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Sinais de trânsito e daltonismo político

8 de março de 2016

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Jessé TorresO Estado Democrático de Direito, adotado pela Constituição brasileira, convive com pelo menos três concepções, desenvolvidas ao longo do século XX: a do estado liberal, a do estado da promoção social e a do estado regulador.

Os limites e a dinâmica da democracia em face dessas concepções devem ser objeto de permanente debate, dependente de diálogo que a ninguém exclua. Afastadas promessas ilusionistas, há de prevalecer a realidade de vida das pessoas em suas relações públicas e privadas.

Quando se trata de compreender os controles que a sociedade deve exercer sobre o estado organizado segundo a democracia e o direito, uma didática explicação dos modernos compêndios compara-os aos sinais de trânsito (vg, LOVELAND, Ian. Constitutional law, administrative law and human rights. 7. ed. Londres: Oxford University Press, 2015).

Os teóricos da “luz vermelha” (estado liberal) concentram prioridade nos meios de impedir a intervenção governamental sobre a autonomia individual (na Constituição Federal/1988, art. 170, IV e parágrafo único).

Os teóricos da “luz verde” (estado da promoção social) sustentam que o governo deve submeter a autonomia individual à realização do bem-estar coletivo e à efetivação dos direitos sociais (na Constituição Federal/1988, art. 6o).

Os teóricos da “luz amarela” (estado regulador) ponderam que as necessidades individuais distribuem-se por amplo espectro socioeconômico-cultural, exigente de estrutura flexível e controle sobre a dosagem das intervenções do estado (na Constituição Federal/1988, art. 174).

A cor vermelha indica ser proibido avançar sobre a livre concorrência, desde que leal; a verde estimula a satisfação do bem-estar das pessoas, observados os limites de velocidade; a amarela acende sempre que erro ou má-fé houver no planejamento da rota ou no ritmo que se imprima ao veículo, sempre em movimento.

Qualquer que seja o partido governante, a didática das cores pode esbarrar no daltonismo político, inepto para identificar quando o muito é demais e o pouco não é o bastante para se chegar a destinos desafiantes de consenso, no prazo planejado e respeitadas as características do veículo de que se disponha.

Governos politicamente daltônicos concorrem para situações de crise porque baralham as cores ou não as distinguem. O excesso ou a escassez do vermelho, do verde e do amarelo produzirão desordem no trânsito da produção eficiente de bens e serviços, da justa distribuição do trabalho e da renda, da educação e da saúde de qualidade para todos, do respeito à segurança pública e das relações jurídicas, do equilíbrio entre receitas e despesas, da probidade na gestão pública.

Inverter ou remover os sinais trará caos ao trânsito. É preciso compreender o significado de cada cor e debater sobre os cruzamentos, avenidas e acessos onde devem ser reforçados os semáforos existentes, instalados os ausentes ou retirados os dispensáveis. Motoristas, pedestres, condutores e passageiros de­vem manifestar-se, pois sabem, ou deveriam saber, onde a sociedade estará mais exposta a acidentes, atropelamentos e morte.

As personagens desse trânsito responderão às instâncias competentes, sem exceção, pelas infrações àqueles sinais, seus resultados e a intenção com que as cometeram.

O debate permanente entre os atores sociais em busca de consensos traduz a democracia; a prevenção e a reparação de danos civis, criminais, administrativos e ambientais significam o direito. Por isso que os poderes constituídos, em todas as esferas federativas (União, estados e municípios), devem funcionar respeitosos das respectivas funções, constrangidos pela soberania da sociedade, como traçada na Constituição e nas leis.