No complemento da entrevista, Bernardo Cabral fala sobre a trajetória do fundador da Revista Justiça & Cidadania, que faria cem anos esse mês
Revista Justiça & Cidadania – Estamos no mês do centenário de Orpheu Salles. O que o senhor diria sobre ele às pessoas que não o conheceram?
Bernardo Cabral – Por todos os ângulos, é profundamente lamentável que, ao se avizinhar os cem anos de sua existência, tenha Orpheu Salles – espécie de Dom Quixote de La Mancha redivivo e símbolo da lealdade – deixado o País mais pobre e a democracia órfã.
Eu o conheci no decorrer da Assembleia Nacional Constituinte, tempo em que teve início uma amizade entre dois idealistas, ampliada pelo convívio e consolidada pela lealdade que um dedicava ao outro, tantas vezes testemunhada pelo seu filho Tiago, hoje Editor-Executivo da Revista. Orpheu era um defensor intimorato da nossa Constituição, pois a colocava “no vértice jurídico do País” e ressaltava que defendê-la era uma cláusula pétrea do seu patriotismo. Aliás, essa era uma das razões pelas quais o Jurista Ives Gandra Martins o denominava de “um patriota inesquecível”.
Resumindo, Orpheu era tão ciente da sua dignidade pessoal que nunca alguém ousou alvejar a sua Revista “Justiça e Cidadania” com a seta da corrupção.
RJC – O senhor testemunhou quando ele criou há duas décadas a Revista Justiça & Cidadania, que veio em resposta a uma tentativa de sufocar a autonomia do Poder Judiciário. Hoje, a Justiça está novamente sob ataque. Qual deve ser a postura daqueles que defendem o Judiciário e a nossa democracia?
BC – Sou testemunha da criação da Revista e posso afirmar que ela surgiu com dois propósitos: a defesa do Poder Judiciário e continuar sua luta contra o obscurantismo que ajudara a soterrar. Na caminhada de Orpheu, os editoriais de sua autoria – sempre publicados na ardência dos acontecimentos – eram pontuados pela crítica construtiva, sem adesismo condenável, lutando para que o Brasil jamais caísse no poço escuro da apatia, do medo, do desânimo e do descrédito.
Inspirador, criador e executor da Revista, dos Troféus Dom Quixote e Sancho Pança e da Confraria Dom Quixote, a ela deu o lema “defesa da ética e da moralidade, da dignidade, da Justiça e dos direitos da cidadania”. Por isso mesmo, estando o Poder Judiciário, na atualidade, sob violento ataque à sua existência, nada mais oportuno que aqueles que conhecem muito bem a Instituição por dentro jamais devem resvalar para a postura da omissão, esse subproduto do nada e do não.