Transporte em rápida transformação

18 de dezembro de 2014

Compartilhe:

RJC_172_1Maior congresso brasileiro sobre mobilidade mostra as aceleradas mudanças feitas pelo País para melhorar o transporte público de passageiros

Empresários, fabricantes, acadêmicos, trabalhadores rodoviários, usuários e “busólogos” – sim, eles existem! – estiveram reunidos no início de novembro no Rio de Janeiro para a 16a edição do Etransport, maior congresso brasileiro sobre mobilidade urbana, com foco no modal ônibus. Neste ano, além da já tradicional feira de negócios Fetransrio, em sua 10a edição, o evento abrigou o Congresso Anual da União Internacional do Transporte Público (UITP) e sua 8a Conferência Internacional sobre Ônibus, realizada pela primeira vez na América Latina.

Visitas técnicas aos novos corredores de BRT da cidade e ao Centro de Controle Operacional (CCO), apresentação de novas tecnologias veiculares e de informação aos consumidores e debates sobre transporte sustentável foram algumas das atrações do evento, realizado no Rio Centro, principal centro de convenções da cidade.

O 16a Etransport é uma realização da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor). O presidente da entidade, Lélis Marcos Teixeira, fez a abertura do evento com um panorama dos recentes investimentos brasileiros em mobilidade urbana e afirmou, referindo-se às manifestações de julho de 2013 que tiveram como estopim o aumento do preço das passagens: “Há nesse ano uma série de fatos e iniciativas convergentes que nos levam a crer que esse Congresso será o maior e mais amplo do país. Há um novo cenário no país. Além da maioria dos habitantes viverem nas cidades, consolida-se a consciência da importância do transporte público. A mobilidade urbana saiu das discussões acadêmicas, dos gabinetes, das autoridades públicas, dos empresários e das páginas dos livros e revistas especializados e foi para as ruas.”

Sobre o Rio de Janeiro, Lélis Teixeira destacou a preparação da cidade para os Jogos Olímpicos de 2016: “Serão 17 dias de Olimpíadas em que seremos o centro das atenções do mundo. São esperados mais de dois milhões de turistas, que utilizarão nossos ônibus, trens e metrôs. A priorização dos transportes públicos já apresenta aqui resultados visíveis. Dois BRTs já estão em funcionamento e mais dois estão em construção. Um deles, o TransBrasil, será a via de ônibus de maior capacidade do mundo, com mais de 50 mil passageiros por hora/sentido. Há também grande expansão do metrô, dos trens e das barcas, além da construção de um novo modal, o VLT, que vai circular no Centro e na Zona Portuária. Esse novo cenário elevará a participação do transporte público de massa na matriz dos transportes da cidade dos atuais 16% para 64% até o advento dos Jogos Olímpicos.”

Mobilidade sustentável
O conceito de que as cidades precisam associar planejamento urbano e mobilidade para se desenvolverem de forma sustentável permeou vários debates durante os três dias de Congresso. Nesse sentido, a palestra de maior destaque foi a do professor Robert Cervero, diretor do Instituto de Desenvolvimento Urbano e Regional da Universidade de Berkeley, na Califórnia. Cervero é uma das lideranças do mundo acadêmico no tema do transporte sustentável e referência nos conceitos de TOD (transit oriented development), cada vez mais presente nos planos diretores das cidades, e place making, sem tradução precisa para o português, mas cujo sentido está relacionado à recuperação dos espaços públicos e à reconfiguração urbana, o que torna as cidades mais amigáveis e caminháveis.

Afirmou o PhD durante sua passagem pelo evento: “As cidades brasileiras estão em processo acelerado de crescimento populacional e modernização, o que, consequentemente, faz com que a frota de veículos cresça de forma explosiva. Caso não seja feito um bom planejamento urbano, as cidades vão se tornar piores para se viver e menos atrativas de várias formas. Isso pressiona o progresso econômico, na medida em que desencoraja indústrias e companhias de se estabelecer nas cidades, e faz com que os trabalhadores também não queiram continuar vivendo nelas. Faz parte da estratégia econômica de desenvolvimento investir em sistemas de transporte sustentáveis, como facilidades para os pedestres, ciclovias seguras e sistemas de transporte como o BRT e o metrô. Mas isso não deve ser tratado apenas como a criação de uma infraestrutura de transportes para locomover as pessoas. Temos realmente de encarar como um meio de induzir um melhor formato das cidades, para que sejam mais compactas e tenham uma escala mais adequada aos pedestres. Temos de encorajar um comportamento mais sustentável para os deslocamentos. O Rio investiu pesado para a Copa do Mundo e continua a investir para as Olimpíadas numa infraestrutura massiva, o que é uma tremenda oportunidade para reestruturar o formato da cidade, tornando-a parecida com o que encontramos em muitas grandes cidades da Europa, que possuem quarteirões pequenos e boa infraestrutura para pedestres e ciclistas, que possibilitam caminhadas de até cinco minutos até o BRT ou o metrô. Se isso for bem feito, a cidade vai se tornar menos congestionada, mais atrativa para viver e morar e menos poluída.”

