Edição 292
Sustentabilidade no sistema de Justiça: um tema prioritário para o Poder Judiciário
29 de novembro de 2024
Valter Souza Pugliesi Vice-Presidente da Anamatra
A Constituição da República Federativa do Brasil contempla a sustentabilidade ao estabelecer a defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação, como princípio para assegurar a todos existência digna, conforme o disposto no artigo 170, que também determina que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, de acordo com o artigo 225.
Nessa perspectiva, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizou nos dias 23 e 24 de outubro, no auditório do Conselho da Justiça Federal, em Brasília, a 1a Conferência Internacional para a Sustentabilidade do Poder Judiciário, sob a coordenação do conselheiro Guilherme Guimarães Feliciano, que preside a Comissão Permanente de Sustentabilidade e Responsabilidade Social do CNJ, juntamente com a conselheira Daniela Madeira e o conselheiro Pablo Coutinho, integrantes da Comissão.
O evento, contou com palestras do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, e do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Herman Benjamin, e seguiu extensa programação com personalidades internacionais e especialistas em sustentabilidade, como os professores Paul Clements-Hunt e Andrew Gilmour, este último com importantes apontamentos sobre a comercialização de créditos de carbono no mercado mundial e o potencial do Brasil nesse trading.
Porém, o ponto extremamente relevante do evento, e que interessa de forma mais específica ao objetivo deste artigo, consta da audiência pública na qual foram apresentadas iniciativas de sustentabilidade, considerando os três eixos fundamentais previamente delineados (i) meio ambiente; (ii) proteção/inclusão social; e (iii) governança, no âmbito do Estado e da sociedade civil organizada, oriundas do setor público, e de maneira positivamente impactante, de órgãos do Poder Judiciário, do setor privado e do terceiro setor, culminando, ao final do evento, na assinatura do Pacto Nacional pela Sustentabilidade no Poder Judiciário, através do qual se pretende a adesão dos 91 tribunais do país e demais atores, alcançando todos os segmentos de nosso sistema de justiça.
O evento efetivamente buscou o compromisso dos atores institucionais e sociais de integração aos princípios de sustentabilidade e acessibilidade, e ações concretas que visam à preservação do meio ambiente, à inclusão social e à boa governança.
Na perspectiva da Associação Nacional dos Magistrados e Magistradas da Justiça do Trabalho, entidade que representa em torno de 3,5 mil juízes e juízas do trabalho do país, e que participou do evento como uma das representações da sociedade civil, o terceiro setor, juntamente com o setor público e especialmente o Poder Judiciário, que têm papel extremamente relevante a desempenhar no esforço conjunto de priorização do desenvolvimento sustentável, com esforços no sentido da conscientização e na prática de atos nas mais diferentes áreas de sustentabilidade e acessibilidade.
Nesse sentido ressaltamos a importância da edição da Resolução CNJ no 400, de junho de 2021, que “dispõe sobre a política de sustentabilidade no âmbito do Poder Judiciário”, abordando definições de ações de sustentabilidade, bem como práticas institucionais que tenham como objetivo a promoção de comportamentos éticos e que contribuam para o desenvolvimento ambiental, social, cultural e econômico, melhorando, simultaneamente, o meio ambiente e a qualidade de vida do quadro de pessoal e auxiliar do Poder Judiciário, da comunidade local e da sociedade como um todo, além de promover ações que tratem sobre coleta seletiva, coleta seletiva solidária, contratações compartilhadas, critérios de sustentabilidade, gestão documental e logística sustentável, esta compreendida como sendo o processo de coordenação do fluxo de materiais, de serviços e de informações, do fornecimento ao desfazimento, considerando o ambientalmente correto, o socialmente justo e o desenvolvimento econômico equilibrado, como também assenta que os órgãos do Poder Judiciário devem realizar a gestão do respectivo Plano de Logística Sustentável (PLS), com medidas para minimizar os impactos causados ao meio ambiente decorrentes das atividades dos órgãos do poder Judiciário, visando impulsionar ações voltadas ao aperfeiçoamento da gestão administrativa.
Relevamos, ainda, o encaminhamento dado pelo Conselho Nacional de Justiça ao editar a Resolução CNJ no 401, também de junho de 2021, que “dispõe sobre o desenvolvimento de diretrizes de acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência nos órgãos do Poder Judiciário e de seus serviços auxiliares, e regulamenta o funcionamento de unidades de acessibilidade e inclusão”, apontando, de forma clara, a preocupação do Poder Judiciário com a acessibilidade.
