Edição 73
Sistema Rio Card: Decisão judicial limita uso do cartão
31 de agosto de 2006
Jorge Pereira Fernandes Juiz de Direito
Sentença
Dispensado relatório na forma do artigo 38 da Lei 9.099/95, passo a decidir.
O autor ajuizou a presente demanda alegando, em síntese, que a ré bloqueou o cartão “Rio Card Sênior” do autor em setembro de 2005. Assevera que, no dia 09.09.2005, diligenciou junto à ré, ocasião em que foi orientado a pedir uma segunda via. Sustenta que pagou R$ 10,00 para obter a segunda via. Aduz que o cartão foi novamente bloqueado pela ré em 17.10.2005, sob o fundamento de grande utilização pelo autor. Argumenta que a Constituição e o Estatuto do Idoso não estabelecem limites para a utilização do serviço. Desse modo, pretende obter antecipação dos efeitos da tutela para determinar à ré o fornecimento de novo cartão para o autor. Pretende, ainda, obter a condenação da ré a apagar R$ 6.000,00 a título de danos morais.
O pedido de antecipação dos efeitos da tutela foi indeferido na decisão.
Devidamente citada, a ré apresentou a contestação escrita alegando, em síntese, que o autor foi beneficiado com a gratuidade dos transportes públicos em razão de ser idoso, motivo pelo qual obteve o “Rio Card Sênior”. Aduz que esse benefício foi instituído às pessoas idosas como uma política pública na área de assistência social. Assevera que o cartão foi bloqueado em setembro de 2005 como medida inibitória para coibir práticas abusivas, pois o autor declarou que utiliza o cartão para o trabalho. Por fim, aduz a assistência de danos morais.
Na audiência de instrução e julgamento, o autor aduziu que utiliza o cartão “Rio Card Sênior” para realizar trabalhos de despachante, que a lei municipal não restringe o número de viagens para o idoso e que está a nove meses sem a utilização do cartão.
No mérito, a ré confirma, em contestação, que o autor é titular de um cartão “Rio Card Sênior” em razão de ser uma pessoa idosa, bem como que bloqueou este cartão em setembro de 2005 por causa de seu uso excessivo. Por outro lado, suscita a tese defensiva acerca da burla ao sistema das gratuidades, uma vez que, o autor utiliza o cartão para exercer a função de despachante.
O artigo 230, §2º da Constituição da República assegura aos idosos a gratuidade dos transportes coletivos urbanos. Trata-se de um benefício da assistência social concedido ao idoso, explicitando a norma geral prevista no artigo 203 da Constituição da República.
Ocorre que a União só pode legislar sobre normas gerais em matérias de assistência social, conforme estabelece o artigo 24, XII c/c §1º, da Constituição da República, competindo aos municípios editar normas mais específicas acerca da gratuidade dos transportes coletivos urbanos, nos termos do artigo 30, V, da Constituição da República.
Dessa forma, o artigo 39 do Estatuto do Idoso, que dispõe sobre a gratuidade nos transportes coletivos aos idosos, deve ser interpretada conforme a constituição, restringindo sua aplicação aos transportes coletivos de competência da União, notadamente, o transporte internacional e interestadual.
Entendimento em sentido resultaria inconstitucionalidade, artigo 39 do Estatuto do Idoso, por violação dos artigos 24, XII c/c §1º 30, V, da Constituição da República.
Esse benefício foi instituído pelo Município do Rio de Janeiro por intermédio da lei municipal 3.167/2000 e o decreto municipal 198.936/2001, com cópias anexadas à contestação, que dispõem sobre sistemas de bilhetagem eletrônica, ou seja, sobre “Rio Card Sênior” utilizado pelo autor.
Ocorre que esse benefício de caráter assistencialista tem por finalidade remediar a má distribuição de renda e promover inclusão social, reconhecendo a situação de vulnerabilidade e de hipossuficiência econômica do idoso. Para tanto, esse benefício é suportado pela sociedade com a elevação do valor da tarifa ou com o aporte de recursos públicos provenientes do tesouro municipal.
Entendimento em sentido diverso resultaria inconstitucionalidade da legislação municipal, vista que o artigo 195, §5º, da Constituição da República estabelece que nenhum benefício de assistência social será criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio.
Todavia, observo que o próprio autor declarou em audiência que utiliza esse cartão para exercer a função de despachante. Essa alegação é confirmada pelo extrato de utilização desse cartão acostado à contestação, comprovando a utilização superior de viagens diárias, ou seja, superior a 300 viagens por mês.
Dessa forma, é evidente que o autor não utiliza o “Rio Card Sênior” como um benefício de assistência social, mas o utiliza para economizar o custo do transporte, cujo ônus é suportado pela sociedade resultando em proveito exclusivo para o autor e seu empregador.
Contudo, não obstante a abusividade perpetuada pelo autor, observo que não se pode excluir de toda utilização do “Rio Card Sênior”, sob pena de violação do artigo 230, §2º, da Constituição da República.
Portanto, para que o autor possa utilizar o “Rio Card Sênior” sem violar os postulados da assistência social, fica o limite imposto aos estudantes municipais previsto no artigo 9º do decreto municipal 19.936/2001, ou seja, 156 viagens mensais.
Por fim, não há elementos nos autos que demonstrem que o autor sofreu qualquer espécie de constrangimento ou outra afronta à sua dignidade a título de dano moral.
Ante o exposto, julgo procedente em parte o pedido para condenar a ré a fornecer um novo “Rio Card Sênior” para o autor, com limite de 156 viagens mensais, no prazo máximo de 10 (dez) dias contado da leitura da sentença, sob pena de multa diária no valor de R$ 20,00 (vinte reais). Julgo improcedente o pedido de indenização por danos morais.
Sem custas nem honorários, de acordo com o art. 55 da Lei 9.099/95. Em cumprimento do artigo 40 da Lei 9.099/95, remetam-se os autos para o Juiz Togado. Após a homologação: publique-se, registre-se e intimem-se. Com o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquive-se.