Titularidade das funções de interesse comum nas regiões metropolitanas e nos entes territoriais assemelhados

6 de fevereiro de 2015

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Enrique Ricardo Lewandowski1. Discussão do tema no STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) pronunciou-se, em 6/3/2013, de forma definitiva, sobre um tormentoso tema, qual seja, a titularidade das funções de interesse comum nas regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) no1.842/RJ, ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT, em que este buscava, com fundamento no art. 102, I, “a” e “p”, da Constituição Federal, a declaração de inconstitucionalidade dos arts. 1o a 11 da Lei Complementar (LC) no 87/1997 e arts. 8o a 21 da Lei no 2.869/1997, ambas editadas pelo Estado do Rio de Janeiro.

A LC no 87/1997 cuida da instituição, composição, organização e gestão da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e da Microrregião dos Lagos, além de estabelecer as funções e os serviços públicos de interesse comum. Por sua vez, a Lei no 2.869/1997 dispõe sobre o regime do transporte ferroviário e metroviário de passageiros, bem assim acerca do saneamento básico no referido Estado.

Naquela mesma ocasião foram julgadas, conjuntamente, as ADIns nos 1.826/RJ, 1.843/RJ e 1.906/RJ, por tratarem de questões semelhantes. Nesta última, questionava-se, ainda, a constitucionalidade do Decreto no 24.631/1998, que dispõe sobre a outorga da concessão do saneamento básico na Região Metropolitana do Rio de Janeiro e também da alienação das ações da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae).

Os requerentes sustentaram, em suma, que as normas impugnadas afrontavam: (i) o princípio federativo (arts. 1o; 23, I, e 60, § 4o, I, da Constituição Federal); (ii) a autonomia municipal (arts. 18 e 29 da CF); (iii) o exercício das competências municipais privativas (arts. 30, I, V e VIII, e 182, § 1o, da CF) e comuns dos entes federados (arts. 23, VI, e 225, da CF); e (iv) o princípio da não-intervenção dos Estados nos Municípios (art. 35 da CF).

Alegaram, mais, que as normas contestadas extravasavam o disposto no art. 25, § 3o, da Constituição Federal, uma vez que não cuidavam apenas da organização, do planejamento e da execução de funções públicas de interesse comum, mas acabavam por transferir a titularidade destas para o Estado do Rio de Janeiro, muito embora ela pertencesse, por força do que dispõe a referida Carta Política, aos Municípios que integram a Região Metropolitana e a Microrregião em tela.

2. Resumo dos principais votos
O Relator original do feito, Ministro Maurício Corrêa – depois redistribuído ao Ministro Luiz Fux –, rejeitou a preliminar de inépcia da inicial e entendeu que as ADIns estariam prejudicadas quanto ao Decreto no 24.631/1998 e aos arts. 1o, 2o, 4o e 11 da LC no 87/1997, em face das alterações legislativas supervenientes que mudaram as respectivas redações.

No que tange aos demais dispositivos impugnados, o Relator julgou improcedente a ação, assentando, em suma, o seguinte:

[…] Não é razoável pretender-se que, instituídos esses organismos, os Municípios que os compõem continuem a exercer isoladamente as competências que lhes foram cometidas em princípio, uma vez que nessas circunstâncias estabelece-se uma comunhão superior de interesses, daí porque a autonomia a eles reservada sofre naturais limitações oriundas do próprio destino dos conglomerados de que façam parte. […] Verificado o interesse regional predominante […] resta claro competir ao Estado-membro, com prioridade sobre o Município, legislar acerca da política tarifária aplicável ao serviço público de interesse comum”.

Os Ministros Joaquim Barbosa e Nelson Jobim iniciaram a divergência, manifestando-se contrariamente ao voto proferido pelo Relator. Ambos, em síntese, assentaram que a criação de uma entidade regional não pode resultar na transferência de competências constitucionalmente estabelecidas em favor dos Municípios para o Estado.