No 8o Balanço de Sustentabilidade do Poder Judiciário, deste ano de 2024, apontou-se a interseccionalidade da sustentabilidade e da acessibilidade, na perspectiva de que “a sustentabilidade não envolve somente a ideia de recursos relativos ao meio ambiente da natureza, mas também ao ambiente construído pelos seres humanos. Portanto, a sustentabilidade igualmente abarca as práticas sociais e as relações humanas, gerando assim a relevância do termo socioambiental. Dessa forma, o melhoramento da qualidade de vida e a promoção de comportamentos éticos, que contribuam para o desenvolvimento ambiental, estão fundamentalmente entrelaçados com condições que favoreçam a vida das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. Tais condições representam o quanto essas pessoas estarão integradas, inclusas, em todas as esferas da vida social. Assim, as relações e interações sociais são fundamentais para a obtenção de espaços sustentáveis. Tais espaços somente serão sustentáveis a partir da relação que a sociedade possui com os mais vulneráveis, como as pessoas com deficiência e o papel na defesa da diversidade. Pensar a sustentabilidade atrelada à ideia de acessibilidade tem a ver com a capacidade de reconhecer o diverso e de incorporá-lo às esferas da vida social”.
Tudo isso nos faz pensar sobre a importância do meio ambiente do trabalho e a necessária descrição jurídico-conceitual, como condição necessária para o atingimento do desenvolvimento sustentável. A partir de uma percepção empírica, fatores naturais, técnicos e psicológicos, o que inclui não apenas as condições em que o trabalho é desenvolvido, mas também, a organização, bem como as relações interpessoais travadas no ambiente laboral, que são elementos que definem o meio ambiente do trabalho e permitem apontar fatores de potenciais riscos ambientais variados, tais como os físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e psicossociais.
A técnica aplicada em qualquer atividade humana, assim conceituada pelo professor Guilherme Guimarães Feliciano como sendo “a fórmula pragmática de ação para o alcance de um fim particular preestabelecido”, no ordenamento constitucional vigente deve servir como instrumento ético para o desenvolvimento sustentável.
Nessa perspectiva, emerge a importância de atitudes responsáveis em todos os ramos e segmentos da sociedade, sem exceções, tanto do consumo de papel e de copos, quanto do de embalagens descartáveis e retornáveis, consumo de energia elétrica e de água e esgoto e do tratamento adequado ao material destinado à reciclagem (meio ambiente). Importante considerar as práticas sociais e as relações humanas, interpessoais, sob o ponto de vista de um meio ambiente do trabalho saudável, equilibrado, de inclusão e, também, de acessibilidade (proteção/inclusão social); não se descurando das estratégias de logística de identificação dos gargalos e propostas de soluções (governança).
Como bem assentado nos debates da Conferência realizada pelo CNJ, a sustentabilidade é um conceito multidimensional e holístico, que propõe, em síntese, o equilíbrio ideal entre o desenvolvimento econômico, o bem-estar social e a preservação ambiental.
O tema está indelevelmente inserido na agenda global. No mês de novembro realizou-se no Brasil a reunião do G20, principal fórum de cooperação econômica da Organização das Nações Unidas (ONU) que reuniu as maiores economias globais, e os assuntos prioritários estabelecidos, entre outros, foram as três dimensões do desenvolvimento sustentável (econômica, social e ambiental).
Também em novembro, aconteceu em Baku, no Azerbaijão, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 29) com o crescente e incontestável reconhecimento da urgência de ações ambientais eficazes que enfrentem o aquecimento global. As consequências de políticas ineficazes, com metas extremamente distantes de serem cumpridas conduzem o planeta, de forma cada vez mais frequente, a eventos climáticos extremos. A COP 30 acontecerá em 2025, na cidade de Belém, Brasil, o que insere o tema da sustentabilidade na agenda política do país.
O Poder Judiciário tem atuado de forma proativa no tema da sustentabilidade, implementando uma série de medidas para reduzir seu impacto ambiental e melhorar sua eficiência administrativa. Os demais atores institucionais que formam o sistema de justiça do país devem envidar esforços no sentido de concretizar políticas públicas, mecanismos e medidas eficazes rumo ao desenvolvimento de suas atividades de modo sustentável e acessível a todas e todos.
Esse é um compromisso de toda a sociedade global para com as futuras gerações!
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