“Tecendo Vidas” – Ressocializa presas_Entrevista com Nária Cassiana Silva Barros

31 de dezembro de 2009

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Entrevista: Nária Cassiana Silva Barros, Juíza de Direito do TJMS
As regressas do sistema carcerário de Anastácio, Mato Grosso do Sul, têm motivos de sobra para abandonar o crime. A comarca daquela cidade promove, desde o ano passado, um programa voltado para a ressocialização das detentas. Trata-se do projeto Tecendo Vidas, coordenado pela Juíza Nária Cassiana Silva Barros, titular da única vara do Município. Segundo a Magistrada, a iniciativa permitiu que as presas aprendessem a tecer produtos artesanais, que são postos à venda em eventos da comunidade. A renda é toda revertida para elas e o sustento de suas famílias. Nária, agora, quer ampliar o projeto. “temos com a ideia de alugar um ponto comercial para expor esses produtos. Por enquanto, o material fica na Delegacia, o que dificulta o acesso da população. O Conselho poderia pagar esse ponto comercial para que a população tenha um acesso mais fácil na aquisição desses materiais”, afirmou.

Revista Justiça e Cidadania – O que é o Projeto Tecendo vidas?
Nária Cassiana Silva Barros – O Projeto Tecendo Vidas foi criado em 2008 e partiu da ideia de uma agente policial e de uma assistente social, que pediram apoio ao Conselho da Comunidade do Fórum para ensinar artesanato às presas. As detentas aprenderam a tecer tapetes, forros de mesa, capas de almofada, suportes para papel higiênico; enfim, fazem várias coisas. O Conselho da Comunidade entra com o material, linhas, agulhas e demais itens necessários. Como em Anastácio só ficam as mulheres, elas fazem esses produtos e colocam para venda na comunidade. Sempre que há uma festa, tanto em Anastácio como na cidade vizinha,  os produtos são expostos e a renda oriunda das vendas é toda revertida para elas e o sustento de suas famílias. Participa do projeto quem quer, mas todas se interessaram em participar. Estamos incentivando a comunidade a colaborar também. Agora temos a ideia de alugar um ponto comercial para expor esses produtos. Por enquanto, o material fica na Delegacia, o que dificulta o acesso da população. O Conselho poderia pagar esse ponto comercial para que as pessoas tenham um acesso mais fácil na aquisição desses materiais.

JC – Quem ficaria nesse ponto comercial?
NCSB – Seriam as próprias presas do regime semiaberto. Há também a assistente social, que acompanha o programa. Ela faz os relatórios dos dias trabalhados, qual foi a produção de cada uma delas e, no final do mês, presta contas e repassa o valor que lhes é devido.

JC – Quem compõe o Conselho da Comunidade?
NCSB – É formado pelo Juiz Titular da Comarca, o Promotor de Justiça, a Defensora Pública, um assistente social, um representante da Ordem dos Advogados do Brasil e um representante da Associação Comercial.

JC – Quais têm sido os resultados desse projeto?
NCSB – O projeto tem surtido muitos efeitos. Como as detentas têm ocupação, elas não ficam mais inquietas nas delegacias. Antes tínhamos muitos problemas, com o brigas e intrigas. As presas do semiaberto saíam e voltavam com drogas ou alcoolizadas. Na cidade, não há mão de obra para elas. Aí ficavam na rua, aprontavam. Agora, como há ocupação durante o dia, essas presas preferem ficar na Delegacia. Com isso, diminuímos o índice de problemas que estavam ocorrendo. Outro fator importante também é a renda, que, mesmo sendo pouca, é muito importante para a manutenção dessas famílias, que, na maior parte, são formadas por pessoas carentes. Muitas não têm trabalho nem fonte de renda. O dinheiro que entra por meio desse projeto ajuda bastante na economia da família da detenta.

JC – Na sua avaliação, por que é importante que o Judiciário se volte para a questão da ressocialização?
NCSB – O Judiciário deve se voltar para essa questão, com certeza. Tem que fazer o papel dele de incentivar, criar planos. Iniciativas são sempre bem-vindas. A ideia agora do CNJ (com o programa Começar de Novo, de ressocialização) é muito benéfica. Todos sabem que o sistema carcerário está falido. Temos que ter ideias novas, pedir o apoio da sociedade para tentar inserir essas pessoas na comunidade, dando a elas outra oportunidade. Se não houver ajuda por parte dos órgãos públicos e da comunidade, as pessoas sairão do sistema muito piores do que entraram.

JC – Quem ensina as presas a tecerem as peças?
NCSB – A professora é a policial que deu a ideia de criar o projeto. Como ficava na Delegacia e via que as presas não estavam fazendo nada, teve a ideia de começar a ensiná-las a fazer esses artesanatos. Nos dias em que está de folga, ela ensina as detentas. Agora, a policial está fazendo outros cursos na capital, de outros tipos de artesanato, para ensiná-las.

JC – Essa atividade pode resultar na redução da pena?
NCSB – Sim. A cada três dias trabalhados, elas ganham um de remissão. Isso também as incentiva bastante. Já que estão ociosas e sem renda nenhuma, passam a acreditar que é muito melhor trabalhar, ganhar seu dinheiro e, ainda por cima, obter a remissão de um dia.

JC – Qual é a população carcerária de Anastácio?
NCSB – Temos um convênio com Aquidauna, uma cidade muito próxima a nossa, separada apenas por uma ponte. Como não possuímos estabelecimentos penais adequados e Aquidauna tinha apenas estabelecimentos para homens, acordamos que as detentas ficariam em Anastácio e os detentos em Aquidauna. Em Anastácio, ao todo, temos 14 detentas, oriundas dessas duas cidades.