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Um olhar objetivo sobre o ativismo judicial

20 de abril de 2018

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Quando o assunto se volta para o ativismo judicial é inevitável que se abram duas correntes de pensamento distintas. Em sua defesa estão aqueles que enxergam a característica de preencher a lacuna da concretização de direitos fundamentais relacionados no texto Constitucional. Outra corrente diametralmente oposta considera perigoso permitir ao magistrado ultrapassar os limites de sua competência. Talvez o segredo esteja no meio termo, e isso ficou aparente na 58ª reunião do Fórum Permanente de Direito Tributário, em 16 de março, que debateu os limites da pró-atividade do Poder Judiciário.

A mesa de abertura do debate, realizado no auditório da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), foi composta pelos desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) Ricardo Rodrigues Cardozo, diretor-geral da EMERJ; Luciano Saboya Rinaldi de Carvalho, presidente do Fórum; e Flávia Romano de Rezende, vice-­presidente do Fórum.

O desembargador Ricardo Rodrigues Cardozo abriu o evento comentando que abordar o tema do ativismo judicial é sempre uma tarefa árdua. “Muitos têm visão deturpada do assunto, atribuindo equivocadamente ao Poder Judiciário uma conduta usurpadora das funções legislativas. O juiz tem o dever legal de cumprir as leis e a Constituição, não podendo jamais deixar de julgar sob a justificativa de inexistir tratamento legislativo. Quando isso ocorre, existe um ­espaço importante para a criação de uma norma ante a omissão do legislador”, declarou.

Fazendo uma homenagem à vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista, Anderson Gomes, assassinada dois dias antes do evento, o desembargador do TJRJ Luciano Saboya Rinaldi de Carvalho, também destacou a relevância do debate levado a cabo pelo Fórum do qual é presidente. “Trata-se de tema importante e atual e que precisa ser melhor ­esclarecido, sendo multidisciplinar”, comentou.

Em sua palestra intitulada “Ativismo Judicial – possibilidades e limites”, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), detalhou a origem histórica do termo. Segundo ele, no Brasil, o conceito de ativismo judicial se confunde com o protagonismo que o Judiciário vem assumindo desde a promulgação da Constituição, em 1988. Analisadas as vantagens e desvantagens, o ministro avaliou que o ativismo judicial comporta diversas ­interpretações e nem todas são prejudiciais e em um país tão desigual e assimétrico como o Brasil. “É ­necessário para fazer andar alguns itens de uma agenda iluminista que existe que não é perfeitamente clara. Temos que fazer da igualdade não uma bandeira meramente retórica, mas concreta. Criar políticas sociais que permitam ao brasileiro ter acesso a direitos e benefícios que apenas uma pequena minoria desfruta no Brasil”.

A palestra em seguida foi conduzida por Gustavo Binenbojm, professor titular da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), que falou sobre o tema “Ativismo Judicial e as cortes constitucionais”. Para ele, o principal desafio, face ao ativismo, é como fazer com que o exercício da jurisdição constitucional seja democraticamente aceitável e juridicamente ­seguro. “Eu proporia, então, que o Supremo faça um exercício de construção de padrões de autocontenção de decisão, de criação de standards decisórios em campos em que a vontade majoritária do parlamento seja suspeita, quando restrinja alguns direitos fundamentais. Isso faz com que haja segurança jurídica e uma integridade ao longo do tempo sobre o que é a Constituição. É o que fazem em todos os países ­democráticos”, apontou.

O desembargador do TJRJ e professor da EMERJ, Luciano Saboya Rinaldi de Carvalho, conduziu o painel “Ativismo Judicial e o processo civil brasileiro”. De acordo com o ele, o ativismo judicial parece ser a vontade do juiz de acertar e resolver todos os problemas. “O óbice da lei às vezes nos impede, porque há soluções legislativas. Tudo começa no Parlamento e no Congresso Nacional, e se você não estiver satisfeito com determinada norma, atue e tente mudar a regra do jogo, sem exigir que o Judiciário resolva todos os problemas. Se cada um resolver sua vontade pessoal por meio da discricionariedade, não haverá segurança jurídica”, declarou.

Também desembargador TJRJ e professor da EMERJ, André Gustavo Corrêa de Andrade falou sobre “Moral, Direito e Democracia”, destacando as concepções sobre a ativismo judicial e as diferenças que existem entre elas. “A ideia de que o Judiciário pode ser reformado por juízes filósofos é uma concepção platônica. Temos juízes de carne e ossos com ­concepções morais e ideológicas muito diferentes. Mas a moral não corrige ou substitui o Direito. Existe uma correlação, mas a moral entra no Direito a partir do momento que se faz a Constituição, quando são inseridos os princípios constitucionais. Ativismo judicial? Sim, mas dentro dos limites da Constituição”, concluiu.

Encerrando o evento, a desembargadora Flávia Romano de Rezende citou a tese o filósofo do Direito Ronald Dworkin segundo a qual existe apenas uma resposta certa para a interpretação, e de Robert Alexy, para quem existem múltiplas respostas e que é possível a discricionariedade. “Será que o Brasil vive uma era de normalidade? Será que as teses de Dworkin são aplicáveis ao Estado e a sociedade espera um protagonismo do Judiciário? Será que, hoje o Judiciário brasileiro deve simplesmente ter uma única resposta certa na interpretação da lei? Eu acredito que não, e entendo que o Judiciário precisa de muita coragem, porque não é tarefa simples. O povo sente essa necessidade, existe um consenso mínimo que é abrigado pela Constituição”, concluiu.