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STF atua para conter judicialização da saúde

4 de outubro de 2024

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Ministro Gilmar Mendes, Supremo Tribunal Federal

Suprema Corte fixou parâmetros para a concessão de medicamentos fora da lista do SUS. Tema é considerado  um dos mais complexos no Judiciário; são quase 800 mil processos em andamento no país

Quatro anos após estabelecer que a Justiça pode autorizar a liberação de medicamentos de alto custo em casos excepcionais, o Supremo Tribunal Federal (STF) avançou, em julgamento concluído em setembro, para a adoção de medidas que diminuam a judicialização da saúde. O entendimento fixa critérios para que juízes concedam remédios que não estejam previstos nas listas oficiais do Sistema Único de Saúde (SUS) e cria uma espécie de filtro para sua liberação.

O cenário atual é preocupante. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), entre 2008 e 2015, os gastos com o cumprimento de decisões judiciais para a aquisição de medicamentos e insumos saltaram de R$70 milhões para R$1 bilhão, aumento de mais de 1.300%. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que estão em andamento atualmente 800 mil processos sobre o tema. E a ampliação de processos que tratam de saúde cresce de forma alarmante a cada ano: em 2020, eram 347.320 processos novos, em 2023 foram 574.125 e, até junho deste ano, foram 306.247 novos casos, devendo chegar até dezembro de 2024 a 600 mil casos iniciados em um único ano.

As regras são fruto de acordo costurado após 23 reuniões com diversos atores públicos e privados numa espécie de conciliação. A solução foi apresentada pelo decano do Supremo, ministro Gilmar Mendes, e confirmada por unanimidade pelo colegiado, durante julgamento no plenário virtual. “O objetivo deste julgamento foi promover justiça para a toda a sociedade. Ou seja, atender, de forma segura, a quem precisa de medicamentos caros e diferenciados, sem que isso comprometa o funcionamento do sistema público de saúde. A judicialização excessiva na área da saúde é uma questão importante para o país, e o Supremo Tribunal Federal trabalha para enfrentar o problema e tentar apresentar soluções que beneficiem o maior número de brasileiros, sem deixar de olhar por aqueles que tenham questões específicas e precisam de mais atenção do Estado”, destacou o ministro Gilmar Mendes para a Revista Justiça & Cidadania.

Conselheira Daiane Nogueira de Lira, responsável no CNJ por questões sobre judicialização da saúde

A conselheira Daiane Nogueira de Lira, do CNJ, também afirmou que a decisão colabora para um sistema público eficiente, sustentável e com acesso igualitário. “Dentre os aspectos positivos, destaco a solução consensual entre os entes federativos e as entidades envolvidas. Os acordos resultaram na divisão clara de responsabilidades entre União, estados e municípios e na definição de critérios para a repartição da competência entre a Justiça federal e a estadual, o que deverá reduzir conflitos entre os entes federativos e agilizar a tramitação dos processos. De modo geral, saem fortalecidos a federação, o sistema de justiça, o SUS e os cidadãos.”

Critérios definidos no julgamento – O Supremo definiu a competência para processar e julgar demandas envolvendo medicamentos não incorporados ao SUS, com registro na Anvisa, que vão tramitar na Justiça federal quando o valor do tratamento anual for igual ou superior a 210 salários mínimos. Nesses casos, os medicamentos serão custeados integralmente pela União. Quando o custo anual unitário do medicamento ficar entre sete e 210 salários mínimos, os casos permanecem na Justiça estadual. A União deverá ressarcir 65% das despesas decorrentes de condenações dos estados e dos municípios.

Até dezembro de 2024, será criada plataforma nacional para reunir todas as informações sobre demandas de medicamentos. Isso deve facilitar a gestão e o acompanhamento de casos, além da definição das responsabilidades entre União, estados e municípios. Na determinação judicial de fornecimento do medicamento, o magistrado deverá estabelecer que o valor de venda do medicamento seja limitado ao preço com desconto, proposto no processo de incorporação na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou valor já praticado pelo ente em compra pública, aquele que seja identificado comso de menor valor.

Em outra frente, o Supremo decidiu que a concessão judicial de medicamentos deve ocorrer com avaliações técnicas à luz da medicina baseada em evidências. A Justiça terá que exigir uma série de critérios, que são cumulativos. O Judiciário só pode ser acionado se o SUS não tiver algum tratamento alternativo, diante da apresentação de evidências científicas robustas que sustentem a eficácia e a segurança do medicamento solicitado, além de que o pedido tenha sido rejeitado inicialmente na esfera administrativa.

O autor da ação judicial deve comprovar, entre outros requisitos, que não tem recursos para comprar o medicamento. Após eventual liberação do remédio, o Judiciário deve comunicar a órgãos competentes para avaliarem a possibilidade de sua incorporação no âmbito do SUS.

No julgamento, o relator apresentou voto conjunto com o presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso. No voto, eles ressaltaram que, como os recursos públicos são limitados, é necessário estabelecer políticas e parâmetros aplicáveis a todas as pessoas. “Não é viável ao poder público fornecer todos os medicamentos solicitados. A judicialização excessiva gera grande prejuízo para as políticas públicas de saúde, comprometendo a organização, a eficiência e a sustentabilidade do SUS”, escreveram. Para os ministros, “a concessão de medicamentos por decisão judicial beneficia os litigantes individuais, mas produz efeitos sistêmicos que prejudicam a maioria da população que depende do SUS. Como resultado, afeta-se o princípio da universalidade e da igualdade no acesso à saúde”.

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