O ônibus no mundo
Paralelamente ao 16o Etransport foi realizada a 8a Conferência Internacional de Ônibus, pela primeira vez nas Américas. Com 129 anos de existência, a entidade é reconhecida como a defensora global da mobilidade sustentável. Sua rede internacional reúne 3.400 membros, entre autoridades públicas, operadores, fabricantes, universidades e centros de pesquisa relacionados ao tema da mobilidade urbana em 92 países. Abrange todas as modalidades do setor e atua como plataforma para a operação mundial de negócios.

A Conferência da UITP foi aberta pelo presidente da entidade, o britânico Sir Peter Hendy, responsável pela preparação do transporte público de Londres para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2012. Sir Henry é considerado o responsável por tornar a capital inglesa líder mundial na prestação integrada e inovadora de transporte, supervisionando o maior programa de investimento de longo prazo em redes de transporte da história da Inglaterra, com reflexos em todo o Reino Unido.

Sir Henry afirmou em seu primeiro pronunciamento no Rio: “Comecei minha carreira há 39 anos no sistema de ônibus de Londres. Tenho firme crença na contribuição que os ônibus podem oferecer às nossas cidades como sustentáculo do transporte público, particularmente na América Latina, tomando como exemplo as cidades de Curitiba e Bogotá, que criaram sistemas de ônibus rápidos, que, com custos sustentáveis, facilitam o desenvolvimento econômico e a criação de empregos. Os países da comunidade global da UITP têm muito a aprender na forma como essas cidades utilizaram o ônibus para se desenvolver.”

De acordo com o lorde inglês, por sua adaptabilidade, os ônibus são capazes de atender grande parte da demanda por mobilidade das cidades, tanto em termos de operação e capacidade de transportar pessoas, quanto em termos de desempenho ambiental:  “Sua tecnologia continua a evoluir rapidamente. Os ônibus híbridos estão se estabelecendo em número crescente de cidades, incluindo Londres, que hoje possui 800 deles circulando. Na medida em que a economia mundial começa a se recuperar, nunca foi tão importante difundir a mensagem de que o desenvolvimento deve ser alcançado de forma sustentável. Precisamos de investimento constante no transporte público urbano para enfrentar desafios como os congestionamentos, as desigualdades e as mudanças climáticas. E os ônibus são protagonistas deste processo em todas as cidades do mundo.

Precisamos compartilhar conhecimento para melhorar a vida das pessoas que atendemos. Por isso, o intercâmbio de experiências é um dos principais objetivos da UITP. A Europa tem muito a aprender com a América Latina, e também tem algo a oferecer. A despeito de todo o progresso que já alcançamos, ainda há muito a fazer para superar os desafios estabelecidos. Se nós queremos deixar um mundo melhor para as futuras gerações, e tornar melhor o mundo em que vivemos atualmente, é preciso desenvolver o transporte público em geral e os ônibus em particular. Não há melhor cidade do que o Rio para demonstrar a importância destas metas e para a realização da Conferência de ônibus da UITP”.

Brazilian Rapid Transformation
Com o tema “Crescendo com o transporte público por ônibus”, relacionado à campanha que a instituição lançou em 2012, a Conferência, realizada bienalmente, contou com a participação de mais de 200 delegados e especialistas de dezenas de países.

O presidente da 8a Conferência, Thierry Wagenknechtdiretor técnico de transportes públicos de Genebra, saudou a abertura do evento propondo novo significado para a sigla BRT no contexto da evolução do sistema de transportes do Rio. “Todos nós estamos tendo a oportunidade de testemunhar os preparativos do Rio para sediar os Jogos Olímpicos de 2016. O ônibus tem importante papel a desempenhar neste contexto, pois é o principal meio de transporte em todos os países. Visitei a solução do BRT carioca e pude constatar o quanto esta solução é essencial para o desenvolvimento do transporte público. A sigla BRT, Bus Rapid Transit, também poderia significar Brazilian Rapid Transformation (rápida transformação do Brasil). É o que eu vi e o que desejo a vocês”.

