Trabalho decente como eixo transversal dos temas do Observatório de Direitos Humanos do Poder Judiciário

3 de fevereiro de 2025

Luciana Paula Conforti Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)

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O Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário foi criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2020 e para a respectiva atuação, no ciclo de 2023-2025, foram eleitos cinco eixos prioritários: (i) equidade étnico-racial; (ii) direitos fundamentais no Sistema de Justiça Criminal; (iii) vulnerabilidades sociais, econômicas e ambientais; (iv) direitos das mulheres, diversidade sexual e igualdade de gênero; e (v) infância e juventude. O principal objetivo da iniciativa é fomentar iniciativas “que promovam os direitos humanos e fundamentais no âmbito dos serviços judiciários” (artigo 3o da Portaria no 190 de 17.09.2020).

A 2a reunião do Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário, no ciclo 2023-2025, foi realizada em 27 de fevereiro de 2024, em Bento Gonçalves (RS), durante a programação do Seminário “Direito Fundamental ao Trabalho Decente: caminhos para a erradicação do trabalho escravo contemporâneo”, promovido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4a Região (RS), em parceria com o Tribunal Superior do Trabalho (TST), por meio do Programa de Enfrentamento ao Trabalho Escravo, Tráfico de Pessoas e Proteção ao Trabalho do Migrante.

Na oportunidade, a Anamatra apresentou considerações sobre o trabalho decente como direito humano e transversal aos eixos do Observatório de Direitos Humanos do Poder Judiciário, para que a temática seja integrada aos programas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Um dos fundamentos apresentados foi o de que o trabalho decente é imprescindível à plena fruição dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, assim como que é um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU, do qual a erradicação do trabalho escravo e do trabalho infantil são metas.

Da reunião, foram extraídos diversos encaminhamentos sugeridos pela Anamatra, como o apoio, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), à ratificação, pelo Brasil, do Protocolo de 2014 à Convenção 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre trabalho forçado ou obrigatório. Devido às matérias suscitadas nos encaminhamentos da reunião, o Comitê Executivo do Observatório de Direitos Humanos do Poder Judiciário, levando em conta a competência atribuída ao Conselho Nacional de Justiça e a atuação de seus colegiados, entendeu que a instância mais adequada para examinar as questões elencadas na reunião é do Fórum Nacional do Poder Judiciário para Monitoramento e Efetividade das Demandas Relacionadas à Exploração do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas (FONTET), criado pela Resolução CNJ no 212/2015. Entre os principais objetivos do FONTET estão iniciativas voltadas ao monitoramento de ações envolvendo o combate ao trabalho análogo à escravidão e ao tráfico de pessoas, além de soluções que garantam maior efetividade às decisões da Justiça e a coordenação de estudos e proposições de medidas pertinentes a essa temática. Ainda fazem parte das atribuições do FONTET, proporcionar aos membros do Poder Judiciário espaço de interlocução permanente, a reprodução de boas práticas e a idealização de novos instrumentos para coibir as graves violações ao direito ao trabalho digno. A partir desse encaminhamento, o desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 1a Região (RJ) e coordenador do FONTET, conselheiro nacional de Justiça Alexandre Teixeira de Freitas Bastos Cunha, propôs ao plenário nota técnica sobre a ratificação do Protocolo de 2014 à Convenção 29 da OIT, na 8a sessão virtual do CNJ de 2024, aprovada por unanimidade.

A Convenção 29 da OIT foi aprovada em Genebra, em 1930, e entrou em vigor no plano internacional em 1o de maio de 1932.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, 27,6 milhões de pessoas foram submetidas a trabalho forçado, sendo que mulheres e meninas representam 11,8 milhões desse total. É importante frisar, que nenhuma região do mundo está livre de trabalho forçado e que a prática está presente em quase todos os segmentos da economia privada.

Para abordar melhor as formas contemporâneas de escravidão, em 2014, a OIT adotou novo protocolo, vinculado à Convenção 29, que entrou em vigor em novembro de 2016. Referida norma reforçou o marco legal internacional contra o trabalho forçado ao introduzir novas obrigações relacionadas à prevenção, proteção das vítimas e acesso a compensações, no caso de danos materiais e físicos, por exemplo. Além disso, requer que os governos adotem medidas para proteger melhor os trabalhadores de práticas de recrutamento fraudulentas ou abusivas, especialmente trabalhadores migrantes e enfatiza o papel a ser desempenhado por empregadores e trabalhadores.

