Arbitragem – a presença do advogado

30 de abril de 2012

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A arbitragem não teve sucesso no Brasil até o advento da Lei no 9.307, de 23/9/96, que a disciplinou. Nesses quinze anos, já pode ser vista como meio de solução de conflitos, ao lado da mediação. O Supremo Tribunal Federal colaborou intensamente para o prestígio do instituto, no julgamento da Sentença Estrangeira no 5206-7, afastando qualquer inconstitucionalidade legal.

Quando da discussão parlamentar do projeto dessa lei, houve certa resistência dos advogados, daqueles que viam a possibilidade de exclusão da classe, no ponto em que a presença do causídico seria facultativa, e não obrigatória, à participação do advogado na arbitragem. Esse é um aspecto que merece atenção.

A Constituição Federal reconheceu que o advogado é indispensável à administração da Justiça (art. 133, CF/1988), sendo que , certamente, é um conceito que vai muito além de Poder Judiciário.

De forma muito simplificada, se extrai dessa norma onstitucional a imprescindibilidade de que o causídico esteja presente no desenrolar de questões – a exemplo da arbitragem – cuja própria natureza, ainda que não jurisdicional, faz nascer, permanecer ou encerrar um direito oponível por seu constituinte a outrem, ou por outrem ao seu constituinte.

Existe uma motivação, um móvel, que leva o legislador a inserir determinado comando no ordenamento positivado, sobretudo quando se trata de norma de expressão constitucional. O advogado, evidentemente, não é uma categoria especial, mas, sem dúvida, é especializada. E aí reside sua imprescindibilidade no que toca ao juízo arbitral.

Ora, por mais “simples” que seja um procedimento de saúde ou uma questão estrutural em sua casa, mais seguro o cidadão sente-se na presença do médico ou engenheiro, respectivamente. Perante uma decisão que irá refletir na sua esfera pessoal, jurídica e patrimonial-legal não é diferente.

Portanto, a questão extrapola a simples zona de conforto e segurança. Trata-se de uma decisão racional de disposição para lidar com consequências muitas vezes imprevisíveis e que não se limitam ao âmbito subjetivo individual. Ao declinar de um médico, engenheiro ou advogado, o sujeito assumirá uma responsabilidade pessoal e irrevogável. Não é um risco racionalmente aceitável.

Ao primeiro relance – e somente assim –, na nova sistemática da arbitragem, impressionou a não obrigatoriedade da participação do advogado no processo conciliatório, porquanto facultativa (art. 21, § 3o, Lei 9.307). Entretanto, tal faculdade não exclui o advogado do processo arbitral por ser figura que sempre será ouvida nas questões essenciais ligadas à Justiça.

A arbitragem é direito ou equidade. Na equidade, impõe-se a demonstração das regras equitativas, por certo com base jurídica. Ora, a equidade é também princípio da Lei 9.099/95, dos Juizados Especiais, o que demonstra essência eminentemente de direito.
Surge a arbitragem, pois, de convenção por termos nos autos (judicial) ou por escrito particular (extrajudicial). Certamente, ninguém entrará em aventura jurídica sem a presença de patrono sob pena de que exatamente assim se defina sua empreitada: aventuresca.

Se a arbitragem visa a resolução célere e eficiente de uma situação, a ausência do advogado pode transformá-la na circunstância preparatória para um problema maior que não mais será passível de resolução extrajudicial. O papel do causídico aí é essencial para prevenir, traçar diretrizes, orientar e garantir o melhor resultado possível e esperado.

Ruy Barbosa disse que “Não há outro meio de atalhar o arbítrio, senão dar contornos definidos e inequívocos à condição que o limita”. Sim, a arbitragem tem regras, limitações, restrições e trâmites aos quais a parte, muitas vezes insegura e emocionalmente envolvida, não irá compreender e ultrapassar sozinha.

Cabe ao advogado, pela confiança de que se vê investido e pela especialidade técnica de que se reveste, auxiliar seu constituinte nos “contornos” e “atalhos” do arbítrio, apontando-lhe a melhor solução no atendimento de suas aspirações.

Carlos Alberto Carmona, um dos três membros da Comissão Relatora do Anteprojeto da Lei de Arbitragem e autor de diversas obras e artigos a respeito do tema, em lapidar exposição na sua obra, explica que “o advogado exerce, pelo menos, quatro papéis bem definidos no processo arbitral: advogado da parte, consultor da parte, consultor do órgão arbitral e árbitro”.

Carmona explica ainda que no processo arbitral é exigido mais do advogado do que no contencioso, porquanto as regras são outras: dispensa-se a agressividade que outrora – em juízo – teria sua utilidade; demanda-se com frequência conhecimento de legislação internacional, senão de outros idiomas, e, por fim, há renúncia aos recursos e às manobras procrastinatórias. De fato, o autor conclui que as partes não são obrigadas a nomear advogados, mas pondera: “será difícil, efetivamente, imaginar uma arbitragem de porte médio que seja sem a presença direta e constante de um advogado”[1].

A prudência imporá às partes, na arbitragem, o socorro a advogados. Ninguém deixará a atuação do causídico a pretexto da utilização do especialista, do perito ou árbitro; pela mesma razão que ninguém pedirá ao farmacêutico, na presença do médico, que lhe examine; ou ao encanador, na presença do engenheiro, que projete a rede hidráulica de sua casa. Prudência e bom senso.