De acordo com o suíço, o atual esforço da Europa é voltado para a emissão zero no modal rodoviário, com a adoção de frotas de ônibus elétricos na maioria das grandes cidades. Além de menos poluentes, esses veículos também são menos barulhentos, com nível de ruído cerca de dez decibéis inferior ao dos ônibus tradicionais. A limitação desta solução, segundo Wagenknecht, é a ainda pequena autonomia dos ônibus elétricos, o que leva os construtores europeus a investirem milhões de euros no desenvolvimento de novas baterias, que durem mais, sejam mais leves e possam ser recarregadas com maior rapidez. Ele estima que no período de 10 a 20 anos os avanços tecnológicos vão possibilitar grande expansão das frotas elétricas. De acordo com o executivo, os operadores de ônibus do Velho Continente também se esforçam para reduzir os custos do sistema, tornando-o mais confiável e integrado ao transporte sobre trilhos e às ciclovias.

Mais baratos e flexíveis
Outra presença importante nos debates da 8a Conferência de Ônibus foi a do atual secretário geral da UITP, Alain Flausch, que presidiu a entidade entre 2009 e 2011 e atualmente está à frente da Associação Belga de Transporte Público Urbano e Regional. Foi em seu mandato como presidente da UITP, em 2009, que a instituição lançou a estratégia PTx2, cujo objetivo é dobrar a participação de mercado do transporte público no mundo até 2025.

A duplicação do market share do transporte público é considerada fundamental para a vida nas cidades e para a luta contra as mudanças climáticas, conforme foi demonstrado na última Cúpula do Clima das Nações Unidas, realizada em setembro deste ano, em Nova Iorque. Considera-se que, para cada quilômetro percorrido, os automóveis emitam 3,5 vezes mais gases de efeito estufa por passageiro que o transporte público. Entre outros objetivos, a estratégia PTx2 prevê a economia de 170 mil toneladas de óleo diesel e de 550 mil toneladas de dióxido de carbono (CO2); a redução de 15% nas fatalidades do transporte urbano; e a duplicação do número de empregos nas companhias de transporte.

Afirmou Flausch: “A principal mensagem que tentamos levar a todas as partes do mundo é que, se realmente queremos competir com os automóveis e ser uma alternativa aos carros, precisamos ter um sistema que integre todos os modais de transporte e permita às pessoas viagens mais rápidas, com o mesmo tíquete, boa informação e horários ajustados para facilitar as conexões. E nos trechos finais temos de combinar nossos esforços com o táxi, a bicicleta e as caminhadas. […] Nós acreditamos que um transporte cada vez mais organizado é a grande opção para tornar as cidades verdadeiramente mais amigáveis.”

Ele reclamou do fato de os ônibus receberem dos governos menos atenção e recursos que os trens, metrôs, automóveis e até mesmo que os caminhões. “Os ônibus estão no banco de trás”, queixou-se Flausch, atribuindo o problema ao fato de o ônibus ser historicamente identificado como o meio de transporte mais poluente. O secretário-geral ressaltou, no entanto, que os recentes avanços no desenvolvimento de melhores combustíveis, como as versões menos poluentes do diesel, e novas soluções tecnológicas, como os motores elétricos, serão capazes de mudar esta percepção. Segundo Flausch, os ônibus são mais baratos e flexíveis, podem chegar a partes das cidades inalcançáveis por outros meios, e também avançam em termos do número de passageiros transportados, citando como exemplo os veículos articulados do BRT carioca, com capacidade para até 160 passageiros.

Brasil “superurbano”
Em sua participação na abertura do Congresso da UITP, Lélis Teixeira contextualizou a importância do transporte urbano nas grandes cidades brasileiras. Segundo ele, enquanto na média global 54% das pessoas vivem nas cidades, no Brasil esse percentual chega a 85%. “O mundo é urbano, mas o Brasil é superurbano. Além de duas megalópoles, temos mais de 16 cidades com mais de um milhão de habitantes. São grandes os desafios na área da mobilidade para essas cidades. O caso do estado do Rio de Janeiro é exemplar. Seus 92 municípios reúnem mais de 16 milhões de pessoas e incluem a segunda maior região metropolitana do País (3a maior da América do Sul e a 20a do mundo), com 95% dos habitantes residindo nas cidades. Se o mundo é urbano e o Brasil é superurbano, podemos dizer que o nosso Rio é hiperurbano, com praticamente toda a população reunida nas cidades. O Rio metropolitano, assim como todas as demais regiões metropolitanas do País, exige uma visão holística, com planejamento urbano integrado, no qual a mobilidade tenha prioridade e seja considerada estratégica, com participação da sociedade na sua definição”, explicou o presidente da Fetranspor.