Os dois Ministros, no entanto, discordaram entre si no que concerne à titularidade das funções públicas de interesse comum. O primeiro entendeu que ela deveria ser exercida por um órgão próprio ou um ente – público ou privado – mediante autorização ou concessão dos Municípios. Já o segundo, sustentou que a titularidade delas passaria para a nova entidade político-territorial-administrativa resultante da criação do ente regional.

O Ministro Gilmar Mendes, por sua vez, ao votar, à semelhança do Ministro Joaquim Barbosa, asseverou que nem o Estado, nem os Municípios ostentariam a condição de únicos titulares das funções públicas de interesse comum, devendo sua gestão ser compartilhada entre os membros os integrantes dos dois níveis político-administrativos da Federação que compõem a entidade regional. Em outras palavras, para tais Ministros a titularidade haveria de pertencer aos Municípios e o Estado, simultaneamente, os quais decidiriam, em conjunto, acerca da organização, do planejamento e da execução das funções públicas em questão.

O Ministro Gilmar Mendes acrescentou, ainda, que tal gestão compartilhada não demandaria, necessariamente, uma representação paritária dos distintos integrantes da entidade regional. Para garantir a constitucionalidade desse arranjo, bastaria evitar a prevalência unilateral da vontade quer dos Municípios, quer do Estado. Em outras palavras, a titularidade seria exercida por uma pessoa jurídica, de natureza complexa, organizada de tal sorte que a vontade isolada de qualquer um deles não pudesse prevalecer sobre a dos demais.

3. Pedido de vista diante da divergência
Após os pronunciamentos divergentes acima explicitados, pedi vista dos autos para melhor exame da questão.

Ao devolvê-los, acompanhei os votos que me precederam para afastar a inépcia da inicial, pois, a meu ver, ela preenchia os requisitos necessários à propositura da ação direta de inconstitucionalidade.

Também julguei prejudicada a ação quanto aos arts. 1o, caput, e § 1o, 2o, caput, 4o, caput, e incs. I a VII, 11, caput, e incs. I a VI, da LC no 87/1997, porquanto esses dispositivos foram alterados, de forma superveniente, pelas LCs nos 89/1998, 97/2001 e 105/2002, todas do Estado do Rio de Janeiro.

Mergulhei, então, na questão básica que se discutia no julgamento, que era, precisamente, a de definir a qual dos entes federados deveria ser atribuída a titularidade das funções públicas de interesse comum nas regiões metropolitanas e em outras figuras territoriais de natureza assemelhada.

Havia três possíveis alternativas para resolver tal questão: (i) conferi-la integralmente ao Estado instituidor da entidade territorial; (ii) deferi-la, de modo exclusivo, aos Municípios que as integram; ou (iii) permitir o seu compartilhamento entre o Estado e os Municípios.

4. Conceito de funções públicas de interesse comum
A Constituição Federal, em seu art. 25, § 3o, dispõe o seguinte sobre o assunto:

Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.

Diante desse dispositivo, cabia a pergunta: teria o constituinte criado um quarto nível político-administrativo na Federação brasileira, ao lado da União, dos Estados e dos Municípios, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum? Se a resposta fosse negativa, como parecia ser a opinião unânime dos especialistas, a qual dos entes federados caberia tal tarefa?

Antes de aprofundar o exame da temática sub judice, busquei estabelecer o conceito de função pública de interesse comum. Segundo a mais abalizada doutrina, em especial aquela desenvolvida por Alaor Caffé Alves, as funções públicas de interesse comum, inconfundíveis com aquelas de interesse exclusivamente local, correspondem a um conjunto de atividades estatais, de caráter interdependente, levadas a efeito no espaço físico de uma entidade territorial, criada por lei complementar estadual, que une Municípios limítrofes relacionados por vínculos de comunhão recíproca.

5. Município como ente federado
Sublinhei, na sequência, que o âmbito de competências que o constituinte originário outorgou aos Municípios, nos arts. 29, 30 e 31 da Lei Maior, não encontra paralelo na história político-institucional do País, a começar pelo disposto no caput do primeiro dos dispositivos mencionados, que autoriza as comunas a elaborarem as próprias leis orgânicas, as quais, a rigor, configuram verdadeiras constituições locais.