O Protocolo de 2014 à Convenção 29 da OIT revogou disposições da citada norma que permitiam o emprego de trabalho forçado para propósitos públicos e a título excepcional. Nesse contexto, a partir da atualização, a OIT reconheceu a proibição de todas as formas de escravidão, impondo a respectiva observância aos Estados-membros.

O Protocolo atua em três níveis: prevenção, proteção e reabilitação das vítimas. Os países que o ratificam devem garantir que todos os trabalhadores sejam protegidos pela legislação, com as seguintes medidas estruturantes: reforçar a fiscalização do Trabalho e de outros serviços que protejam os trabalhadores da exploração, adotar medidas complementares para educar e informar a população e as comunidades sobre crimes como o tráfico de seres humanos e garantir às vítimas o acesso a ações jurídicas e à indenização, mesmo que o trabalhador não resida legalmente no país onde trabalha.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), por meio da Secretaria Nacional de Justiça (Senajus), divulgou, em julho de 2024, o “Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas: Dados 2021 a 2023”. O estudo contou com apoio técnico do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas (UNODC). Na ocasião, também foi lançado o IV Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.

O documento divulga os traços mais comuns do tráfico de pessoas no Brasil. Sobre o perfil das vítimas no país, a maioria é masculina, negra, entre 18 e 29 anos, destacando-se a invisibilidade das vítimas indígenas, transgênero e com deficiência.

O tráfico de pessoas ainda é crime subnotificado. Por isso, as autoridades reconhecem que o relatório retrata estimativas porque as vítimas frequentemente temem denunciar, devido à vergonha, à discriminação, ao desconhecimento da condição de vítima, à falta de informações sobre os mecanismos de denúncia ou ao medo de represálias.

A perspectiva de gênero esteve presente na análise da matéria, considerando o trabalho escravo no âmbito doméstico e a exploração do trabalho sexual. Outro destaque importante, é que “houve mudança central do modo de operação no tráfico de pessoas, com o uso de ferramentas tecnológicas, o que ampliou significativamente as possibilidades de aliciamento, controle e, inclusive, de invenção de novas formas de exploração”.

Em relação às finalidades do tráfico de pessoas, a exploração laboral continua como a principal forma identificada. O número de não nacionais resgatados em condições análogas à escravidão está em ascendência. A nacionalidade com mais resgatados, entre 2021 e 2023, foi a paraguaia, seguida da venezuelana e da boliviana. Pela primeira vez, foram registrados nos postos consulares mais brasileiros explorados para finalidades laborais. Tradicionalmente, a exploração sexual era a finalidade primordial do tráfico internacional de pessoas brasileiras.

Em maio de 2017, a OIT lançou no Brasil a campanha 50 For Freedom, para incentivar a ratificação do Protocolo da OIT sobre trabalho forçado de 2014. Trata-se de campanha global realizada pela OIT, em parceria com a Confederação Sindical Internacional e a Organização Internacional de Empregadores, para promover o Protocolo em todo mundo e alcançar 50 adesões.

O Poder Executivo brasileiro enviou mensagem ao Congresso Nacional para a citada ratificação (no 173, de 1o de maio de 2023).

Espera-se que o país retome sua posição de vanguarda no combate à escravidão contemporânea e que ratifique o Protocolo de 2014 à Convenção 29 da OIT, para o estabelecimento de mecanismos mais efetivos em direção à erradicação do trabalho análogo à escravidão e do tráfico de pessoas.

Destaca-se, ainda, a relevância da iniciativa do CNJ, de aprovação de nota técnica para a ratificação do Protocolo de 2014 à Convenção 29 da OIT, o que demonstra a pertinência da integração do trabalho decente aos programas do CNJ e de ser considerado como eixo transversal do Observatório de Direitos Humanos do Poder Judiciário, diante dos expressivos casos de escravização no Brasil e do tráfico de pessoas para fins laborais e, também, das diversas violações de direitos humanos presentes no país, devido à profunda desigualdade social e à vulnerabilidade econômica, sendo exigível o alcance de sustentabilidade no meio ambiente do trabalho, o reconhecimento do direito das mulheres, da diversidade sexual, da igualdade de gênero e da equidade étnico-racial no mercado de trabalho, o trabalho decente como meio de diminuição da criminalidade e a coibição do trabalho infantil, como ação fundamental de proteção à infância e à juventude.

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