Shopping centers e lojistas se unem contra projeto de lei que tenta fixar IPCA para aluguel

27 de abril de 2021

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Shopping Cidade de São Paulo reabre na Avenida Paulista (Foto: Roberto Parizotti/FotosPublicas)

Executivos criticam “interferência do estado” em contratos privados; setor de shoppings também pretende propor “rodízio” de fechamento em caso de nova onda de Covid-19

Um projeto de lei tem tirado o sono de locatários e inquilinos Brasil afora, principalmente em contratos de aluguel comercial, como os shopping centers. É o PL 1026/21, de autoria do deputado Vinicius Carvalho, do Republicanos, que determina o uso do IPCA como base para acordos do tipo, em vez do IGP-DI / IGP-M. No ano passado, o primeiro índice chegou a menos de 5%, enquanto o segundo bateu 23%.

A Lei do Inquilinato (8245/91) não determina qual é o índice que deve ser usado em reajustes de contratos de aluguel, mas o IGP, que tem elementos como construção civil e câmbio em sua composição, passou a ser adotado pelas empresas.

O pedido de urgência para aprovação do PL uniu líderes de entidades setoriais que representam os dois lados da mesa em uma relação de aluguel comercial: shopping centers e lojistas. “O acordo entre as duas partes, como já é feito, é o que rege a liberdade contratual, administrativa e econômica. Com o tempo o IGP-M acabou se tornando o índice referência, mas não é aplicado todo ano, em todas as circunstâncias. Em alguns anos, o índice estava abaixo do IPCA, inclusive, e aplicamos”, explica o presidente da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), Glauco Humai.

Ao longo desta semana, o executivo deve cumprir agenda em Brasília para mostrar a parlamentares que a proposta pode trazer mais problemas do que benefícios ao país. “Além de ser algo inconstitucional, se classifica como clara interferência do estado em contratos privados. O país está tentando recuperar a confiança internacional. Isso com certeza não vai ajudar.”

O presidente da Associação de Lojistas de Shoppings (Alshop), Nabil Sahyoun, ressalta que por mais que os varejistas estejam sofrendo com o reajuste mais alto, e que o cenário ideal nesse momento sejam as negociações com base no IPCA, o projeto não deve ser encarado como a solução para os problemas.

Sahyoun também vê a proposta como uma interferência do governo no âmbito privado e acredita que a melhor saída é a negociação entre os dois lados. “É muito mais fácil você fazer um acordo neste momento com o lojista que já está há muitos anos com você, e os dois se mantiverem juntos para sair desse momento em que todos estão levando prejuízo”, explica.

Humai diz que as negociações entre os 601 shopping centers e os cerca de 110 mil lojistas têm acontecido com análises individuais de cada caso. “No ano passado, abrimos mão de R$ 5 bilhões em aluguéis por quatro meses, em grande parte dos shoppings. Seria um contrassenso o setor abrir mão de receber receita de aluguel em um ano e no outro aplicar quase 30% de reajuste deliberadamente. Não existe isso.”

Ele explica que o reajuste mais alto tem sido aplicado a alguns casos específicos, como lojistas que conseguiram um faturamento acima da média ou que estavam há bastante tempo sem revisão nos valores contratuais. No entanto, recentemente, a Associação Brasileira de Franchising (ABF), emitiu um comunicado falando sobre a dificuldade de negociação das unidades franqueadas com os centros comerciais.

Humai diz que, também nessa semana, levará dois pleitos para os governos estaduais e federal com a reinvindicação de um auxílio efetivo para o pequeno e médio lojista e também para os shopping centers. “Vamos solicitar uma linha de crédito com prazos longos e taxas mais baixas, além da possibilidade de dinheiro a fundo perdido (não reembolsável ao governo), pois ninguém ficou fechado por opção.”

Outra demanda será a negociação ou até isenção de impostos. Humai diz que os empreendimentos desembolsaram cerca de R$ 1,2 bilhão em IPTU só no mercado paulista em 2020, sem nenhum tipo de abatimento pelo tempo que ficaram fechados.

Vendas estão 36% menores em 2021

O setor ainda amarga perdas de faturamento, mas que vêm desacelerando a cada semana. Entre 12 e 18 de abril, por exemplo, a queda foi de 47,2% em relação à semana anterior (5 e 11 de abril), quando as perdas tinham sido de 55,4%. O acumulado entre 4 de janeiro e 18 e abril apresentou uma queda de 36,3% em relação ao mesmo período do ano passado. Os números foram levantados no Índice Cielo do Varejo Ampliado (ICVA), e divulgados pela Abrasce. Atualmente, 600 dos 601 shopping centers já estão reabertos. Apenas o de Sete Lagoas (MG) permanece fechado.

Humai diz que essa reabertura tem trazido um consumidor mais confiante e seguro para os shopping centers do que na primeira onda da pandemia, mas as restrições de ocupação não ajudam a reverter as perdas – em São Paulo, por exemplo, os espaços só podem funcionar com 25% da capacidade. “Antes da pandemia, consumidor passava em média 76 minutos no shopping, depois da primeira onda da pandemia, reduziu para 25 minutos. Não temos esse dado exato agora, mas a percepção com os shoppings é que a visita é mais rápida.”

Shoppings querem rodízio entre os setores

Ainda nessa semana, o presidente da Abrasce pretende se reunir com representantes do Ministério da Economia para apresentar uma proposta de rodízio de funcionamento dos setores, no caso de uma próxima onda de contaminação.

Humai observa que alguns segmentos, como construção civil e indústria, se mantiveram abertos durante todo o período, enquanto o varejo era penalizado com o fechamento. “A proposta é que, se houver uma nova onda, se faça um rodízio de 15 dias, por exemplo, para cada setor, para que todos possam ter algum tipo de faturamento.”

Sayhoun, da Alshop, também foi convidado, e diz que apoia o posicionamento da Abrasce, mas ainda não confirmou a participação no encontro.

Por que o IGP subiu mais do que o IPCA – e qual é o mais adequado para o varejo agora?

O especialista Daniel Cerveira, sócio do escritório Cerveira Advogados e consultor juírido do Sindilojas (SP), explica que índices baseados no IPC (índice de preços ao consumidor) são os mais adequados para serem aplicados em contratos de aluguel no varejo, uma vez que o IGP sofre impactos de itens como variação cambial e preços de commodities, pouco relacionados ao setor.

Cerveira diz que o locatário deve propor um acordo ao locador, uma vez que a Lei do Inquilinato (ainda) não determina qual índice deve ser usado e nem mesmo a necessidade de reajustes.

“A minha sugestão é sempre o lojista buscar incluir algum IPC como índice de reajuste do seu aluguel, por serem menos voláteis e acompanharem os preços do varejo (consumo). Uma opção é prever que o locativo será reajustado pela média do IGP e do IPC escolhidos. Outra alternativa é estabelecer um teto para o IGP frente ao IPC, por exemplo, estabelecer no pacto locatício que o IGP não poderá variar mais que 20% que o IPC no período contratual”, sugere.

Durante a pandemia, o especialista recomenda que o inquilino contate o locador para tentar um acordo, seja para a não aplicação de um reajuste, a mudança do índice usado como base para a revisão ou até um desconto no valor pago atualmente. “É importante registrar que existe base jurídica para pleitear a substituição do IGP pela via judicial, bem como que, se não fosse a pandemia, não teríamos a disparada deste índice nos moldes atuais.”

Publicação original: Revista PEGN