Falando em prudência e bom senso, um ponto que merece especial atenção é a cláusula compromissória. Frise-se que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do  “Americel” (REsp no 450.881), reconheceu a validade da cláusula compromissória e decidiu que, depois de firmada, a parte não poderá desistir da arbitragem e ingressar no Judiciário.  Assim, seja na elaboração da referida cláusula, seja ao longo do processo arbitral já instaurado, como sustentar a dispensa do advogado? Se o objetivo é exatamente evitar o ingresso posterior no Judiciário, de que outro modo, se não com o respaldo do advogado, as partes terão segurança para aceitar a proposta da parte adversária e realizar uma conciliação definitiva e bem sucedida?
Se a parte não quiser implementar a arbitragem, será compelida em juízo (art. 7o, § 3o). É necessária a presença de advogado na hipótese judicial. Acentua-se a atuação do advogado nos depoimentos, nas testemunhas e perícias. Não é crível a dispensa do advogado e a utilização dos usos e costumes.

Há, na lei, via de consequência, uma série de hipóteses de presença indispensável do advogado: nulidade da convenção da arbitragem (art. 20, § 1o); ação incidental sobre direitos indisponíveis (art. 25); nulidade da sentença arbitral (art. 33); a sentença condenatória arbitral ser título executivo (art. 30). Também a homologação da sentença arbitral estrangeira dependerá de requisição por advogado, perante o STJ.

A formação jurídica da discussão arbitral sempre imporá a convocação do advogado, porque ainda sem recurso ou homologação do laudo em juízo, o debate resvalará para o plano judiciário. As questões postas são importantes e certamente a presença do advogado é impositiva, e não optativa.

A arbitragem agora veio para ficar. Desafia o passado quando não se consolidou, seja pelas dificuldades inerentes ao importante instituto, pelo pouco tempo de vida da lei (15 anos) ou pela reticência – inexistência – em sua aplicação.

A arbitragem é viável? É importante? Sim. O fato de ter vencido a resistência histórica para se firmar como meio alternativo para a solução de controvérsias no Brasil é prova inequívoca disso. Nada obstante, também os grandes entusiastas que a viam como “a panaceia para os males de que padece o Poder Judiciário”[2] foram obrigados a aceitar as limitações impostas pela realidade: há longo caminho a percorrer.

As críticas existem e sempre existirão, como também em relação ao Judiciário. Mas elas fortalecem o caráter e ajudam no crescimento.

Na busca pelo ajuste fino, fruto da maturidade perseguida, é pertinente destacar a consciência da importância na escolha do árbitro adequado. No Judiciário, o juiz pode não conhecer a matéria, não ser especialista. Na arbitragem, não. Se há erro dos árbitros, a decisão é irrecorrível. E se a decisão estiver errada?  Pode ser corrigida? Muitas vezes, não.

Em 15 anos (2011), a Lei 9.307 e, portanto, a instituição da Arbitragem, só tem louvores. O seu exercício, a sua atuação, permitiram o visível aperfeiçoamento. Certamente hoje, muitos advogados participam na arbitragem, ora como árbitros, ora como patronos das partes ou consultores. Daí a importância de que tenham aval para atuar em todas as fases do processo.

A recente popularização da arbitragem no Brasil é um indicativo de mudança de paradigmas sociais. A Ministra do STJ, Fátima Nancy Andrighi, há aproximados 15 anos escreveu sobre o tema. Afirmava, já em 1996, no artigo Arbitragem: solução alternativa de conflitos que “A promulgação da nova Lei de Arbitragem, há muito esperada, abrigou grandes esperanças da comunidade jurídica nacional, no sentido de que a Administração da Justiça esteja no caminho da democratização”.

Sagrada autoridade no assunto, a Min. Nancy foi relatora de casos exponenciais, leading cases submetidos à apreciação do STJ que firmaram as diretrizes a serem seguidas pelo instituto. Ademais, conduziu campanhas nacionais para divulgar a arbitragem e defender seu melhor aproveitamento, especialmente quanto às relações de consumo. Visionária que é, antecipou o papel da conciliação na Copa do Mundo de Futebol a realizar-se no país em 2014.

Essa mudança – da qual a Min. Nancy Andrighi é uma das mais ilustres precursoras – demonstra evolução cultural do Direito que é, qualquer acadêmico o sabe, destinado a garantir a ordem, a paz e a justiça sociais. Ora, a arbitragem, neste ínterim, compõe o Direito como instrumento de manutenção da ordem social.

Na administração da justiça, via de consequência, entra o advogado. Seja por força de determinação constitucional, seja pela imposição do bom senso, seja mesmo para garantir a segurança subjetiva e o conforto emocional do litigante durante o processo de composição.

O futuro se lhe abre adiante tão certo quanto o incerto pode ser. Cheio de promessas. É típico nos jovens – e a arbitragem não é diferente – a vontade e a crença de poder mudar o mundo. Fazer diferença, fazer diferente. Desafiar paradigmas. Acreditar que, ao ser percebida pela primeira vez, já está suficientemente madura.

Nessa jornada, a ser seguida por tão louvável instituto, muitos os profissionais e leigos disponíveis e bem intencionados a assisti-la. O advogado, contudo, irá se sobressair dentre eles.

Ser advogado é prestar compromisso. É ser patrono, protetor, não apenas do constituinte ou da norma positivada, mas do Ordenamento Jurídico e da Justiça. É papel que dispensa convocação.

A presença do advogado na arbitragem, portanto, é a consequência natural da evolução do instituto e de sua radiação no cotidiano da sociedade, de modo a repassar segurança aos envolvidos no processo conciliatório e legitimidade às soluções adotadas.



[1] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: Um comentário à Lei no 9.307/96. 3. Ed. São Paulo: Atlas. 2009.299-300 pp.

[2] Op. Cit. p. 2