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Tarifa de serviço público

5 de agosto de 2003

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PASSE LIVRE DE POPULISMO

O julgamento no começo do mês de julho da Lei Estadual 3.339/99 (“Lei do Passe Livre”), que assegurava a diversas classes de pessoas gratuidade no trans porte coletivo de passageiros (ônibus, barcas e metro), levantou uma questão que esta presente no cotidiano de mais de 40% da população de nosso Estado mas que, apesar disso, sua repercussão jurídica e muito pouco conhecida: a gratuidade no pagamento de tarifas de serviços públicos.

Como foi noticiado amplamente pela mídia, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro acolheu, por 17 votos a 1, a Representação por Inconstitucionalidade (nº 37/2002) da referida lei, que foi ajuizada, em 2002, pelo escritório FONTES, OLIVEIRA, GONÇALVES & NAVEGA ADVOGADOS ASSOCIADOS.

Com efeito, entendeu o órgão máximo do Poder Judiciário deste Estado que a Lei 3.339/99, ao indicar; como fonte de custeio das gratuidades que então instituía para idosos, estudantes e deficientes físicos, 10% do suposto lucro obtido pelas empresas transportadoras com a comercializa<;:ao do vale-transporte, violou a Constituição Estadual (notadamente o seu art. 112 §2°) porque colocou indevidamente sobre os ombros apenas do setor de transportes 0 pagamento de mais de 4 milhões de passagens diárias dos usuários beneficiados por esta lei.

Sem adentrar no mérito se a comercialização do Vale-Transporte ensejaria ou não lucro para transportadoras, ate mesmo porque o Vale em si não da lucro (pois representa o idêntico valor de uma passagem) e a lei 7418/85 (que o instituiu) e expressa em vedar o repasse para tarifa desse custo, a decisão recentemente publicada, que tem gerado muita polemica, só vem a corroborar o qualificativo “de Direito” do Estado Democrático em que vivemos. Explico.

Já dizia o velho jargão popular que não há almoço de graça. E não há, porque alguém paga a conta no final. Pois bem. As concessionárias de serviço público ao celebrarem contratos com a Administração Pública obrigam-se a realizar vultosos investimentos e a cumprir determinadas obrigações e, por conta disso, recebem uma contraprestação, cuja expressão pecuniária consubstancia-se na tarifa dos serviços que operam.

Pergunta-se, então: pode ser instituída gratuidade de uso de serviço público, executado de forma indireta, ou seja, por particulares, impondo-se o seu custo as operadoras desses serviços, quando não previstas essa obrigatoriedade quando da formalização do contrato de concessão ?

A resposta e negativa. A uma, porque a Constituição Estadual (art. 112 § 2°, é também o art. 35 da Lei federal 9.074/95 para serviços públicos federais) veda a instituição de qualquer gratuidade sem a correspondente indicação da fonte orçamentária para o seu custeio, pois trata-se de um benefício social estendido a toda coletividade, e, como tal, deve ser por ela igualmente custeada através de dotação no orçamento (estadual ou federal). A duas, porque haverá ofensa ao art. 173 da Constituição da República pela indevida interferência da lei na economia interna das transportadoras, ao obrigá-las a transportar, gratuitamente, os usuários nela previstos porquanto, segundo a ordem econômica estabelecida na Constituição, a intervenção estatal na economia limita-se ou a intervenção por via de exploração direta da atividade, ou, por via indireta, como agente normativo e regulador da atividade econômica (art. 174, da Carta Magna). A três, porque, mesmo que fosse possível o repasse desse custo para a tarifa, essa solução além de ser injusta, pois oneraria ainda mais o usuário pagante (que não suportaria aumento do preço já elevado dos serviços públicos), na maioria das vezes não se mostra factível, pois sendo invariavelmente “política” a tarifa praticada e não “técnica”, como deveria, para refletir a variação monetária dos insumos envolvidos na operação (v.g, só o óleo diesel aumentou 70% no últimos meses), no final as concessionárias e que estarão subsidiando a gratuidade instituída pelo Estado, o que viola a garantia constitucional ao equilíbrio econômico-financeiro dos seus contratos (art. 37, XXI da Constituição Federal).

A Constituição Estadual, prevendo que a instituição de gratuidades pudessem servir de instrumento fácil de políticas demagógicas e populistas, que fugaz e aparentemente agradam a população mas corroem a base de um Estado de respeito ao Direito que a muito custo se conseguiu implantar no Brasil, obriga que a mesma lei que institua a gratuidade indique os recursos para suportá-la. Não fosse assim, os serviços públicos seriam mera utopia, vez que as empresas privadas ora concessionárias estariam fadadas a bancarrota e o Estado, falido, seria incapaz de prove-los, quanto mais de forma adequada.

Como se expôs na aludida Representação, as concessionárias que operam no setor de transporte não questionam o direito a gratuidade, deixe isso bem claro. Ao contrário, estão certos de que idosos, deficientes e estudantes fazem jus a um tratamento diferenciado pela Lei. O que se contesta, com toda razão e com base na Constituição, e apenas o encargo desse custeio, que a lei declarada inconstitucional indevidamente colocou exclusivamente sobre as delegatórias desse serviços público essencial. Em síntese: passe livre sim, populismo não.