Entrevista: Conceição Mousnier, Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
Dotar o Estado do Rio de Janeiro de uma política própria para as crianças que vivem em abrigos foi o que motivou a Desembargadora do Tribunal de Justiça fluminense (TJ/RJ), Conceição Mousnier, a idealizar o Plano Mater. A Magistrada assumiu há pouco a coordenação da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja), e essa é a mais importante iniciativa que desenvolve. O projeto ainda está em andamento, mas já obteve reconhecimento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que recomendou a prática a todos os tribunais. “É um plano antigo que estou conseguindo realizar duas décadas depois”, disse a Desembargadora, que já foi Juíza da Vara da Infância e Juventude.
Justiça & Cidadania – Qual é o objetivo do Plano Mater?
Conceição Mousnier – O Plano Mater foi criado enquanto Coordenadora da Ceja e visa a garantir a convivência familiar e comunitária a todas as crianças abrigadas. Esse é o seu grande diferencial: a inserção do Poder Judiciário. O comprometimento é total já que é gestado pelo Tribunal fluminense. Tem como meta final a inserção dessas crianças quer na família de origem, quer na família substituta, através da adoção nacional e, em última instância, internacional.
JC – O foco da Ceja era a adoção internacional. A que se deve essa mudança?
CM – A Ceja não tem só o papel de tratar de adoções internacionais. A Convenção de Haia conferiu a ela a função de apoiar a execução da política do abrigado. Então, a primeira providência que tomei ao assumir a coordenação da Ceja foi alterar o regimento interno, adequando a comissão a seu papel institucional.
JC – Em que fase está agora o Plano Mater?
CM – O Plano Mater tem várias ações para atingir a sua meta. A primeira delas foi a alocação de recursos humanos, junto às prefeituras, para mapear os abrigos. Não tínhamos contingente especializado suficiente para isso. Então, fizemos um convênio com os prefeitos, que nos forneceram assistentes sociais, psicólogos e educadores que, somados ao contingente do Tribunal de Justiça, resultou na reunião de 414 mapeadores. A segunda ação foi o mapeamento, que terminou dia 5 de junho. Agora estamos na fase de inserir os dados no sistema de informática. O programa vai responder a tudo o que desejamos saber. Por exemplo: quantas crianças recebem visitas? Quais são os abrigos que não possuem equipe especializada? É imprescindível que o abrigo tenha pelo menos uma Assistente Social e uma Psicóloga. Ao saber que determinado abrigo não tem esses profissionais, poderemos dialogar com as prefeituras para obter a dotação qualificada.
JC – Qual é a previsão para divulgação desses dados?
CM – Eles não serão divulgados imediatamente. Primeiramente estão sendo inseridos no programa de informática, que será capaz de produzir relatórios. O mapeamento se voltou não só para dados cadastrais, permitindo atualizá-los, mas deu ênfase a dados metodológicos, que permitirão colóquio técnico entre diversos setores do TJ/RJ, com formação de comissões. Aliás, as comissões já estão formadas e trabalhando em cima dos resultados parciais que temos. Os estudos realizados pelas comissões visam à elaboração de um ato normativo a ser prolatado pelo Presidente do Tribunal, Desembargador Luiz Zveiter, traçando a política institucional do Poder Judiciário fluminense para a criança abrigada. Esse ato terá vários capítulos, incluindo o processo de destituição do pátrio poder e adoção, capacitação dos abrigos, parceria com órgãos públicos e privados visando à formação de rede e utilização de recursos já existentes voltados para a família e fomentando a criação de outros.
JC – O CNJ também elegeu as questões envolvendo a infância e juventude como prioridade. O TJ/RJ trabalhará integrado com o órgão nacional?
CM – Em maio estive em Brasília sustentando o Plano Mater. O CNJ recomendou a adoção da iniciativa por todos os tribunais de Justiça do País. A interação com o Conselho Nacional de Justiça é muito importante.
JC – Já é possível identificar, preliminarmente, qual é a situação dos abrigos do Rio hoje?
CM – Os abrigos do Rio não são ruins. O que ocorre é que muitos não têm profissionais especializados, nem desenvolvem ações conjuntas que possibilitem a verdadeira reinserção da criança à família de origem. Para isso, eles serão capacitados pelo TJ/RJ. Vamos montar uma grade curricular para passar conhecimento aos abrigos. Começaremos com noções do Estatuto da Criança e do Adolescente. A propósito, por ocasião do mapeamento foram descobertas crianças e adolescentes que não constavam do cadastro “Módulo Criança e Adolescente”, além de abrigos não cadastrados. Os dados apurados pelo TJ/RJ, no desenvolvimento do Plano Mater alimentarão o sistema cadastral desenvolvido pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, dotando-os de informações atualizadas.
JC – Como surgiu a ideia do Plano Mater?
CM – Fui Juíza da infância e juventude. Na época já tinha a noção de que algo haveria de ser feito em prol das crianças e adolescentes abrigados. Quando fui convidada para assumir a Ceja, a primeira ideia que surgiu foi de realizar o sonho antigo de formatar um plano. Não posso dizer que me sentei à frente do computador e pensei: agora vou criar o Plano Mater. As ideias foram fluindo, fui aperfeiçoando e quando vi o plano estava pronto. A genialidade do poeta Gilberto Gil recomenda em uma de suas mais belas canções: “amarre o seu arado a uma estrela”. O Plano Mater é um sonho, mas sonho com os pés no chão, dotado de linhas de ações claras, objetivas, e, embora trabalhosas, perfeitamente exequíveis.