previstas, adequar o enquadramento das infrações às penalidades mais pertinentes, estabelecer critérios objetivos para a fixação das penalidades, levando em conta a abrangência territorial dos danos efetivos causados e o porte econômico dos agentes, além de prever a não incidência de acréscimos moratórios nos períodos, cuja paralisação do processo não seja de responsabilidade do agente. O Procurador Geral substituto da Aneel, Ricardo Brandão, por sua vez, deixou claro que a agência precisa e deve se estruturar para que as decisões do órgão sejam estabelecidas de forma mais ágil.

 

Partes Relacionadas

Entre as motivações para a atualização da Resolução 22 da Aneel, que trata das condições necessárias para transferência de tecnologia, assistência técnica e prestação de serviços entre partes relacionadas, Antonio Ganim, Superintendente de Fiscalização Financeira da Aneel, apontou os novos regulamentos, a desverticalização das atividades do setor elétrico, maior agilidade nos negócios de agentes e a otimização dos trabalhos da agência no painel “Contratos entre Partes Relacionadas – A Resolução 22 e Propostas de Alteração”. “O escopo da nova resolução vai se aplicar a todos os contratos firmados entre partes relacionadas e dispensar a anuência prévia para contratos, conforme critérios de relevância e de finalidade”, disse. André Serrão, Advogado e sócio do escritório Wald Associados, propôs que sejam feitas alterações na resolução para sua maior eficácia, a exemplo de prazo para deliberação da agência; distinção técnica entre revogação e anulação (os conceitos hoje se confundem); identificação de hipóteses e parâmetros de mercado a partir da criação de bancos de preços, entre outras. “A modificação da definição de partes relacionadas, de acordo com o artigo 243 da Lei das Sociedades Anônimas é outra proposta”, acrescentou Manuel Negrisoli, Gerente da CPFL, responsável pela apresentação do trabalho do GT de Partes Relacionadas da ABCE.

 

Imposto Territorial Rural

Delvani Leme, Consultor Jurídico da Copel e Coorde-nador do Comitê Jurídico-Tributário da ABCE, e Maria Leonor Leite Vieira, sócia do Barros Carvalho Advogados Associados, mostraram alguns resultados de um litígio iniciado no final da década de 90 entre concessionárias do setor elétrico e o fisco, em relação à cobrança do ITR (Imposto Territorial Rural). “A Câmara Superior de Recursos Fiscais julgou improcedente a incidência de ITR sobre empreendimentos do setor elétrico porque estes se tratam de bens públicos, pertencentes à União”, explicou Maria Leonor, acrescentando que em nenhuma hipótese a incidência do imposto cabe às empresas do setor. “As empresas devem se unir e buscar o direito de não serem cobradas, dando preferência para a solução na esfera administrativa. Se todos seguirem este raciocínio, será formado um consenso em relação ao tema e o segmento não sofrerá mais com autos de infração pelo não pagamento do imposto”, concluiu Leme na apresentação do último painel do dia.

 

O Judiciário e Carga Tributária do Setor Elétrico

A ministra Eliana Calmon, responsável pela apresentação da palestra “O Judiciário e Carga Tributária do Setor Elétrico”, insistiu que o ensinamento do papel político que deve ser desempenhado pelos juízes de primeiro grau promoveria aos magistrados condições para a compreensão das conseqüências de seus atos na sociedade. Ela criticou o excesso de liminares concedidas sem que haja um estudo mais aprofundado dos casos. “A visão política do judiciário é fundamental. A magistratura de primeiro grau tem dificuldade em entender a privatização, o novo modelo do setor elétrico e a amplitude de suas decisões. Tem cabido aos tribunais intermediários e superiores este papel. Outro ponto é a não aceitação da independência necessária às agências reguladoras por parte do governo”, acrescentou, apresentando também questões relacionadas às tarifas, incidência de ICMS e decisões do STJ. Eliana encerrou sua palestra comentando que o setor de energia elétrica é altamente sensível ao governo porque “dele depende o desenvolvimento nacional, a execução do PAC”.