Segundo Lélis Teixeira, a exemplo do que acontece em vários países do mundo, o grande concorrente do transporte público brasileiro é o automóvel. Ele criticou os estímulos do governo à indústria automobilística instalada no País, a quarta maior do mundo: “O governo brasileiro estimula a produção de carros com subsídios, menos impostos, menos taxas e um preço mais baixo da gasolina. A frota de carros no Brasil aumentou mais de 175% nos últimos 16 anos como consequência desses incentivos à produção, por sua capacidade de gerar empregos e por seu impulso à economia. No ano passado, por exemplo, o estímulo à produção de automóveis chegou a R$ 19,3 bilhões, o dobro do que foi dado à mobilidade urbana. Isso tem de mudar. Priorizar o transporte coletivo também significa a desoneração dos impostos que incidem sobre o transporte público, que ainda hoje estão em mais de 21% sobre o custo das empresas de ônibus. Outra situação a se resolver são os benefícios tarifários, como as gratuidades generalizadas, sem critério de renda, que tanto sobrecarregam os outros usuários comuns que pagam por elas. Medidas mais simples e imediatas também podem contribuir para preferir o transporte coletivo sobre o transporte individual, tais como priorizar espaços viários para ônibus, fazendo corredores exclusivos, os BRS, que beneficiam milhares de usuários retirando-os dos congestionamentos. E, por último, retirar as decisões sobre mobilidade exclusivamente do âmbito econômico. A discussão convida à melhoria da mobilidade e da vida das pessoas.”

Rio Olímpico
Teixeira ressaltou, no entanto, que em 2009 teve início um momento de inflexão favorável ao transporte coletivo, quando o Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. “Foi um momento em que começamos a repensar a mobilidade urbana em todo o País. Nós tivemos 12 cidades sedes [da Copa do Mundo] com grandes investimentos. O BRT foi escolhido pela capacidade de transportar com qualidade quase 48 mil pessoas/hora/sentido, com menor custo, equivalente a cerca de 10% do que seria gasto com investimentos em sistemas de transporte sobre trilhos. Metrôs e trens também seriam excelentes alternativas, mas com um custo elevado de até US$ 100 milhões/quilômetro. Conseguimos fazer vários BRTs com um custo em torno de US$ 8 milhões/quilômetro, multiplicando o acesso da população a um transporte de massa de qualidade.”

Os investimentos públicos e privados em transporte, no entanto, não se resumem aos BRTs. O Governo do Estado está construindo a Linha 4 do metrô, com 16 quilômetros de trilhos que, em breve, vão ligar a Zona do Sul da cidade à Barra da Tijuca, bairro onde vai acontecer a maioria das competições olímpicas. Com a nova ligação, a previsão é de que a demanda do metrô aumente de 780 mil para 1,1 milhão de passageiros/dia. Os trens também estão recebendo investimentos em inovação, renovação e revitalização, principalmente com a aquisição de novas composições no exterior, para aumentar a demanda de 570 mil passageiros/dia para aproximadamente um milhão de passageiros/dia. Com novas embarcações, o sistema de barcas da Baía de Guanabara também deve aumentar o número de passageiros transportados, de 100 mil para 130 mil /dia. Há ainda a construção do primeiro Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) da cidade, conduzida pela Prefeitura do Rio. Com seis linhas que vão percorrer toda a área central da cidade, com capacidade de transportar 160 mil passageiros/dia, o VLT terá uma participação estruturante na recuperação da degradada região portuária do Rio – uma tendência urbanística já adotada em várias outras cidades do mundo, como São Francisco, Buenos Aires, Londres e Barcelona – onde será instalada a vila de mídia olímpica.

“Metronização” do ônibus
Os BRTs, no entanto, são as grandes estrelas da nova mobilidade urbana do Rio. Esta solução de transporte foi idealizada na década de 1980 pelo arquiteto Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba. Durante sua administração, Lerner não obteve os recursos necessários para implantar o sistema de metrô na capital paranaense, mas não desistiu de encontrar uma solução para aumentar a fluidez do trânsito da cidade. A partir da observação das principais características do sistema de metrô de Paris, que utilizou diariamente durante os anos em que fez doutorado na Universidade de Sorbonne, o arquiteto percebeu que a principal vantagem do modal eram as linhas exclusivas construídas no subsolo. Para driblar o alto custo, o então prefeito criou linhas exclusivas na superfície para a passagem de ônibus com o bloqueio de vias laterais, a abertura de ruas de serviço, mudanças no trânsito e, nos casos em que não foi possível evitar os cruzamentos, a priorização da via exclusiva sobre as demais. Nascia o BRT, com um patamar de velocidade semelhante ao do metrô, tendo como vantagem adicional a possibilidade de ultrapassagem nas estações.

