Edição

Um novo momento para o direito financeiro

5 de dezembro de 2016

Compartilhe:

A terceira edição do Congresso Internacional promovido pelo TCM do Rio de Janeiro revelou que a matéria adquiriu um novo status de importância face aos mais recentes acontecimentos político-econômicos que o País vem acompanhando, e que culminaram com o impeachment da presidente da República.

Uma análise aprofundada sobre um dos temas que permeiam a vida político-econômica do País nos últimos meses: o direito financeiro. Esta pode ser a síntese do III Congresso Internacional de Direito Financeiro, que teve como tema “Orçamento público e responsabilidade fiscal”, um tópico que vem despertando crescente interesse em todos os que exercem, direta ou indiretamente, atribuições relativas à administração pública.

O evento foi realizado nos dias 1 e 2 de setembro e contou com a participação de personalidades de destaque no universo jurídico, tais como ministros de Tribunais Superiores, juristas de renome, acadêmicos e profissionais do magistério, brasileiros e estrangeiros. O Congresso teve organização do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro (TCMRJ), em parceria com a Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e Espírito Santo (AJUFERJES), Academia Paulista de Letras Jurídicas, Sociedade Paulista de Direito Financeiro e Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (Fadisp).

A solenidade de abertura contou com a presença de Thiers Montebello, conselheiro presidente do TCMRJ; Francisco Jucá, juiz do Trabalho em São Paulo e professor titular da Fadisp; Marcus Abraham, desembargador federal do TRF da 2ª Região e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); Ronaldo Chadid, conselheiro vice-presidente do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso do Sul (TCEMS): Wilson Witzel, juiz federal e presidente da AJUFERJES; e Tiago Salles, editor da Revista Justiça & Cidadania, que foi um dos apoiadores do evento.

A palestra inicial foi conduzida por Benjamin Zymler, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), que falou sobre o tema ‘‘O equilíbrio fiscal como fundamento do Estado Democrático de Direito’’. Ele começou reforçando a importância do direito financeiro neste momento do País, quando uma questão relacionada a este âmbito provocou o impeachment da, agora, ex-presidente Dilma Rousseff. “A República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito, cuja Constituição pressupõe um conjunto de direitos outorgados aos cidadãos, no qual há uma vertente de liberdade e a pretensão de construir um ideal de direitos sociais”. Para o ministro, existe uma tendência natural na ampliação dos gastos públicos no sentido de implementar cada vez mais tais ideais de igualdade. É preciso criar limites para a atuação estatal com os recursos públicos, e estes parâmetros estão no texto Constitucional e na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). “Hoje os brasileiros entendem de futebol e direito financeiro muito bem. Nunca a Lei de Responsabilidade Fiscal foi tão discutida”, comentou Zymler ao final de sua palestra.

Para falar sobre o tema ‘‘Os desafios do direito financeiro em face da crise fiscal’’, o congresso trouxe Julio Marcelo de Oliveira, procurador do Ministério Público de Contas (MPC/TCU). Ele comentou que um dos problemas das contas públicas é que o limite da LRF é visto como uma meta a ser alcançada. “No caso do Poder Legislativo isso é evidente. Acaba que este limite de gastos vira uma meta a ser esgotada e atingida”. Para o procurador, uma das falhas da LRF é que ela tem todo o seu enfoque no controle primário, enquanto que na parte financeira dá carta branca ao Banco Central. Este, por sua vez, conduziria a política monetária com absoluta liberdade para aumentar o endividamento. Ele informou que está em discussão no Congresso Nacional uma norma que tem sido chamada de Lei da Qualidade Fiscal, trazendo inovações e mecanismos que vão melhor a dinâmica dos gastos públicos. Porém, ele acredita que a norma deve também, entre outros aspectos, abranger a exigência de profissionalização da gestão pública.

O professor titular aposentado de Direito Financeiro da UERJ, José Marcos Domingues de Oliveira, se apresentou na sequência, com o tema ‘‘Orçamento e controle judicial: pauta em evolução?’’, que se concentrou no controle orçamentário pelo Poder Judiciário. Segundo ele, a crise financeira enseja a reflexão quanto às suas causas, e no que toca ao Direito Financeiro identifica-se boa parte delas no desrespeito aos postulados desta matéria. “No País trava-se uma verdadeira guerra contra o Direito Financeiro, a indisciplina grassa com estranha naturalidade. São inconstitucionalidades que concentram poderes e arrepiariam Montesquieu. O Brasil atravessa um quadro de crise financeira anunciada pela importação acrítica de doutrinas financeiro-orçamentárias equivocadas ou anacrônicas, pela leniência legislativa e administrativa, interessada na concentração de poderes, e por uma antiga deferência judicial que já não se compadece com as finalidades do Estado de Direito. É, porém, um tempo de reflexão e de uma tomada de consciência que tem posto o direito financeiro no centro do debate jurídico e político do País”, disse.