Tal prerrogativa, aliás, lembrei eu, encontra fundamento no art. 1o da Carta Magna, segundo o qual os Municípios integram, hoje, de pleno direito, o concerto federativo. Com efeito, os Municípios, desde os tempos coloniais, especialmente em razão das enormes distâncias que os separavam, bem como em virtude da crônica precariedade das vias de comunicação – a qual acentuava o seu isolamento em um país de dimensões continentais –, sempre gozaram de grande autonomia no plano fático, embora jamais dela tivessem desfrutado plenamente no âmbito jurídico, o que só veio a ocorrer com a promulgação da atual Carta Política.

6. Transferência da titularidade das funções públicas de interesse comum
Diante dessa nova realidade, deparei-me, desde logo, com a seguinte indagação: seria constitucional a transferência da titularidade das funções públicas de interesse comum para o Estado instituidor das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões?

Somente o Relator, Ministro Maurício Corrêa, entendeu que a sua transferência integral para tal ente federado estaria em consonância com o Texto Magno. Como visto, os Ministros Nelson Jobim, Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes votaram no sentido da inconstitucionalidade da entrega total da titularidade daquelas funções ao Estado.

Nesse ponto, meu voto-vista contribuiu para que se formasse uma maioria, ao final do julgamento, coincidente em linhas gerais com a divergência iniciada pelo Ministro Gilmar Mendes, que levou em conta, tal como eu, o novo status institucional desfrutado pelos Municípios sob a Constituição de 1988. É que a transferência integral, ao Estado, da titularidade das funções públicas de interesse comum, continentes das funções de competência local, significaria, conforme salientamos, neutralizar um dos aspectos mais peculiares do modelo federal adotado pela Constituição vigente, qual seja, a consagração das comunas como um terceiro nível político-administrativo de nossa estrutura estatal.

A titularidade das funções públicas de interesse comum, segundo conclui, não poderia ser totalmente atribuída ao Estado que institui a entidade regional, sob pena de afrontar-se a ampla autonomia garantida aos Municípios pelo constituinte originário. Superada tal questão, restava saber se seria lícito transferir integralmente essa titularidade para os Municípios que compõem a nova entidade ou se ela deveria ser compartilhada com o Estado. Antes disso, cumpria definir a natureza jurídica dessas novas figuras.

7. Natureza jurídica das novas entidades regionais
Com efeito, antes de definir a titularidade das funções públicas de interesse comum era preciso conceituar a natureza das regiões metropolitanas e das demais figuras assemelhadas. Assentei, ao proferir meu voto, que tais entidades, quando formalmente constituídas, identificam um conceito jurídico que institucionaliza um fenômeno empírico, a saber, a existência de núcleos urbanos contíguos, com interesses comuns. Identifica, em síntese, a uma autarquia territorial, intergovernamental e plurifuncional, sem, todavia, ostentar personalidade política, tornando-se, então, necessário compreendê-la a partir de noções que superassem a visão que tradicionalmente se tinha da própria Federação.

De fato, desde a sua concepção inicial, surgida na Constituição dos Estados Unidos da América de 1787, até os dias atuais, a Federação, forma sui generis de estruturação estatal, sofreu significativas transformações. Aqui e alhures, ela, de há muito, perdeu o caráter dual que originalmente ostentava, a saber: uma estrutura estatal integrada por duas esferas de competências e rendas. Hoje, evoluiu para o chamado federalismo de cooperação ou de integração, no qual as competências e rendas passaram a ser partilhadas entre os distintos níveis político-administrativos.

8. Integração compulsória dos Municípios
Outro aspecto que precisava ser considerado na discussão era que, após a promulgação da nova Constituição, a integração dos Municípios às entidades regionais passou a ser compulsória. Quer dizer, as comunas vinculam-se elas, de imediato, sem que possam oferecer qualquer resistência ou abandoná-las por iniciativa própria, tão logo editada a lei complementar estadual que as institui.

