The rule of law e a democracy

31 de julho de 2010

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A ideia de “rule of law” é considerada um princípio estruturante do constitucionalismo contemporâneo, sendo responsável pela contenção às tentações arbitrárias ao exercício do poder do Estado. Revela a ideia matriz de que o exercício do poder político deve sempre se dar conforme o Direito. Ilustrativa é aquela máxima do Direito inglês de que não se obedecem ordens porque foram dadas por uma autoridade: as ordens são obedecidas quando estão de acordo com o Direito e foram dadas por autoridades investidas legalmente do poder para tal.

A partir do “rule of law” chegamos à concepção fundamental do constitucionalismo moderno, ou seja, a prevalência do princípio da separação de poderes. Essa é vislumbrada como um instrumento, uma garantia, uma técnica essencial para impedir os arbítrios e os caprichos de qualquer Governo, seja de que ideologia for. As normas gerais devem ser impessoais, obrigatoriamente aplicadas de forma igualitária, inclusive aos agentes políticos dos Poderes Executivo e Legislativo quando atuam na defesa de seus interesses privados e particulares mesmo que travestidos de interesse público e/ou defesa do bem comum.

Através da especialização das funções do Estado e com a separação dos poderes entre o Legislador, o Estado-Juiz, e o Executivo, visa-se proteger o indivíduo contra possíveis atos arbitrários  do poder estatal. O cidadão, nas suas relações com o Estado, tem o direito de ser regulado por normas gerais, que vinculam tanto a Administração estatal, através de suas autoridades, como os indivíduos. Nesse cenário, a supremacia do Poder Legislativo é qualificada, respeitada e acatada nas sociedades capitalistas avançadas justamente por reforçar a crença de que as regras são editadas de forma impessoal, não arbitrária, que em princípio não visam beneficiar ou prejudicar especificamente nenhuma pessoa física ou jurídica, e desta forma os representantes do povo demonstrariam um correto entendimento acerca do ordenamento jurídico.

Neste contexto é fundamental a existência de um Poder Judiciário independente, que assegure a aplicação da lei  de forma justa e equânime. A ele cabe proporcionar um tratamento igual aos litigantes, agindo com autonomia ao decidir uma lide, sempre adotando uma visão integral da ordem jurídica vigente. Tendo acesso aos argumentos relevantes e aos fatos fundamentais, o órgão jurisdicional deve examinar, quando o Estado é uma das partes envolvidas no conflito, se um invocado interesse público é verdadeiro, qualificado, ou se trata de mero artifício de retórica usado  para derrotar algum pleito do cidadão, e favorecer interesses particularizados. Somente desta forma aquele órgão de soberania formulará adequadamente  a norma jurídica concreta que disciplinará a questão controvertida levada ao seu conhecimento.

Nos países de tradição anglo-saxã, desde há muito tempo não há dúvidas de que ao Governo são atribuídos os mesmos direitos e liberdades que aos cidadãos. Além de assegurar aos membros de sua comunidade política a proteção das normas gerais, impede-se o Estado de invadir, arbitrariamente, a esfera individual de cada cidadão, dificultando a expedição de qualquer medida que objetive restringir indevidamente o exercício das liberdades e dos direitos.

Os indivíduos somente estão sujeitos à coerção estatal quando essa é devidamente prevista em normas gerais e está de acordo com a Lei Fundamental, não sendo permitido ao Estado agir para perseguir qualquer outro desiderato que não seja o interesse público, devidamente previsto e autorizado no ordenamento jurídico. A vigilância e a responsabilidade pelo correto procedimento de todos os órgãos de soberania do Estado cabem no Estado de Direito, em última instância, a todo o  Poder Judiciário e em especial à Corte, investida da função de zelar pela Constituição, o que no caso brasileiro é atribuição em instância última do Supremo Tribunal Federal, que inclusive é nominado de “guardião da nossa Constituição”.

Um dos principais objetivos de qualquer governo democrático na atualidade, em sociedades de mercado,  deve ser assegurar a mínima interferência nas liberdades e na propriedade dos indivíduos, sendo que qualquer atuação do Estado neste campo  precisa ser prevista em normas gerais, devidamente aprovadas pelo Poder Legislativo, conforme o rito consignado na Lei Maior. Aqui e alhures o desejo de se promover qualquer dimensão do bem público precisa e deve ser determinado na lei, não se permitindo que se busque o benefício ou o prejuízo de alguém especificamente, em nome de um pseudo-interesse público. A intenção de qualquer autoridade de causar danos a pessoas ou grupos sociais, é impedida pelo requisito de que toda e qualquer medida coercitiva deve ser prevista em normas gerais e impessoais (princípio da legalidade), sendo que mesmo essas precisam ser justificadas por princípios, em geral tratados em sede constitucional, os quais dizem respeito ao tratamento jurídico igualitário que obrigatoriamente precisa  ser dispensado a todos os cidadãos.

Uma concepção adequada da lei nunca pode estar desconectada da ideia de justiça, tendo esta como referencial mínimo de conteúdo, a demanda de conduta correta dos indivíduos nas suas relações privadas, assim como o respeito do Estado à esfera privada inviolável da liberdade e da propriedade dos cidadãos.  Os únicos “desvios” possíveis  são aquelas ações estatais indispensáveis precisamente efetuadas com intuito de preservar os direitos e as liberdades dos membros da comunidade.

Viver em um regime democrático não é sempre fácil. Os mais céticos e “sábios” tendem normalmente a acreditar no poder e na força da maioria, substituindo a justiça e a razão por aquela. É verdade que o princípio da legitimidade dos governos se assenta no reconhecimento de que o poder de governar depende de aquiescência dos governados, que a maioria é menos provável de estar errada e, principalmente, de que um governo apoiado pela maioria dos cidadãos provavelmente será obedecido. Mas isso não é suficiente.

A democracia precisa também oferecer a toda comunidade a segurança de que a lei e os governos não serão arbitrários em seus comandos, ou seja, de que ninguém será “fuzilado” hoje por ter realizado ontem um ato que a lei permitia, como ocorre nos regimes ditatoriais. Toda atividade política — aqui obviamente incluídas as ações dos agentes políticos dos três poderes — deve ser imperiosamente pautada pela busca da justiça, mediante o uso adequado dos instrumentos mais racionais.

A principal virtude da democracia é propiciar as
condições necessárias para que as ideias de todos os agentes sociais se desenvolvam, transformem-se e circulem livremente entre os cidadãos, a quem cabe fazer as escolhas fundamentais numa sociedade livre. Isto tudo para que aqueles possam sempre afirmar que vivem numa sociedade em constante mutação, na qual são eles, de fato e de direito, os protagonistas da vida social.