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STJ: Tribunal agora é digital

30 de junho de 2009

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A tão esperada modernização do Judiciário brasileiro começa a se tornar realidade a partir de uma iniciativa inédita do Superior Tribunal de Justiça. A corte é uma das primeiras do mundo a efetivar projeto para completa eliminação do processo em papel. Em 8 de junho último, Cesar Asfor Rocha, Presidente deste que é o segundo mais importante Tribunal do País, iniciou a distribuição das ações por meio eletrônico. Com um único clique, encaminhou para os ministros que compõem a corte o primeiro lote dos 70 mil recursos especiais e agravos de instrumentos já digitalizados.
O sistema eletrônico existe para as demandas que foram protocoladas no STJ a partir de 2 de janeiro deste ano. Ou seja, destina-se apenas, neste primeiro momento, aos novos processos. O próximo passo é digitalizar o acervo existente, que não é pouco. Resta ainda o considerável volume de mais de 250 mil ações, cuja tramitação ocorre inteiramente em papel. Estima-se que, juntas, elas somem cerca de 200 milhões de folhas. Apesar da quantidade, o Presidente da corte espera digitalizar tudo até o final do ano. Para isso, ele pretende terceirizar o serviço.
O caminho trilhado até o momento, no entanto, pode ser considerado um marco para o início da modernização da Justiça.  Asfor Rocha lembrou que hoje, ao se afirmar que determinado Tribunal está informatizado, está apenas a se dizer que o andamento ou uma decisão correm por meio digital. Para concretizar o projeto de informatização, foram muitos os desafios que o Ministro precisou enfrentar. É que a preparação para tramitação dos processos no sistema requisitou mudanças de estrutura e, principalmente, de pensamento.
A mudança estrutural foi possível com a realocação de funcionários e espaços. Dessa forma, 10 salas do subsolo do Edifício dos Plenários, que antes viviam abarrotadas com milhares de pastas arquivadas em prateleiras e carrinhos, passaram a ser o coração do projeto de virtualização. É lá que os processos que chegam em papel são digitalizados. Isso envolve a certificação, para saber se todas as folhas que integram os autos foram escaneadas, assim como a indexação, a autuação e a classificação das peças processuais.
A mudança de pensamento, no entanto, é o que mais chama a atenção. O início não foi fácil, lembrou Asfor Rocha. “Quebrar paradigmas é algo muito difícil. Tem que haver a decisão política de querer fazer. Depois, vem mudar rotinas. No início, os ministros acharam que poderiam ocorrer incômodos. E os servidores tinham medo de tornarem-se desnecessários. Eles estão vendo que isso não ocorrerá e que terão qualificação profissional e qualidade no ambiente de trabalho bem maiores”, contou o Presidente do STJ.
“Vou dizer algo: é preciso empolgação para isso dar certo, porque são muitas as barreiras a serem quebradas”, desabafou o Ministro.
Apesar de certa resistência, a iniciativa acabou envolvendo a todos. Os dois sábados anteriores ao início da distribuição eletrônica exemplificam de que forma. Sem ganhar hora extra, 120 servidores da Presidência do STJ e da Secretaria Judiciária trabalharam das 7h às 19h na análise, indexação e baixa de 4.060 processos, que passaram a tramitar apenas pelos computadores da corte.
Os ministros também mostraram interesse e aderiram ao sistema de pronto. Menos de duas horas após o início da distribuição eletrônica, alguns já haviam utilizado a ferramenta para decisões monocráticas. Foram seis naquele dia, proferidas pelos ministros Castro Meira, Herman Benjamin, Luis Felipe Salomão, Humberto Martins (uma de cada um) e Mauro Campbell (duas). As determinações decorrem da apreciação de cinco agravos de instrumento e um recurso especial — todos sobre temas com entendimentos já consolidados nos tribunais superiores.