Tal questão foi, inclusive, examinada pelo Supremo Tribunal Federal nas ADIns no 796/ES, Rel. Min. Néri da Silveira, e no 1.841/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, nas quais se confirmou a natureza compulsória da associação dos Municípios às entidades regionais, desde que regularmente constituídas. O acórdão proferido nessa última ação ostenta a seguinte ementa:

CONSTITUCIONAL. REGIÕES METROPOLITANAS, AGLOMERAÇÕES URBANAS, MICRORREGIÃO. CF,
art. 25, § 3
o. Constituição do Estado do Rio de Janeiro, art. 357, parágrafo único. I. – A instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, depende, apenas, de lei complementar estadual. II. – Inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 357 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. III. – ADIn julgada procedente (grifos meus).

A integração compulsória dos Municípios às entidades regionais, regularmente criadas, não significa, contudo, que eles renunciem à participação na gestão delas, notadamente no que respeita às funções públicas de interesse comum.

Diferentemente do modelo que vigorava antes do advento da Constituição em vigor, ou seja, aquele estabelecido nas Cartas de 1967 e 1969, no qual os Municípios – despidos do caráter de entes federados – eram apenas consultados, de forma não vinculante, sobre a prestação de serviços metropolitanos, no novo desenho institucional, eles têm, na qualidade de titulares originários de uma parcela das funções públicas de interesse comum, o inarredável direito de participar do processo decisório no plano intergovernamental.

9. Gestão compartilhada
Tendo em conta tais reflexões, em especial o advento do novo federalismo de cooperação ou, segundo alguns, um mais avançado ainda, qual seja, de integração, não vi como afastar a conclusão segundo a qual a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum – ainda que de modo direto ou delegado – teriam de ser, necessariamente, levados a efeito de forma conjunta pelo Estado e os Municípios que integram determinada entidade regional.

Assim, considerei que, embora seja certo que a autonomia assegurada aos Municípios pela Lei Maior não pode ser esvaziada em consequência da instituição, pelo Estado, de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou microrregiões, tal garantia também não poderia atuar como um bloqueio, por parte das comunas, à concretização de outros valores constitucionais atinentes ao federalismo contemporâneo, hoje cooperativo, em especial à prestação tempestiva e eficaz das funções públicas de interesse comum.

Pareceu-me, portanto, que a gestão compartilhada, entre os Municípios e o Estado, das novas entidades previstas no art. 25, § 3o, da Constituição Federal, é a solução que melhor se harmoniza com a preservação da autonomia local e a imprescindível atuação do ente instituidor delas na qualidade de coordenador das ações que envolvam o interesse comum de todos os seus integrantes.

Uma visão mais ortodoxa ou formalista da autonomia municipal, matizada por uma ótica predominantemente local, inviabilizaria a administração dessas novas entidades regionais, em prejuízo das populações que nelas vivem, sobretudo porque levaria a uma indesejável fragmentação do processo de tomada de decisões, em detrimento dos interesses comuns.

A forma como se organiza a União Europeia corres­ponde a um interessante exemplo de como a gestão compartilhada tem sido adotada pelos modelos político-institucionais mais avançados. Conforme assentei em obra acadêmica sobre o tema (Globalização, Regionalização e Soberania), os Estados independentes que ingressaram na UE não renunciaram à sua soberania nem mesmo a parcelas dela em favor do todo, mas simplesmente passaram a atuar de modo conjunto em determinadas áreas de interesse comum. Entendi, destarte, que a mesma lógica poderia valer para as novas entidades regionais, considerada a autonomia local.

Ao afirmar isso, asseverei que era preciso fazer uma distinção clara, porém nem sempre adequadamente evidenciada, entre as expressões partilhar e compartilhar. Do ponto de vista semântico, partilhar encerra a ideia de uma divisão de poderes ou de competências, tal como ocorre nas federações clássicas, ao passo que compartilhar significa exercê-los conjuntamente, conforme ocorre nas confederações, ou no moderno federalismo cooperativo, que alguns preferem chamar, como observado, de federa­lismo de integração.

A partir disso conclui que o legislador constituinte, ao prever essas novas entidades regionais no art. 25, § 3o, da Lei Maior, ou seja, no título que trata da própria organização do Estado brasileiro, alvitrou que o poder decisório relativamente às funções públicas de interesse comum fosse compartilhado entre os diversos entes federativos que as compõem, notadamente quanto à titularidade das funções públicas de interesse comum.