 

A Legislação Brasileira e a Renovação das Concessões

O painel destinado ao debate sobre a renovação das concessões no setor elétrico foi capitaneado por Elena Landau, sócia do Escritório de Advocacia Sérgio Bermudes e coordenadora do Grupo de Trabalho (GT) de Estudos sobre Renovação de Concessões da ABCE. A economista e advogada aproveitou o momento para lançar, oficialmente, o GT e convidar os participantes do evento e interessados em integrar o grupo que fez uma primeira análise sobre a necessidade de regulação das condições e critérios para a prorrogação dos contratos de concessão. “Há uma grande concentração de contratos com vencimento em 2015, por isso é importante se discutir o assunto neste momento, não deixando que venha a ocorrer na época em que os procedimentos deverão estar já estabelecidos”. Elena ressaltou que a renovação de concessões deve ter regras para atender aos diferenciais dos setores de distribuição, transmissão e geração, em função das características específicas de depreciação dos ativos e dos investimentos que são mais intensivos em determinados segmentos, como é o caso da área de distribuição. De acordo com Maria D’Assunção Costa, Diretora Presidente do IBDE (Instituto  Brasileiro de Estudos do Direito da Energia) e também integrante do GT, historicamente o cenário legislativo nacional prevê as cláusulas de prorrogação dos contratos, validando-as e tornando-as legais. “A Lei 9.427/95 permite à Aneel firmar contratos com cláusula de prorrogação”, expôs. Já Guilherme Baggio, Consultor Jurídico do MME, lançou a polêmica ao afirmar que a possibilidade de prorrogação não pode ser confundida com a vontade política de renovar o contrato com os mesmos concessionários ou abrir mão do lançamento de uma nova licitação ao empreendimento da concessão. Segundo ele, já em 2010, haverá vencimentos de contratos de concessão, sendo fundamental despontar as discussões sobre o tema no atual momento. “Os reflexos desse debate que se inicia hoje poderá ser sentido em menos de três anos, quando terá início o período de renovação de contratos”, concluiu.

 

Energia e integração 

No módulo “O PAC e a Integração Energética Sul Americana – Como regulamentar”, Jorge Samek, Diretor Geral brasileiro da Itaipu Binacional, defendeu que o Brasil deve liderar o processo de integração energética regional, a exemplo do que a Alemanha e a França fizeram na Europa para impulsionar o mercado comum. “Só o Brasil tem 50% da potência instalada na América do Sul. Além disso, o país está em condição privilegiada em relação aos demais países nos aspectos econômicos, além de contar com apenas 30% de suas fontes renováveis exploradas para a geração de energia”, citou.

Para Fernando Rojas, presidente da colombiana ISA Capital do Brasil, que detém a Transmissão Paulista – CTEEP, a integração energética regional depende do compromisso dos governos, trabalho focado nos reguladores e respaldo dos agentes. Em sua apresentação “Reflexões sobre a Integração Energética na América Latina”, destacou que os desafios ligados ao atendimento da crescente demanda por energia elétrica na região compreendida pelos países latinos passa pela interligação entre os sistemas, despacho de energia coordenado e integrado, além das integrações regionais e supra-regionais do operador e do administrador do sistema.“Trata-se de um projeto de longo prazo. Não se consegue alcançar a integração energética em uma única década”, disse. “E entre os elementos que podem comprometer este processo estão a ausência de vontade política, o temor da dependência de outros países e a falta de investidores – responsáveis pela execução desse projeto internacional”, complementou.

Rojas acredita que, apesar dos desafios a serem superados, o estabelecimento de um “tratado de comércio energético” traria redução aos custos de produção, transmissão e distribuição da energia, contribuindo à inclusão de consumidores ao sistema e a qualificação do serviço. Luiz Antonio Sanches, diretor jurídico da ABCE, como mediador do painel, concluiu as exposições sinalizando que, para se ter uma visão regional do setor elétrico, é necessário incluir as questões geopolíticas, além das premissas jurídicas, econômicas e técnicas do setor, favorecendo a busca pela segurança energética essencial ao desenvolvimento da nação.

 

Reforma Tributária

Luiz Bezerra da Silva, do Departamento de Infra-Estrutura da Fiesp e coordenador do GT de Estudos Tributários da Associação, apresentou, no último painel, do evento demandas que têm por objetivo desonerar a indústria nacional. Entre os principais pontos, citou a redução da base de cálculo do IPI em 50% para a compra de equipamentos destinados a projetos de estudo ambiental e a proposta de alteração da base de cálculo do ICMS à lei federal do imposto. De acordo com Cristiano Noronha, analista chefe e sócio da Arko Advice, só as empresas do setor elétrico responderam em 2004 por 5% da soma de todo o valor de impostos e encargos arrecadados pelo governo. Arnaldo Jardim, Deputado Federal (PPS/SP) e membro da CME (Comissão de Minas e Energia da Câmara), mostrou que os legisladores estão cientes da situação limite e que o esforço do grupo parlamentar é impedir a elevação da carga tendo em vista a Reforma Tributária. “O estabelecimento de um teto racional para o índice de Compensação Ambiental é prioridade neste momento, uma vez que há propostas sugerindo a cobrança ao absurdo de 5% do valor do empreendimento”, afirmou. Jardim ainda disse que o CME planeja apresentar ao Poder Executivo um projeto com propostas de gradação para a redução dos tributos que incidem sobre o setor.