Meta é reduzir distribuição
Com o sistema eletrônico, o STJ espera diminuir o tempo de distribuição dos processos, que atualmente pode chegar a oito meses. A meta é que o espaço entre a saída da ação da segunda instância até o ingresso na corte superior seja de apenas sete dias. Essa redução, apesar de substancial, não é um objetivo impossível. O programa confere mais agilidade e eficiência à tramitação dos feitos, pois elimina rotinas que, em muitos casos, só burocratizam o Tribunal.
Um exemplo disso está relacionado ao horário para protocolo de petições, que deixou de ser limitado apenas ao funcionamento dos cartórios da corte. Agora, quem atua junto ao Tribunal Superior conta com uma sala virtual inaugurada no portal deste na Internet. Chamado de e-STJ, o espaço disponibiliza alguns dos principais serviços oferecidos pelo Tribunal, de forma online. Entre os quais, o peticionamento eletrônico, por meio do qual as partes podem encaminhar petições até às 23h59min.
No e-STJ, destaca-se também o Sistema Push de Acompanhamento Processual, que permite aos interessados o acesso aos autos 24 horas por dia, sete dias por semana, a partir de qualquer terminal com acesso à rede mundial de computadores. Isso, simultaneamente. Esse, sem dúvida, é o ponto mais revolucionário do sistema. É que, atualmente, o advogado precisa ir ao Tribunal para retirar o processo para análise e, após um período estipulado, retornar à corte para devolvê-lo. Nesse tempo, a outra parte fica impedida de verificar as peças processuais. O processo eletrônico põe fim a isso.
Apesar dessa possibilidade que o sistema confere, Asfor Rocha explicou que o prazo para as partes verificarem a ação continuará existindo. “Ainda continuaremos a fazer intimações para as partes, elas apenas não vão mais precisar tirar o processo do Tribunal. No entanto, vamos admitir que o advogado queira o processo porque goste de tê-lo em papel. Ele poderá imprimir. Agora, se ele disser ‘eu só acredito se for ao STJ’; no Tribunal, há várias possibilidades, uma é a de ele receber o processo gravado, em CD ou pendrive. E se, mesmo assim, ele quiser o processo impresso, simples: hoje ele não paga por uma cópia? Então, nós imprimiremos e ele pagará pela folha. O objetivo é eliminar o papel, dar mais velocidade, diminuir os custos e proporcionar mais qualidade de trabalho a todos”, afirmou Asfor Rocha.
O sistema eletrônico também motivará a informatização de todas as rotinas do Tribunal. “Tudo será virtualizado e certos procedimentos internos serão suprimidos. Por exemplo, quando o processo chega ao STJ, até chegar ao gabinete do Ministro, há muitas remessas de uma seção para a outra. Isso será suprimido”, explicou Asfor Rocha.
Além de celeridade, outro benefício proporcionado pelo novo sistema está relacionado a uma economia maior. Para as partes, o custo será inegavelmente menor, pois seus advogados não terão mais que se deslocar até Brasília sempre que necessitarem verificar os autos. E para o STJ, a estimativa é de redução ou mesmo  supressão dos cerca de R$ 200 milhões pagos anualmente aos Correios com a remessa e retorno dos processos. “Com isso, também teremos mais segurança, uma vez que, no transporte, os papéis podem se perder e prejudicar o recorrente”, afirmou Asfor Rocha.
O Presidente do STJ não revelou números, mas contou que o investimento realizado no projeto de informatização foi menor que o esperado. Todo o sistema foi desenvolvido por técnicos do Tribunal, a partir de softwares livres. E está disponível para quem quiser adotá-lo: tribunais brasileiros ou mesmo de outros países.

Incentivo ao processo digital
Incentivar as cortes do País a adotar o processo eletrônico, aliás, é outra meta do projeto de informatização desenvolvido pelo STJ. De acordo com Asfor Rocha, o processo será mais ágil à medida que os tribunais forem implantando a tecnologia. Em relação à distribuição, por exemplo, a estimativa é de que caia para 72 horas o tempo até a disponibilização dos autos aos ministros, a partir do momento em que esses começarem a subir à instância superior em meio digital.
O Presidente do STJ conta que está dialogando com os tribunais do País sobre a importância do projeto e da concretização do processo de modernização. Mas não tem feito só isso. Para, por assim dizer, apressar a adoção do processo eletrônico, a corte superior tomou uma decisão: devolver às cortes de origem todos os processos que subiram em papel e foram digitalizados pelo Tribunal Superior.
Dos 4.060 processos digitalizados nos mutirões realizados antes do início da distribuição eletrônica, por exemplo, 3.380 foram devolvidos aos tribunais de origem. A medida não deixa de ser uma forma de pressionar as demais instâncias para que ingressem na era digital.
Segundo Asfor Rocha, a resposta das cortes tem sido positiva. “Temos a crença de que os tribunais de justiça e os tribunais regionais federais irão, em pouco tempo, remeter seus processos para o STJ de maneira eletrônica”, afirmou o Ministro. “E, mais dia, menos dia, isso terá que ocorrer”, acrescentou o Presidente do STJ, sobre a integração deste com os demais tribunais do País.