“Tenho fé em um Tribunal participativo” 

3 de agosto de 2020

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Entrevista exclusiva com o presidente eleito do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Humberto Martins

Em sessão realizada por videoconferência em maio, o Pleno do Superior Tribunal de Justiça (STJ) elegeu por aclamação os ministros Humberto Martins e Jorge Mussi para os cargos de Presidente e Vice-Presidente no biênio 2020-2022, período no qual vão acumular a direção do Conselho da Justiça Federal (CJF). Eles vão substituir, respectivamente, os ministros João Otávio de Noronha e Maria Thereza de Assis Moura, cuja gestão termina ao final desse mês de agosto.

Na mesma sessão, a Ministra Maria Thereza de Assis Moura foi escolhida para ser corregedora nacional do Conselho Nacional de Justiça (CNJ); o Ministro Og Fernandes para o cargo de Diretor-Geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam); e o Ministro Benedito Gonçalves para dirigir a Revista do STJ.

A solenidade de posse está marcada para o dia 27 de agosto, às 17h, por videoconferência, com transmissão ao vivo pela TV Justiça.

Nascido em Maceió (AL), Humberto Martins foi promotor de Justiça até 1982 e exerceu a advocacia privada até 2002, quando passou a ocupar o posto de Procurador do Estado de Alagoas. No mesmo ano, ingressou no Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas como desembargador, por meio do quinto constitucional, cargo que exerceu até 2006, quando tomou posse como ministro do STJ. Desde então, atuou como membro da Segunda Turma, da Primeira Seção e da Corte Especial. Foi ouvidor, diretor da Enfam e vice-presidente do Tribunal, além de ter acumulado, durante o biênio 2013-2014, o cargo de ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral.

Nessa entrevista exclusiva à Revista Justiça & Cidadania – ouvido por seu colega de corte no STJ e Presidente do Conselho Editorial da Revista, Ministro Luis Felipe Salomão, e pelo Editor-Executivo Tiago Salles – Martins fala sobre os planos para sua gestão e comenta o atual momento do Poder Judiciário. Confira os melhores momentos.

Tiago SallesGostaria que o senhor fizesse breve avaliação do trabalho à frente da Corregedoria Nacional de Justiça nos últimos dois anos. Quais foram as maiores dificuldades e realizações?

Ministro Humberto Martins – Em todos os cargos que exerço, parto do sentimento de que deve haver diálogo, participação e, sobretudo, planejamento. Quando assumimos a Corregedoria Nacional de Justiça, tínhamos um planejamento estratégico para dois anos, no qual apresentamos quais seriam as inspeções, com as respectivas datas, em todos os tribunais estaduais e federais. Realizamos todas as inspeções planejadas e constatamos que os Tribunais, de maneira geral, preocupam-se em construir um Poder Judiciário eficiente, transparente, de qualidade e, sobretudo, com produtividade.

Dentre as maiores dificuldades, detectamos uma grande diferença entre a organização e o funcionamento dos tribunais, pois alguns têm um grande investimento em tecnologia, pessoal e organização administrativa, enquanto outros ainda estão nos estágios iniciais da modernização. Isso demonstra o acerto da criação do CNJ, que tem como um dos seus papéis uniformizar a atuação dos tribunais brasileiros, fazendo um intercâmbio de informações e boas práticas entre os tribunais, a fim de construir um Poder Judiciário uniforme em todo o território nacional.

No tocante às principais realizações de minha gestão, gostaria de destacar que as boas práticas adotadas pelos Corregedores que me antecederam foram mantidas e aprimoradas. Faço essa observação porque o CNJ é um órgão relativamente novo, com cerca de 15 anos de implementação, o que é pouco em termos de Administração Pública, especialmente em se tratando de um órgão de caráter nacional, que tem que vencer muitas barreiras para alcançar todos os locais de nosso imenso País.

Assim, a nossa atuação à frente da Corregedoria sempre teve como foco atender o sentimento do cidadão, que quer uma Justiça rápida, eficiente, de qualidade e produtiva. Foi com base nessas premissas que editamos provimentos, recomendações, orientações e também implementamos ações na Corregedoria Nacional de Justiça.

Uma das primeiras medidas adotadas foi a criação do Disque-Cidadania, facilitando o encaminhamento de denúncias e sugestões, que permitiu ao cidadão encaminhar diretamente ao Corregedor as suas reclamações, e eu sempre acompanhei pessoalmente todas as respostas, procurando não deixar nada sem solução.

Outra medida foi a criação do Fórum Nacional das Corregedorias (Fonacor), porque se exigia que houvesse um fórum dos corregedores estaduais, mas não havia um fórum nacional no qual o corregedor nacional se reunisse com os corregedores estaduais, federais, da Justiça do Trabalho, da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral. O objetivo do Fonacor é exatamente propiciar a oportunidade de uma grande troca de informações entres os corregedores, a fim de procurar uniformizar a sua atuação. As reuniões desse Fórum ocorrem trimestralmente, e há grande interação, pois somos juízes brasileiros e queremos o melhor para a magistratura nacional. A última foi realizada por videoconferência, com a participação de todos os corregedores do Brasil e de juízes auxiliares das corregedorias. 