Para reduzir o tempo de embarque, o sistema concebido por Lerner retirou as roletas de dentro dos ônibus com a criação de estações tubulares, que possibilitaram o pagamento da passagem antes do embarque. Garantiu ainda mais agilidade com o estabelecimento do pagamento por meio de tíquetes eletrônicos. Fez plataformas no mesmo nível dos veículos, tal como ocorre no metrô, e optou pela utilização de ônibus com grande capacidade, de 23 a 28 metros de comprimento, com portas mais largas. Com 10% do custo, o prefeito-arquiteto estabeleceu transporte com características de qualidade, capacidade e velocidade muito semelhantes às do metrô, que incluem em todos os veículos o ar condicionado e as telas de informação sobre as próximas estações. Foi a “metronização” do sistema de ônibus, que, além de todas as vantagens já descritas, também contribuiu para a recuperação do entorno urbano e o desenvolvimento da cidade.

BRTs cariocas
Isso aconteceu há 35 anos em Curitiba. Duas décadas depois, a cidade de Bogotá construiu o TransMilenio, que trouxe inovações ao BRT com a integração da malha às ciclovias e o estabelecimento de duas pistas em cada sentido, o que ampliou a capacidade do sistema, que em Curitiba era de 25 mil pessoas/hora/sentido, para 48 mil pessoas/hora/sentido. O conceito colombiano foi utilizado nos BRTs do Rio, que quando estiverem todos construídos formarão uma rede de 157 quilômetros, capaz de transportar mais de 1,1 milhão de passageiros/dia com uma frota de 750 ônibus articulados, integrados aos demais modais de transporte.

O sistema de BRTs carioca terá quatro linhas. A pri­meira a entrar em operação foi o BRT TransOeste, cuja primeira fase já conta com 56 quilômetros entre o Terminal Alvorada, na Barra da Tijuca, e os bairros de Santa Cruz e Campo Grande. Quando concluído, o TransOeste terá 63 km de extensão e 57 estações de BRT, além de três terminais. Sua operação já trouxe benefícios para milhões de usuários, com a redução do tempo de viagem quase pela metade. A segunda fase, em um trecho de sete quilômetros, deve entrar em operação até 2016. O TransOeste já está integrado ao corredor TransCarioca, que faz a ligação com o metrô e futuramente terá integração com a TransOlímpica.

Inaugurado em junho de 2014, às vésperas da Copa do Mundo, o corredor expresso TransCarioca liga o Terminal Alvorada, na Barra da Tijuca, ao Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim, na Ilha do Governador. Um trajeto total de 39 quilômetros, que reduziu o tempo original de viagem em 60%. Ao longo do percurso existem 47 estações e cinco terminais, que beneficiam 320 mil passageiros com a interligação de 27 bairros. Nessa linha há um serviço expresso, com paradas em um menor número de estações, que faz a ligação do Aeroporto com a estação de metrô de Vicente de Carvalho. Nesse serviço, os usuários contam com bagageiros para o transporte de suas malas.

Com 26 quilômetros de extensão, a TransOlímpica deverá ficar pronta no ano que vem, fazendo a ligação entre os bairros de Deodoro e Recreio dos Bandeirantes. O corredor vai transportar 70 mil pessoas diariamente e seu principal legado de mobilidade será a integração com os BRTs TransOeste e TransCarioca e com a malha ferroviária, em Deodoro.

Para fechar o pacote, será entregue em 2016 o corredor TransBrasil, que será o maior BRT do mundo, com capacidade prevista de transportar mais de 50 mil passageiros/hora/sentido. Vai criar grande rede de transportes, integrada aos outros três BRTs, ao metrô, aos trens e às barcas. A construção do TransBrasil começou agora em novembro, com previsão de recuperação de toda a área no entorno da Avenida Brasil, a principal via da cidade.

Controle e fiscalização em tempo real
Toda a operação dos BRTs do Rio é coordenada pelo Centro de Controle Operacional (CCO), instalado no Terminal Alvorada, que realiza o monitoramento on-line, por meio de câmeras e sensores, de todas as estações e dos 310 ônibus articulados do sistema, além da frota das linhas alimentadoras. Com informações detalhadas em tempo real, os operadores são capazes de controlar a velocidade dos ônibus, evitar a formação de comboios e regularizar os intervalos de partidas e chegadas. A operação é das empresas, mas a Prefeitura também recebe as informações na Secretaria de Transportes, o que possibilita maior controle, fiscalização e transparência.