10. Divisão do poder de decisão
A gestão regional compartilhada não significa, como observou o Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, mencionando os Kreise alemães, que o poder decisório tenha de ser, necessariamente, dividido de forma igualitária entre os Municípios, o Município-pólo e o Estado instituidor, verbis:

(…) a participação dos entes nessa decisão colegiada não necessita ser paritária, desde que apta a prevenir a concentração do poder decisório no âmbito de um ente único. A participação de cada município e do Estado deve ser estipulada em cada região metropolitana de acordo com suas particularidades, sem que um ente tenha o predomínio absoluto.

Isso ocorre, verbi gratia, lembrei eu, no Conselho da União Europeia, que constitui a principal instância decisória dessa associação de Estados soberanos, cujos representantes se reúnem regularmente para decidir sobre assuntos de interesse comum.

Os diferentes governos são representados no Conselho pelos ministros nacionais relevantes para o assunto em discussão. Na votação, por maioria qualificada, os distintos Estados têm pesos diferentes, calculados com base em sua importância política e expressão demográfica. Um voto da Alemanha ou da França, por exemplo, hoje, tem um peso de 29 em um total de 345, ao passo que um voto do Chipre ou da Letónia expressam, cada qual, quatro votos.

Voltando ao tema sob exame, para a efetivação dos valores constitucionais em jogo, segundo assentei, basta que nenhum dos integrantes do ente regional seja excluído dos processos decisórios que nele ocorrem, ou possa, sozinho, definir os rumos de sua gestão. Também não me pareceu aceitável, do ponto de vista constitucional, como já anotei acima, que a vontade do conjunto dos Municípios prevalecesse sobre a do Estado instituidor da entidade regional ou vice-versa.

Em resumo, entendi, na mesma linha dos votos proferidos pelos Ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes, que a constitucionalidade dos modelos de gestão das entidades regionais, previstas no art. 25, § 3o, da CF, estaria condicionada ao compartilhamento do poder decisório entre o Estado instituidor e os Municípios que as integram, sem que se exija uma participação paritária relativamente a qualquer um deles.

11. O modelo paulista
Recordei que o arranjo institucional supra descrito já encontrava expressão no plano normativo, ao menos na Constituição Estado de São Paulo. Com efeito, um dos modelos de gestão regional que se mostrava, a meu sentir, mais compatível com os ditames constitucionais, no tocante ao assunto em foco, era a Carta Política bandeirante, promulgada em 1989. A Carta Magna paulista estabeleceu uma gestão compartilhada entre o Estado e os Municípios, em conselhos dotados de caráter deliberativo, prevendo neles, ainda, a consulta popular, em respeito à nova democracia participativa inaugurada pela Constituição Federal de 1988.

O centro nevrálgico do modelo bandeirante de gestão regional é o caráter normativo e deliberativo da atuação do Conselho, relativamente ao qual se previu não apenas a gestão conjunta dos diferentes entes federativos que compõem a entidade territorial, como também se garantiu a participação da sociedade civil no processo de tomada de decisões.

12. Participação popular
A integração da sociedade civil no planejamento das funções públicas de interesse comum, dentre as quais está um dos objetos da controvérsia, o saneamento básico – que envolve também a corresponsabilidade da União, nos termos do art. 23, IX, da CF –, configura, com efeito, a concretização de alguns dos valores mais caros ao ordenamento constitucional vigente. Com efeito, atualmente, a participação popular não ocorre mais apenas a partir do indivíduo, do cidadão isolado, ente privilegiado e até endeusado pelas instituições político-jurídicas do liberalismo. O final do século XX e o século XXI certamente entrarão para a História como épocas em que o indivíduo se eclipsa, surgindo em seu lugar as associações, protegidas constitucionalmente, que se multiplicam nas chamadas organizações não governamentais.

