Edição

Sucessão trabalhista

10 de setembro de 2016

Compartilhe:

José-GeraldoQuem milita na Justiça do Trabalho conhece este calvário: o empregado é dispensado e nada recebe da empresa “A”. Move ação, ganha, mas na hora de receber, o antigo patrão já não está mais no endereço onde foi citado. Feita a diligência, o oficial de justiça certifica que no lugar da empresa “A” está a empresa “B”. Ouvido, o empregado diz que a empresa “B” é sucessora da empresa “A”, e o juiz do trabalho autoriza a execução contra os bens da empresa “B” apenas porque está instalada no lugar onde antes estava a empresa “A”. A empresa “B”embarga a execução dizendo que nunca contratou aquele empregado nem tem nenhuma ligação com a empresa “A”. O CNPJ é outro, o objeto social é outro, os sócios são outros. O juiz despreza suas razões e diz que a empresa “B” é sucessora de “A” porque está no mesmo endereço.

Quando decidem assim, os juízes demonizam o ponto, isto é, espargem sobre o ponto comercial uma espécie de maldição, como se todos os futuros empresários que ali se estabelecerem devessem pagar todos os débitos deixados pelos antigos empresários, ainda que não haja entre eles nenhuma ligação jurídica ou contratual nem tenham em tempo algum contratado os empregados que agora reclamam seus direitos.

 O que o Direito entende por “ponto”

Ponto”, para o direito comercial, é o lugar onde o empresário estabelece a sua empresa. Empresa é a atividade do empresário (CLT, art.2o). Empregado é toda pessoa física que, pessoalmente, presta serviço subordinado e oneroso ao empregador (CLT, art.3o). Se o empregador é a empresa, e empresa é a atividade do empresário, o empregado presta serviços a essa atividade, e não ao empresário mesmo. É só por isso que os arts.10 e 448 da CLT dizem que a modificação na estrutura jurídica da empresa não afeta o contrato de trabalho nem os direitos dos empregados.

 Quando sucessão no Direito do Trabalho

Para que haja sucessão no Direito do Trabalho dois requisitos são imprescindíveis: a atividade de uma empresa tem de passar das mãos de um para as de outro empresário e os contratos de trabalho dos empregados da antiga empresa têm de continuar com a nova empresa, sem qualquer interrupção.

 Quando não há sucessão no Direito do Trabalho

Dissemos que, para haver sucessão, é preciso que a atividade de uma empresa passe para outra empresa e que os contratos de trabalho da antiga empresa sejam mantidos pela nova. Se a atividade de uma empresa é transferida para outra, no todo ou em parte, mas os empregados da empresa antiga nãocontinuam trabalhando para a nova, não há sucessão. Esses empregados têm de buscar seus créditos junto à antiga empresa ou junto a seus sócios. Por outro lado, se a atividade da antiga empresa não foi transferida para a nova empresa, pouco importa se os empregados da antiga empresa continuaram ou não trabalhando para a nova. Não haverá sucessão, mas novos contratos de trabalho celebrados com o novo empregador.

 Pondo os pingos nos is

Um exemplo talvez ajude. Dissemos que ponto é o lugar onde o empresário se estabelece para exercer sua atividade econômica. Imaginem que, nesse ponto, o empresário tenha se estabelecido com um motel. A atividade empresária é um motel. Depois de certo tempo, esse empresário decide deixar o ponto e vende o prédio para um pastor evangélico, que monta ali uma igreja para professar a sua fé. A atividade empresária desse novo negócio é uma igreja. Nunca haverá ali sucessão trabalhista entre a antiga empresa (motel) e a nova (igreja) porque a empresa (isto é, a atividade do empresário) de um (o motel) é inteiramente distinta da outra (a igreja). Onde antes havia um motel há agora uma igreja. Duas atividades inteiramente distintas, portanto. Mesmo que os empregados do antigo motel tenham passado a trabalhar para a igreja não haverá sucessão porque a atividade não é a mesma. Os empregados do antigo motel devem reclamar seus direitos dos sócios do motel, e não dos pastores evangélicos. Para os empregados do antigo motel que passarem a trabalhar na igreja como empregados haverá um novo contrato de trabalho porque os antigos contratos de trabalho se encerraram com o fechamento do motel.

Continuemos no exemplo. Digamos que os donos daquele antigo motel tenham vendido o ponto para uns sujeitos e esses novos empresários tenham decidido aproveitar a estrutura do negócio e o fundo de comércio e montar ali um outro motel. Nesse caso, a atividade dos antigos empresários (motel) continuou a mesma. Se os empregados do antigo motel continuarem trabalhando para o novo motel haverá sucessão porque a atividade (motel) passou de um para outro empresário e os contratos de trabalho dos empregados do antigo motel não foram interrompidos com o novo motel. Mas, se os empregados do antigo motel não passarem a trabalhar para o novo motel não haverá sucessão trabalhista porque os contratos de trabalho não continuaram com o novo empresário, embora a atividade da empresa (motel) tenha sido a mesma. Esses empregados nada poderão reclamar dos sócios do novo motel, mas apenas dos sócios do motel antigo.

Nesse exemplo hipotético, somente haverá sucessão trabalhista se, no mesmo ponto comercial, um motel (atividade) for sucedido por outro motel, e se os empregados do antigo motel tiverem passado a trabalhar para o novo motel sem qualquer interrupção.

Se a atividade da nova empresa é outra ou se os empregados da antiga empresa não passaram a trabalhar para a nova, pouco faz quem ocupe o ponto ou aproveite o maquinário e a clientela. Não haverá sucessão. A maioria dos juízes do trabalho, contudo, não pensa assim.

 Cortando na carne

O juiz do trabalho somente vai se dar conta da atecnia da sua decisão quando se puser no lugar do empresário. Do ponto de vista ético, juiz não pode ser dono de cursinho, mas o art. 36, I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, não o proíbe de ser sócio, acionista ou quotista de qualquer empreendimento comercial, desde que não exerça cargo de administração. Imaginemos, então, que esse nosso juiz seja sócio de um cursinho preparatório para concursos públicos. Lá um dia, com o sucesso dos negócios, ele e seus sócios decidem ampliar a empresa e comprar um amplo edifício abandonado, onde antes funcionara uma academia de ginástica. A academia cerrou as portas e os donos sumiram, deixando sem pagamento a recepcionista, o limpador de piscinas, o faxineiro, a telefonista, os professores de musculação, a professora de dança de salão, a moça da cantina e o vigia da noite. Assim que o cursinho preparatório desse nosso juiz hipotético se instalar ali, é quase certo que os advogados dos ex-empregados da academia ajuizarão dezenas de ações trabalhistas afirmando que o cursinho preparatório é sucessor da academia de ginástica porque está estabelecido no mesmo endereço. Um juiz dirá, citando talvez o precedente do próprio colega, que o raciocínio dos ex-empregados da academia é rigorosamente exato. O cursinho, obviamente, nunca contratou nenhum dos empregados da academia. Os sócios são outros, o CNPJ é outro, o objeto social é outro. Por má fortuna, o cursinho foi se estabelecer no mesmo endereço onde antes estava a academia de ginástica.

Como será que esse nosso juiz se comportaria no processo? Invocaria, em defesa de seu patrimônio, as mesmas razões das empresas que ele tantas vezes desprezou e condenou a pagar débitos que não contraíra? Ou pagaria todo o passivo trabalhista, previdenciário e fiscal deixado pela academia de ginástica porque é isso o que ele fez com os outros empresários a vida inteira?