Sobre a regulação das redes

5 de abril de 2023

Luis Felipe Salomão Presidente do Conselho Editorial / Corregedor Nacional de Justiça / Ministro do STJ

Tiago Santos Salles Editor-Executivo

Compartilhe:

Em 33 a.C., Marco Antônio foi vítima da primeira notícia falsa registrada pela história. Foi no período do Segundo Triunvirato, governo formado após o assassinato de Júlio César (em 44 a.C.). Com o exílio de Lépido, que fracassou na tentativa de tomar o poder para si, entraram inevitavelmente em conflito o sobrinho e herdeiro de César, Otaviano, e seu braço direito, Marco Antônio. Houve uma guerra de propaganda feroz entre os dois lados, que disputavam apoio público e a autoridade militar.

Na época, Marco Antônio havia se estabelecido no Oriente. Situado em Roma, com maior capacidade de influenciar o Senado e o povo da cidade, Otaviano aproveitou-se da ausência para espalhar a notícia falsa de que o rival havia registrado em testamento o pedido para ser enterrado no Egito, por ter se entregado ao fascínio da sedutora Cleópatra. Não havia ofensa maior para o romano do que ser enterrado fora de seu território, o que levou Marco Antônio a ser visto como um traidor.

Otaviano leu o falso testamento em voz alta e fez com que o Senado emitisse um decreto retirando de Marco Antônio seu direito legal de liderar os exércitos romanos, fato que foi crucial para a vitória de Otaviano na guerra civil que se seguiu, determinada com a batalha de Actium, em 31 a.C., e pelo posterior suicídio do rival e de sua rainha egípcia. Na sequência, Otaviano se tornaria o primeiro imperador de Roma, tomando o nome de Augusto César.

Essa foi a primeira notícia falsa que se tem conhecimento, mas depois dela muitas outras campanhas de desinformação relacionadas às disputas de poder foram registradas ao longo da história. A diferença é que hoje, com o advento da Internet e das novas tecnologias da comunicação, esses conteúdos maliciosos são disseminados instantaneamente e podem afetar o curso dos acontecimentos com igual velocidade, não raro buscando subverter a vontade popular e a legitimidade das instituições democráticas.

Nas primeiras ondas de distribuição massiva de fake news que surgiram e se intensificaram nas eleições brasileiras de 2014, 2016, 2018 e 2020, a Justiça e a sociedade como um todo pouco puderam fazer para enfrentar o mecanismo que, com a utilização de robôs e inteligência artificial, intentou manipular os medos e preconceitos do cidadão comum com uma torrente de desinformação contínua, sete dias por semana, 24 horas por dia.

Porém, com a transformação paulatina da consciência social em relação às notícias falsas, todos os segmentos da sociedade, incluindo as instituições da Administração Pública, as universidades e os meios de comunicação desenvolveram mecanismos que, com o apoio das normas jurídicas, começam a enfrentar de forma mais eficiente esse mal da contemporaneidade. No Poder Judiciário, o esforço nesse sentido ocorreu de forma coordenada entre os conselhos e tribunais superiores, com destaque para as resoluções do CNJ e para a criação de programas próprios de enfrentamento à desinformação pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Dentre os personagens envolvidos nesse movimento coordenado da Justiça nacional, ninguém encarnou melhor o papel de guardião do binômio constitucional “liberdade com responsabilidade” do que o Ministro Alexandre de Moraes. O magistrado liderou com firmeza digna de aplausos a Justiça Eleitoral brasileira na sucessão política mais turbulenta da história do País desde a redemocratização, agitada pelas mesmas milícias digitais e gabinetes de ódio que ele enfrenta, com idêntico destemor, na condição de relator dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos. 

Quando desmonetizou os sites e redes que lucram com as notícias falsas e chamou as big techs para assumir suas responsabilidades em relação às fake news – como já fazem em relação à pedofilia e à proteção de direitos autorais, por exemplo – o magistrado também estabeleceu novos paradigmas para a operação destas empresas no Brasil. 

Ainda não foi o suficiente. O País precisa de um novo marco legal para regular a difusão de informações por meios digitais, que corresponsabilize quem impulsiona, patrocina ou de outra forma monetiza e amplifica informações sabidamente falsas e/ou ilegais. 

Na trajetória da nossa nação, é inadmissível que seja cedido o mínimo espaço para retrocessos civilizatórios, como tentar impor quaisquer narrativas ideológicas por meio da mentira, da negação da ciência e do ataque às instituições democráticas, seja nos meios digitais ou em batalhas campais para a tomada de palácios – como faziam as antigas legiões romanas ou como fizeram os vândalos que atacaram a democracia em 8 de janeiro. Que as nossas diferenças, no Brasil de hoje e de amanhã, sejam todas resolvidas pelo convencimento, pelas eleições ou pela Justiça.

Saiba mais sobre esse assunto relevante no atual debate público nacional nesta edição da Revista JC, em especial na cobertura do evento sobre liberdade de expressão e regulação das redes sociais, realizado em março no Rio de Janeiro; no artigo assinado pelo Ministro Gilmar Mendes – membro do nosso Conselho Editorial – que espelha a palestra magna proferida pelo magistrado no mesmo evento; além da reportagem sobre os seis anos de magistratura no STF do Ministro Alexandre de Moraes, personagem central desta discussão.

Confira ainda nessa edição o registro sobre aposentadoria antecipada do Ministro Ricardo Lewandowski, que encerra 33 anos de carreira na magistratura, mas que vai continuar a dar importantes contribuições ao Brasil como jurista e professor.

Leia também as coberturas dos eventos promovidos em março pela Revista JC, além de artigos de magistrados e juristas sobre os temas do momento na agenda jurídica do País.

Boa leitura!