O monitoramento eletrônico também melhorou a segurança no interior dos veículos e já frustrou várias tentativas de assalto. Por meio de um sistema de comunicação com os operadores, os motoristas são capazes de avisar se algo de errado ocorrer durante a viagem.

O BRT carioca recebeu recentemente o selo ouro do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), sediado em Nova Iorque, que o escolheu entre 801 BRTs do mundo como o que melhor combina os principais conceitos de qualidade, conforto e conveniência. A mobilidade que vai tornar as cidades mais sustentáveis ainda tem longo caminho para percorrer, mas os primeiros passos estão sendo dados. O Brasil mudou o seu futuro e estabeleceu nova agenda que propõe a qualificação dos serviços públicos. E o transporte público passou a ser percebido como fundamental para a elevação da qualidade de vida dos brasileiros. Não há como negar a Brazilian Rapid Transformation.

Números do transporte público no Rio
A matriz dos modais de transporte público no estado do Rio de Janeiro é dividida na seguinte proporção: ônibus urbanos 63%, ônibus interurbanos 18%, trans­porte alternativo 16%, metrô 7%, trens 6% e barcas 1%. Responsável pela operação dos ônibus urbanos e interur­banos, a Fetranspor é formada por dez sindicatos que congregam 224 companhias de ônibus nas 92 cidades do estado do Rio de Janeiro, que operam 3.260 rotas com 22.500 veículos, 60 terminais e 23 mil quilômetros de linhas. O metrô está presente apenas na capital, com 49 composições e 36 estações, dividas entre duas linhas que totalizam 42 quilômetros de trilhos. Já os trens atendem 12 cidades da região metropolitana, com oito linhas, 181 composições, 102 estações e 270 quilômetros de trilhos. E as barcas, com 24 embarcações, percorrem 92 quilômetros em seis linhas que atendem quatro cidades no entorno da Baía de Guanabara.

Uma particularidade do Rio, e do Brasil como um todo, em relação aos demais países está no fato de que todos os modais do transporte público são operados por empresas privadas, em regime de concessão, mediante licitação, com o controle da operação feito por agências reguladoras.

Bilhetagem eletrônica, subsídios, gratuidades e biometria
Criado em dezembro de 2009 pela Lei Estadual n. 5628/2009, o Bilhete Único estabeleceu uma tarifa unificada, atualmente no valor de R$ 5,25, que possibilita ao usuário viajar em até dois meios de transporte diferentes – ônibus, vans legalizadas, trens, barcas e metrô – em até três horas, desde que um deles faça a integração entre municípios. O benefício vale também para quem usa apenas um transporte intermunicipal que custe acima de R$ 5,25. Cada usuário tem direito a duas integrações por dia – uma de ida e outra de volta. Na cidade do Rio de Janeiro existe um sistema semelhante, o Bilhete Único Carioca, que concede o benefício tarifário na integração nas linhas de ônibus municipais. O usuário pode embarcar em até dois ônibus municipais, dentro do intervalo de duas horas e meia, pagando o valor de R$ 3,00. O usuário poderá fazer uso de três ônibus, pagando R$ 2,75, desde que o segundo seja o BRT TransOeste e um dos outros dois seja uma linha alimentadora. O Bilhete Único Carioca funciona também para a integração de ônibus municipais da Cidade do Rio de Janeiro e trens da Supervia, com tarifa de R$ 3,95. Nas viagens sem integração, o cartão pode ser utilizado sem restrições de uso e tempo e pode ser usado para pagar várias passagens no mesmo veículo, sendo descontada a tarifa normal do modal.

A bilhetagem eletrônica e as políticas tarifárias do Governo do Estado e da Prefeitura do Rio foram discutidas durante o II Fórum RioCard, evento paralelo realizado durante o Etransport, promovido pela RioCard, empresa responsável pela bilhetagem eletrônica no Estado. A superintendente de Programas e Projetos da Secretaria de Transportes do Estado, Cristine Leite Petros, representando a secretária Tatiana Cariús, explicou que o Bilhete Único intermunicipal foi criado com o principal objetivo de aumentar a empregabilidade das pessoas que residem nas áreas mais distantes dos vinte municípios do Grande Rio. “Os empregadores deixaram de selecionar seus funcionários a partir do local onde moram, gerando um equilíbrio na distribuição de empregos entre moradores de diferentes regiões”, explicou.