José Roberto Rodrigues Afonso, professor do Instituto de Direito Público de Brasília (IDP) e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (IBRE/FGV), tratou do tema ‘‘Refundação da Lei de Responsabilidade Fiscal”. Ele apontou que é preciso repensar a LRF no sentido de aperfeiçoar e endurecer ainda mais, e que hoje existem três grandes dificuldades em torno desta norma legal: ela está incompleta, foi ineficiente e não contemplou alguns fatos inesperados. “O mais importante é o controle da dívida, quer dizer, eu controlo a dívida de estados e municípios, porém mais de 90% da dívida brasileira é federal. E o governo federal não tem limites”.

A palestra seguinte foi ‘‘Orçamento público, responsabilidade fiscal e direitos fundamentais’’, com Francisco Pedro Jucá, juiz do Trabalho e professor titular da Fadisp. Ele começou sua apresentação anunciando a intenção de refletir sobre o tema de uma maneira não tradicional. “Especialmente no âmbito do direito público e, em particular, do direito financeiro, nós vivemos ainda como se fosse a ‘ilha da fantasia’, portanto, o orçamento, historicamente no Brasil, é uma peça de ficção romântica do século XIX”. Para o magistrado, os últimos acontecimentos nos deram um presente fundamental, pois começaram a despertar a nossa consciência. “Em bom português: ou mantenho um ambiente no qual são possíveis os direitos fundamentais concretizados ou não tenho nada. É uma questão de escolha de prioridades, o que fazer primeiro com os recursos disponíveis”.

A palestra seguinte foi ‘‘Gestão da dívida ativa e responsabilidade fiscal’’, conduzida por Wilson Witzel, juiz federal e presidente da AJUFERJES. Segundo o magistrado, o problema do acúmulo de processos nas Varas de Execução Fiscal está na gestão da dívida. “Em minhas pesquisas, busquei no Instituto de Gestão de Excelência nas Operações de Crédito as respostas sobre como os bancos fazem para manter a carteira de devedores baixa. E a resposta é que estas instituições terceirizaram a gestão da dívida”. Neste texto, o palestrante defendeu que desonerar os atos cartorários permite administrar melhor a dívida ativa, com a implementação das técnicas de cobrança mais eficazes, utilizando a mediação, a negociação e a descentralização da cobrança em contraposição de ideias que há muito vem sendo defendidas, como o redirecionamento das execuções fiscais para os juizados especiais.

Na sequência, Marcus Abraham, desembargador Federal do TRF da 2ª Região e professor da UERJ, apresentou a palestra “Direito financeiro e direitos fundamentais na perspectiva constitucional”. Ele começou reforçando os novos contornos que o direito financeiro vem assumindo dentro de uma perspectiva constitucional. De acordo com ele, hoje se pode contextualizar o direito financeiro brasileiro como derivado do ordenamento jurídico constitucional. “Na CF de 1988 encontramos todo um conjunto de princípios e regras capazes de dar ao direito financeiro um corpo normativo próprio. Graças às normas constitucionais, o direito financeiro também influencia e determina a definição das políticas públicas e as escolhas feitas pelo Estado sobre o que fazer com recursos financeiros arrecadados, já que devem seguir sempre o interesse coletivo, pautar-se pelas necessidades mais urgentes da sociedade, a partir de valores constitucionais voltados para a consecução e o atendimento dos direitos fundamentais e dos direitos sociais”.

Controle constitucional

No segundo dia de Congresso, o programa de palestras foi aberto com o tema “Orçamento público e jurisdição constitucional’’, com Luiz Fux, ministro do Supremo Tribunal Federal. De acordo com ele, no modo de ver muitos juristas, o orçamento hoje tem um papel tão importante quanto a própria Constituição Federal. Porém, o magistrado esclareceu que, normalmente, os juízes aplicam uma regra ao caso concreto (subsunção), mas em relação ao princípios e regras do orçamento há uma certa ponderação na questão do juízo. “Neste caso a jurisdição constitucional deve ser essencialmente minimalista e deferente ao parlamento, ao congresso e ao poder legislativo. A sua interferência deve ser absolutamente a mais tênue possível.”