Também baixamos provimentos em relação aos cartórios brasileiros, aos delegatários do serviço extrajudicial. Nessa época de pandemia, baixamos vários provimentos em relação ao registro civil, ao atestado de óbito, às informações que os cartórios devem remeter ao COAF e ao Banco Central sobre lavagem de dinheiro, por exemplo. Todos esses expedientes foram mantidos de forma eletrônica, com a participação ativa dos cartórios. Hoje, temos mais de 200 mil envios de correspondências relacionadas ao Provimento nº 88, que trata das informações dos cartórios aos órgãos de inteligência sobre pessoas envolvidas em ilícitos, narcotráfico, ou que estão transferindo seus bens com o objetivo de sonegar, prejudicando os interesses da União.

O trabalho foi feito e a semente foi plantada, mas é o próximo corregedor que tem que avaliar se dará prosseguimento a essas ações.

TS – Sua eleição foi realizada por videoconferência. É uma inovação que veio para ficar? Qual é sua posição a respeito do plenário virtual, dos julgamentos por videoconferência e de outros mecanismos tecnológicos para aproximar a Justiça do cidadão?
HM – Primeiro, temos que parabenizar o trabalho do Poder Judiciário nesta época de pandemia, por meio das ferramentas eletrônicas. O Judiciário não parou. Está atuante, participativo e respondendo aos questionamentos da sociedade, inclusive com números de produtividade estatisticamente maiores, tanto em relação às decisões monocráticas quanto em relação às decisões levadas aos plenários, colegiadas.

Acredito que muitas das soluções adotadas neste período excepcional da pandemia deverão ser incrementadas e aprimoradas, como é o caso do teletrabalho para a maior parte dos servidores que exercem atividades administrativas e burocráticas, de confecção de minutas de decisões, enfim, atividades que não demandam a presença física e podem ser exercidas remotamente, sem prejuízo para o serviço.

Outras atividades, todavia, penso que têm melhor resultado quando realizadas presencialmente, como é o caso das sessões de julgamento dos tribunais e dos despachos e audiências dos juízes nas varas. Essas atividades, a meu ver, perdem muito quando são realizadas remotamente, podendo inclusive redundar em prejuízo para as partes e seus advogados, que não têm oportunidade de dialogar com os magistrados e interferir prontamente, fazendo apartes e objeções durante os julgamentos.

Assim, em resumo, acredito que grande parte das tarefas dos servidores poderá continuar a ser realizada remotamente, devendo as respectivas chefias estabelecerem os casos e condições para a sua realização, inclusive com a cobrança de metas e resultados. Já em relação aos magistrados, apesar de poderem proferir suas decisões remotamente, julgo imprescindível a sua presença nas varas e nos tribunais, para os julgamentos presenciais e para audiências com partes e advogados.

Ministro Luis Felipe Salomão – Primeiramente, quero cumprimentar o Ministro Humberto pelo trabalho que desenvolveu à frente do CNJ, lá representando o STJ, e pela quantidade de realizações que alcançou nesse período. Mudando o eixo, quero perguntar sobre seus planos para o Tribunal da Cidadania. Quais são os projetos? Que áreas serão prioritárias? Quais são as linhas de atuação que o senhor pretende desenvolver nesse biênio que se aproxima?
HM – Inicialmente quero esclarecer que, logo ao ser escolhido, mantive entendimentos com a Fundação Getúlio Vargas para criarmos um planejamento estratégico para os dois anos da gestão, baseado em uma gestão participativa, no gerenciamento de processos, na modernização tecnológica e na transparência.

Em minha opinião, a gestão participativa é aquela que ouve a opinião dos demais ministros do STJ, através de comitês consultivos, assim como a da sociedade brasileira e das instâncias ordinárias do Poder Judiciário, pois as decisões do Presidente da Corte impactam o dia a dia de diversas parcelas da sociedade e não deveriam ser adotadas isoladamente. Para viabilizar a participação dos ministros, penso em constituir seis Comitês Consultivos, cada um formado por cinco ministros, que atuarão nas seguintes áreas: Gestão, Saúde, Segurança e Transporte, Tecnologia da Informação, Assuntos Legislativos, e Orçamento e Finanças. Essa ideia será levada ao Pleno do STJ no início de minha gestão e, se aprovada, todos os ministros que integram a Corte poderão dar a sua contribuição na área em que mais tenham interesse.

