Sugestões de um leitor voraz

7 de julho de 2020

Compartilhe:

Revista Justiça & Cidadana – Quais livros o senhor está lendo ou acabou de ler?
Ricardo Villas Bôas Cueva – A quarentena tem aumentado a quantidade de trabalho, não apenas na atividade judicante, mas também na preparação de artigos sobre questões de Direito Privado, compliance, inteligência artificial, combate à desinformação, dentre outros temas. Para isso, tenho lido e consultado artigos que compõem obras coletivas, dentre elas: “Compliance: perspectivas e desafios dos programas de conformidade”, coordenado por Ana Frazão e por mim (Belo Horizonte, Fórum, 2018); “Fake news e regulação”, coordenado por Georges Abboud, Nelson Nery Jr. e Ricardo Campos (São Paulo, RT, 2018); “Lei de liberdade econômica e seus impactos no Direito brasileiro”, coordenado por Ana Frazão, Luis Felipe Salomão e por mim (São Paulo, RT, 2020); e “Inteligência artificial e Direito Processual: os impactos da virada tecnológica no Direito Processual”,  coordenado por Dierle Nunes, Paulo Henrique dos Santos Lucon e Erik Navarro Wolkart (Salvador, Jus Podium, 2020).

Ainda na área jurídica, tenho compulsado livros instigantes, como “Justice digitale”, de Antoine Garapon e Jean Lassègue (Paris, PUF, 2018); “La justice prédictive” (Archives de philosophie du Droit, tome 60, Paris, Dalloz, 2018); “Fundamentos de Direito Digital”, de Marcel Leonardi (São Paulo, RT, 2019); “Proteção de dados pessoais: as funções e os limites do consentimento”, de Bruno Bioni (Rio de Janeiro, Forense, 2019); “Les grandes notions du Droit Privé”, de Judith Rochfeld (Paris, PUF, 2017), “Dire le Droit, faire Justice”, de François Ost (Bruxelas, Bruylant, 2012); “Le théatre juridique: une historire de la construction du Droit”, de Jacques Krynen (Paris, Gallimard, 2018); e “Pluralismo jurídico e Direito democrático: prospetivas do Direito no Século XXI”, de Antonio Manuel Hespanha (Coimbra, Almedina, 2019).

Se os livros acima permitem formar uma imagem de minha mesa de trabalho, sem contudo revelar o conteúdo das estantes recheadas de trabalhos de dogmática jurídica, tão úteis para a atividade jurisdicional, os que vêm a seguir são lidos por prazer e sem pressa, longe da escrivaninha: “História da riqueza no Brasil”, de Jorge Caldeira (Rio de Janeiro, Estação Brasil, 2017); “Metrópole à beira-mar: o Rio moderno dos 20”, de Ruy Castro (São Paulo, Companhia das Letras, 2019); “Rondon: uma biografia”, de Larry Rohter (Rio de Janeiro, Objetiva, 2019) e “The Price of peace: money, democracy, and the life of John Maynard Keynes”, de Zachary Carter (Nova Iorque, Random House, 2020).

RJC – De que forma eles conversam com o momento atual?
RVBC – O livro de Jorge Caldeira, assim como sua clássica biografia de Mauá, permite entender melhor o Brasil. Aqui se lê um fascinante estudo sobre a formação do País, com base em novas informações, nova metodologia e um ponto de vista original. A obra de Ruy Castro, como sempre muito bem pesquisada e escrita com elegância, traça um retrato riquíssimo da então capital do País há um século, com cuidadosas descrições e análises das personalidades, das obras e dos temas que marcaram a vida cultural da época e até hoje ecoam nos debates atuais. A biografia de Rondon destaca sua trajetória excepcional e sua importância para a formação do Brasil moderno como explorador, cientista, indigenista e militar que continua a ser exemplo de humanismo e de visão de estadista para as gerações atuais. Já a biografia de Keynes traça a evolução de suas ideias no entre-guerras e permite vislumbrar a importância de seu legado intelectual para as discussões contemporâneas sobre os modelos econômicos pós-keynesianos e suas possíveis transformações.

As obras “Justice digitale” e “La justice prédictive” desenham cenários provocadores sobre a crescente relevância dos instrumentos de inteligência artificial na atividade jurisdicional, sobretudo dos algoritmos criados para mimetizar a produção de normas individuais concretas a partir da análise de padrões encontrados em enormes quantidades de casos julgados no passado. Nesse sentido, os modelos de justiça preditiva não são aptos a prever resultados, mas apenas a definir previamente as possíveis alternativas para uma decisão razoável, isonômica e adequada à jurisprudência. É claro que a segurança jurídica e a democratização do acesso aos sistemas de justiça que adviriam dessas novas ferramentas, em princípio vantajosas para a realização da justiça, podem também implicar uma perda da função criadora da jurisdição e uma rendição a vieses cognitivos embutidos nos algoritmos, o que só pode ser visto negativamente. Há, por certo, muitos outros trabalhos que tratam criticamente do tema, sob as mais variadas perspectivas, mas estes dois oferecem um panorama propício ao necessário debate sobre as escolhas que devemos fazer.

RJC – Qual o senhor recomendaria para os estudantes de Direito que pretendem se tornar juízes? Por quê?
RVBC – Além dos trabalhos de dogmática jurídica, que procuram enunciar de modo coerente e sistemático os conteúdos normativos originados das principais fontes de direito, é preciso ler sempre teoria geral e filosofia do Direito. As obras de Kelsen (“Teoria pura do Direito”), Hart (“O conceito de Direito”), Bobbio (“Teoria do ordenamento jurídico”), Dworkin (“Levando os direitos a sério”), Alexy (“Teoria da argumentação jurídica), Habermas (“Entre facticidade e validade”) e Teubner (“Fragmentos constitucionais”), por exemplo, estimulam o pensamento crítico e descortinam uma perspectiva diferente daquela com a qual nos defrontamos no dia a dia. A história do Direito também é importante para criar um diálogo do momento atual com a permanente modificação das formas jurídicas e das soluções para os problemas vividos em cada época.

RJC – Alguma sugestão de literatura fora do Direito?
RVBC – A poesia é sempre uma fonte de alegria. É bom reler Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, João Cabral de Mello Neto, Sophia de Mello Breyner Andresen, entre tantos outros inspirados poetas. Ler e reler romances também é um modo de manter acesa a imaginação. Machado de Assis (“Memórias póstumas de Brás Cubas”), Thomas Mann (“A montanha mágica”), Philip Roth (“O avesso da vida”) e João Ubaldo Ribeiro (“Viva o povo brasileiro”) são alguns de meus romancistas favoritos, sem esquecer de grandes autores de assim chamados romances policiais, como Rubem Fonseca, Luiz Alfredo Garcia-Roza, Manuel Vásquez Montalbán e Andrea Camilleri, entre muitos.