Para se cadastrar o cidadão precisa vincular o cartão ao número de CPF, checado junto à Receita Federal, para evitar fraudes e garantir a transparência. Mais de 4,5 milhões de usuários estão cadastrados no sistema, que é auditado diariamente pela Coppetec da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Por meio do Bilhete Único intermunicipal, o Governo do Estado subsidia também tarifas sociais em outros meios de transporte. Mesmo sem fazer nenhuma integração, ao utilizar o Bilhete Único o usuário paga nas barcas R$ 3,10 em vez de R$ 4,80, a tarifa regular do modal. No caso do metrô, a tarifa cai de R$ 3,50 para R$ 3,20, enquanto nos trens a passagem cai de R$ 3,20 para R$ 2,90. O Estado paga a diferença.

No caso do município do Rio, o acesso a esta política tarifária se dá tanto por meio do vale-transporte da RioCard, quanto do cartão Bilhete Único do Governo do Estado e do próprio cartão do Bilhete Único Carioca. Só não ganha desconto nas viagens com integração quem paga em dinheiro na roleta, um percentual abaixo de 25% dos usuários do sistema. O que, segundo o coordenador de controle operacional do Bilhete Único Carioca, Alberto Nygaard, que também participou do Fórum, ainda é um percentual considerado alto pela Prefeitura, que trabalha para reduzir os pagamentos em espécie e chegar, no futuro próximo, por meio de uma rede de venda pulverizada, a 100% de bilhetagem eletrônica.

Tanto no âmbito do Estado quanto do Município, estão isentos do pagamento de passagens no transporte público os maiores de 65 anos de idade, alunos uniformizados da rede pública de ensinos médio e fundamental nos dias de aula, deficientes físicos e seus respectivos acompanhantes. Na busca por mecanismos que garantam a correta utilização do benefício da gratuidade, a RioCard, segundo a gerente de Gratuidade, Renata Faria, busca melhorar a verificação e a identificação dos usuários.

O custo estimado das fraudes no sistema de gratuidades nos ônibus em todo o estado do Rio, considerando uma tarifa média de R$ 3, chega a R$ 40 milhões por mês. De acordo com a RioCard, para cada três passageiros que usam o benefício, um deles não teria o direito a passar de graça nas roletas. Para inibir esta prática, alguns municípios estão adotando a identificação biométrica, pela qual o cartão do usuário só é validado com a apresentação das digitais.

O Sindicato das Empresas de Transporte Rodoviário do Rio de Janeiro (Setrerj) – que congrega 30 empresas de ônibus de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, Tanguá e Maricá – foi o primeiro sindicato que optou por adotar a biometria de forma integral em toda sua área de abran­gência. “No momento em que começamos a fazer o recadastramento dos estudantes, idosos e pessoas portadoras de deficiência, o contingente de pessoas que se utilizavam da gratuidade representava 28% de um total de dois milhões de passa­geiros transportados. Esse percentual caiu para 13% ao final do processo de implantação da biometria, com crescimento proporcional do número de passagens pagas, o que se explica pelo grande número de fraudes que eram aplicadas”, afirmou o presidente do Sindicato, Márcio Barbosa, durante palestra no Fórum RioCard.

“No processo anterior ao recadastramento, fizemos visitas pessoais ao Ministério Público e a secretarias de Educação e Ação Social, em um processo de conven­cimento das autoridades de que era necessário o recadastramento biométrico para garantir a fidelidade dos cartões de gratuidade. Nas minhas visitas, eu levava uma pasta com centenas de cartões fraudados que havíamos recolhido, para mostrar o quanto de beneficiários que não tinham direito à utilização gratuita do transporte público e que o estava fazendo por conta. Um processo impactante”, acrescentou Barbosa.

Balanço
Na cerimônia de encerramento do 16o Etransport, o presidente da Fetranspor, Lélis Teixeira, fez um balanço dos três dias de evento. “Utilizamos 35 mil metros quadrados de área do Riocentro para receber cerca de 10 mil visitantes que puderam assistir a 50 painéis e conhecer as novidades da cadeia produtiva do transporte, que, com seus 73 expositores (na 10a Fetransrio), ocuparam três grandes áreas”.

O executivo falou sobre cada um dos eventos que aconteceram durante o Congresso, destacando os internacionais, promovidos pela UITP: “Temos a honra de ter sediado, nesta semana, o “Policy and Executive Board” pela primeira vez nas Américas. Recebemos também a 8a Conferência Internacional de Ônibus da UITP, mais importante palco de discussão deste que é o principal modal de transporte público mundial, responsável pelo deslocamento de 80% de todos os passageiros de transporte público do mundo.”