O gerenciamento de processos, por sua vez, baseia-se em um trabalho de identificação dos grandes litigantes e dos tribunais que mais enviam processos ao STJ. É preciso identificarmos a razão de tantos recursos, pois, se o STJ é um Tribunal de precedentes, depois que ele firma a sua jurisprudência não há razão para que milhares de recursos continuem abordando as mesmas teses já julgadas. Assim, identificando os grandes litigantes e os tribunais em que mais se recorrem, podemos fazer um trabalho de demonstração da inviabilidade de recursos que discutem teses já pacificadas no STJ. Acredito que, com essa ação, poderemos reduzir a quantidade de recursos que tramitam na Corte, liberando os ministros para julgamento de novos casos.

A modernização tecnológica, por sua vez, é um fator de grande impacto na prática processual diária. Em minha gestão, procurarei utilizar muito os recursos da inteligência artificial, que permitirão uma identificação mais rápida e precisa das teses recursais, gerando uma ação humana mais rápida e eficaz. Por outro lado, a pandemia da covid-19, que ainda estamos enfrentando, demonstrou a todos nós que grande parte das atividades desempenhadas pelos servidores administrativos pode continuar em home office, com ganho de produtividade, o que é bom para a Administração e também para o servidor, que ganha o tempo gasto com deslocamento para se dedicar à família e ao desenvolvimento pessoal. Assim, exploraremos ao máximo os recursos tecnológicos para termos decisões mais rápidas, precisas e uniformes.

Por fim, a transparência, a meu ver, é requisito essencial de qualquer atividade dos gestores públicos, pois a sociedade, que sustenta com os tributos toda a máquina administrativa, deve saber como tais recursos estão sendo utilizados. Como costumo dizer, somos inquilinos do poder, o seu proprietário é o povo brasileiro, que merece que todo gestor público preste contas de sua administração. Para isso, vamos trabalhar com a área da comunicação, divulgar o papel do STJ, suas ações, os eventos que realizamos, as decisões mais recentes que têm impacto na sociedade, e ouvir também a sociedade para saber o que ela pensa do Judiciário.

LFS – No campo legislativo, quais serão as prioridades?
HM – A primeira é dar continuidade à aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 10/2017, conhecida como “PEC da relevância”, que já está tramitando há alguns anos. Foi aprovada na Câmara, mas parou no Senado. A PEC cria um filtro de relevância nos recursos especiais, que determina que quem recorrer de uma decisão judicial ao STJ deve argumentar por que a corte deve analisar o caso. Assim, vamos ativar o que já está andando para transformar em realidade.

O segundo aspecto é que no Comitê de Processos Legislativos, que pretendo criar, como disse há pouco, vamos trabalhar e discutir com os ministros o que é melhor para o STJ e para o Poder Judiciário, para mandar propostas fundamentadas, que representem maior celeridade para o Tribunal e deem mais garantias aos magistrados brasileiros. Vamos trabalhar nesse sentido, pela magistratura e pela cidadania. Vamos ouvir nossos comitês e receber as propostas que servirão de encaminhamento ao processo legislativo.

LFS – O CNJ possui uma comissão que estuda a recuperação judicial e a falência. Essa comissão está muito preocupada com a quantidade de demandas no pós-pandemia. Algo que preocupa todo o Judiciário e, em especial, o próprio STJ, pela quantidade de demandas que pode surgir. Como o senhor enxerga essa questão? As Recomendações feitas pelo CNJ para minimizar esse problema serão suficientes?
HM – O Judiciário certamente enfrentará novos questionamentos resultantes da pandemia provocada pelo coronavírus. O Superior Tribunal de Justiça permanecerá atuando com a máxima sensibilidade, honrando sua missão de ser o tribunal responsável por dar a última palavra sobre a uniformização da interpretação das leis federais. No âmbito do STJ, o Ministro Salomão é um grande defensor da necessidade de serem adotadas soluções extrajudiciais para diminuir a curva das demandas no Brasil, o que melhoraria muito a quantidade de processos no Poder Judiciário, mas, até que isso ocorra, devemos estar preparados para julgar as ações que forem ajuizadas.

A atuação tem sido constante para minimizar os efeitos da pandemia. Tenho que os atos editados foram adequados, e o envolvimento de todo o Poder Judiciário é muito importante, uma vez que os serviços prestados são essenciais e é necessário assegurar condições mínimas para a sua continuidade, compatibilizando-os com a preservação da saúde de magistrados, agentes públicos, advogados e usuários em geral, seguindo sempre as recomendações das autoridades públicas de saúde. Nossa diligência foi e permanecerá rápida na proporção dos acontecimentos nas diversas regiões do País. Não há como anteciparmos os desdobramentos legais possíveis, mas estamos atentos e vigilantes, na medida em que o CNJ instituiu uma sessão extraordinária às segundas, quartas e sextas-feiras para tratar de temas vinculados exclusivamente à pandemia provocada pelo coronavírus.