‘‘Aspectos controvertidos do orçamento público e da responsabilidade fiscal’’ foi o tema apresentado por Luis Felipe Salomão, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo ele, o poder Judiciário sempre teve uma participação muito intensa na questão do controle orçamentário – um ponto de vista apresentado a partir de uma síntese da influência deste nas contas públicas desde o período colonial do Brasil. “Em relação aos processos em tramitação no Judiciário, seja como autor ou réu, temos quase 80% do total de litigantes do poder público, somadas as esferas federal, estaduais e municipais. Isso nos dá uma ideia do peso e do tamanho que tem o poder público, as questões orçamentárias, no Judiciário. Se 50% das demandas dizem respeito à cobrança, evidentemente falta algo na questão orçamentária”, declarou, passando a apresentar precedentes no STJ que envolvem o orçamento público.

O juiz do TJSP e professor de Direito Financeiro da USP José Maurício Conti apresentou na sequência a palestra ‘‘Planejamento e responsabilidade fiscal’’. Ele ressaltou que o planejamento, embora normatizado, ainda não é eficaz. “A LRF logo nos seus primeiros artigos, foi muito clara em afirmar que a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente para prevenir riscos, corrigir desvios e manter o equilíbrio das contas públicas. Porém, no Brasil, não há nenhuma lei de planejamento de caráter nacional amplo. Esta é uma falha muito grave e significativa, porque quem está na administração pública sabe como hoje, dada a dimensão da máquina, é impossível uma gestão eficiente dos recursos públicos sem planejamento”.

Na palestra ‘‘O controle material de validade das normas orçamentárias’’, o procurador da República e professor de Direito Financeiro da UERJ, Luis Cesar Queiroz dividiu o tema em duas partes. Na primeira, ele se referiu ao controle de constitucionalidade das denominadas leis orçamentárias. “É importante dizer que passamos por dois momentos bem distintos, se considerarmos o posicionamento do STF. No primeiro, o STF negou a possibilidade de se apreciar a constitucionalidade das leis orçamentarias e, num segundo momento, houve uma virada no entendimento da Suprema Corte, que passou a admitir a possibilidade de examinar a constitucionalidade dessas leis”, esclareceu ele, antes de demonstrar, por meio de casos julgados, a sua referência. Na segunda parte do painel, o procurador propôs um possível controle de validade, levando em consideração exclusivamente as leis orçamentárias (LRF, PPA, LDO e a lei orçamentária anual) e não a Constituição brasileira.

O evento contou ainda com as palestras: ‘‘O Direito Financeiro na recente Jurisprudência do STF’’, conduzida por Marcus Lívio Gomes, juiz federal do RJ e professor de Direito Financeiro da UERJ; ‘‘Crimes Funcionais de Responsabilidade dos Prefeitos: DL 207/01’’, com Leandro Paulsen, desembargador Federal do TRF da 4ª Região; e ‘‘Formação do déficit público e responsabilidade fiscal’’, com André Fontes, desembargador Federal do TRF da 2ª Região. As presenças internacionais se deram por meio do painel ‘‘El Principio de Estabilidad Presupuestaria: Reflexiones Desde La Unión Europea’’, com José María Lago Montero, catedrático de Direito Financeiro da Universidade de Salamanca (Espanha); e do também espanhol Juan Fernando Durán, professor titular de Direito Constitucional de Valladolid, que apresentou o tema ‘‘La articulación horizontal y vertical de la responsabilidad fiscal en los supuestos de relaciones multinivel’’.

O evento, que também comportou uma sessão solene de homenagem aos ministros participantes, teve como patrocinadores o Núcleo de Estudos em Finanças Públicas Tributação e Desenvolvimento da UERJ, Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e Espírito Santo e Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro. E, como apoiadores, o Instituto Rui Barbosa/Escola de Magistratura Instituto Rui Barbosa, Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Escola Superior de Advocacia (RJ), Academia Paulista de Letras Jurídicas, Sociedade Paulista de Direito Financeiro, Faculdade Autônoma de Direito, Sociedade Paulista de Direito Financeiro, Associação Brasileira dos Tribunais de Contas dos Municípios, Revista Justiça & Cidadania, Itaipu, Associação dos Juízes Federais do Brasil, Caixa Econômica Federal e Confederação Nacional do Transporte.