Sobre o Etransport, Lélis ressaltou o alto nível dos palestrantes “com professores vindo do Canadá, dos Estados Unidos da América, da França, da China, do Chile, do México, da Inglaterra, entre outros, além de autoridades, técnicos e empresários de todo o Brasil”. E destacou a importância dos temas tratados. “Creio que nenhum assunto importante ficou de fora”, afirmou.

O executivo destacou a presença das principais instituições de pesquisas e estudos do País, como Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Embarq Brasil, Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), bem como entidades como “Rio, como vamos”, sindicatos de trabalhadores e representantes da sociedade em geral. Ao final de seu discurso, Teixeira comemorou o cumprimento de mais uma etapa da “luta e conscientização” em prol da mobilidade urbana com qualidade. “É isso que nos move, e a Fetranspor e seus sindicatos filiados se colocam à altura do desafio de contribuir para a evolução do transporte coletivo em nosso estado”, concluiu.

* Fotos: Jorge dos Santos / Arthur Moura / Guilherme Pinto (Fetranspor)

RJC_172_1_2Busólogos
Uma das principais feiras de transporte de passageiros por ônibus da América Latina, a Fetransrio, contou em sua 10a edição com mais de setenta expositores, que apresentaram a um público estimado de 10 mil visitantes as últimas novidades em material de transporte para o setor, oferecidos por diversos tipos de fornecedores, desde fabricantes de chassis e motores a empresas de tecnologia embarcada e do mercado de combustíveis e lubrificantes. Cerca de 80 modelos diferentes de veículos estiveram em exposição, entre os quais os megaônibus para corredores BRT, ônibus híbridos e o ônibus chinês 100% elétrico, recentemente testado no Rio de Janeiro.

Um dos grupos mais animados com as novidades é o dos “busólogos”, como se autodenominam os jovens aficionados por ônibus. O estudante Magno Santos, morador de São Gonçalo, é um deles. Ele conta que desde criança coleciona miniaturas, monta álbuns de fotografias dos ônibus e organiza visitas com os amigos às garagens das principais empresas. Seu maior interesse são as pinturas das carrocerias dos veículos, mas também gosta de discutir detalhes sobre chassis, motores, administração das empresas e questões de mobilidade. “É um hobby antigo. Hoje, sou referência para todos os meus amigos que não sabem qual ônibus pegar para chegar a um destino” afirmou.

Magno não está sozinho. Os busólogos montam blogues e se organizam em vários grupos pelo País. Os amigos Márcio Lima e Tiago Alex são fãs dos ônibus que vieram do Nordeste, respectivamente de Aracaju e Maceió, para acompanhar o Etransport. “Como também trabalhamos em empresas de transporte, misturamos trabalho e lazer nesses congressos”, contou Márcio. A dupla vibrou durante a visita técnica ao Terminal Alvorada e ao Centro de Controle Operacional do BRT. “A gente fica igual pinto no lixo, sem saber o que fazer vendo tanto ônibus junto”, divertiu-se Tiago.

RJC_172_1_3

Volante premiado
A Universidade Coorporativa dos Transportes (UCT) treina e capacita os 112 mil funcionários que trabalham nas 220 empresas cadastradas no sistema Fetranspor. A Universidade tem sede própria, possui simulador de direção, proporciona cursos a distância e mantém convênios com alguns dos principais centros acadêmicos do País. Desde 1997, a cada dois anos a UCT realiza a entrega do Prêmio Alberto Moreira, para reconhecer os melhores profissionais rodoviários do setor de transportes do estado nas categorias motorista, cobrador, operacional, manutenção, administração e liderança.

A escolha dos vencedores se dá em três etapas: a primeira é a indicação por parte das empresas. Em seguida, os sindicatos filiados à Federação selecionam os finalistas em cada categoria. A última etapa é a avaliação de uma banca de jurados.

Com 30 anos de profissão, 14 dos quais na Auto Viação 1001, Francisco José Nogueira foi um dos premiados na categoria motorista. Em entrevista à Revista Justiça & Cidadania ele disse acreditar que o diferencial para a sua escolha dentre os finalistas foi o bom trabalho, o fato de procurar estar sempre estudando, além de não ter recebido multas ou provocado acidentes e avarias nos ônibus que dirige. Capacitado pela UCT como instrutor de trânsito, ele acredita que a categoria evoluiu muito nos últimos anos, mas acha que os colegas podem melhorar muito mais. “As empresas têm de olhar mais para o profissional, ajudá-lo a se capacitar. Felizmente, muitos empresários estão despertando para isso”, disse Nogueira, que ao final do Etransport participou de animada roda de diálogo sobre mobilidade com empresários, funcionários das empresas, jornalistas, estudantes, “busólogos” e com o secretário municipal de transportes, Alexandre Sansão.