Esse fenômeno, aliado às deficiências da representação política tradicional, deu origem a alguns institutos, que diminuem a distância entre os cidadãos e o poder, com destaque para o plebiscito, o referendo, a iniciativa legislativa, o veto popular e o recall, dos quais os três primeiros foram incorporados à nossa Constituição (art. 14, I, II e III).

Aliás, soaria estranho, assinalei eu, que a Constituição houvesse garantido, às associações representativas de munícipes a faculdade de intervir no planejamento local, no art. 29, XII, para retirar-lhes tal direito, caso as comunas vierem a integrar um ente regional, nos termos do art. 25, § 3o, do mesmo Texto Magno.

13. Denominador comum mínimo
Entendi importante ressaltar que não se pretendia no julgamento do tema estabelecer um padrão único e homogêneo de gestão das novas entidades regionais, porquanto existiam especificidades regionais que deveriam ser respeitadas na organização, planejamento, regulação, execução e fiscalização das funções públicas de interesse comum que neles se desenvolvem.

Não se poderia olvidar, contudo, ponderei na ocasião, que há um mínimo denominador comum, derivado dos princípios e das regras constitucionais que regem a matéria, que condicionaria e legitimaria o relacionamento dos diferentes entes da federação entre si.

No caso das entidades regionais, o mínimo denominador comum, para o seu adequado funcionamento, consistiria no compartilhamento das decisões relativas às funções públicas de interesse comum, inclusive quanto ao poder de concessão dos respectivos serviços, de tal modo que não haja concentração dessa competência na esfera de um único ente, seja ele o Estado instituidor, o Município-polo ou qualquer dos demais Municípios, e desde que não se dê a preponderância da vontade de determinado ente federado sobre os outros no processo decisório.

14. Autarquia territorial, intergovernamental e plurifuncional
Nessa linha, pareceu-me razoável, além de revestir-se do necessário pragmatismo, a solução alvitrada pelo Ministro Joaquim Barbosa, acima lembrada, segundo a qual “a titularidade do exercício das funções públicas de interesse comum passa para a nova entidade político-territorial-administrativa, de caráter intergovernamental”.

De fato, entendi não haver nenhum problema em delegar a execução das funções públicas de interesse comum a essa autarquia territorial, intergovernamental e plurifuncional, desde que a lei complementar instituidora da entidade regional lhe confira personalidade jurídica própria, bem como o poder concedente quanto aos serviços de interesse comum, nos termos do art. 25, § 3o, combinado com os arts. 37, XIX, e 175 da Carta Magna.

Em resumo, no meu entender, a própria lei complementar que vier a instituir a entidade regional poderia conferir-lhe personalidade jurídica – que teria natureza territorial-autárquica –, transferindo àquela a titularidade dos serviços públicos reputados de interesse comum, exercendo-a por delegação dos entes federados que detêm a titularidade originária.

15. Conclusões
Tomados os votos, o STF, por maioria, decidiu julgar prejudicada a Ação Direta de Inconstitucionalidade quanto ao Decreto no 24.631/1998 do Estado do Rio de Janeiro e aos artigos 1ocaput e § 1o, 2o, caput , 4ocaput e incisos I a VII, 11, caput , e incisos I a VI, da Lei Complementar fluminense no 87/1997.

No mérito, julgou parcialmente procedente a ação, para declarar a inconstitucionalidade da expressão “a ser submetido à Assembleia Legislativa” do inciso I do art. 5o, além do parágrafo 2o do art. 4o, do parágrafo único do art. 5o, dos incisos I, II, IV e V do art. 6o, do art. 7o, do art. 10, e do parágrafo 2o do art. 11, da Lei Complementar no 87/1997 do Estado do Rio de Janeiro, bem como dos arts. 11 a 21 da Lei fluminense no 2.869/1997, modulando os efeitos da decisão para que só tivesse eficácia a partir de vinte e quatro meses após a conclusão do julgamento.

Tal significa que os argumentos do Ministro Gilmar Mendes e aqueles explicitados em meu voto-vista, acompanhados e implementados pela maioria dos integrantes da Suprema Corte, foram os que afinal prevaleceram, tendo sido o primeiro designado para redigir o acórdão resultante das instigantes discussões travadas em Plenário.