Um Poder Judiciário eficaz

5 de fevereiro de 2004

Vice-Prefeito de São Paulo e Presidente da Comissão Municipal de Direitos Humanos

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O Juiz de direito foi no passado, uma referência da sociedade civil. Sua atuação, nas comarcas onde exercia seu mister, não se limitava ao expediente forense, mas se alargava junto à comunidade, buscando o seu desenvolvimento social. Muitas das Santas Casas que ainda existem no interior foram fruto de campanhas de iniciativa dos juízes de direito. São eles ainda lembrados, pelo seu trabalho fecundo, pelos mais antigos.

Hoje, entretanto, pesa-me dizer, os juízes de direito, com as exceções que costumam confirmar a regra, são meros funcionários burocratas, que não têm o menor contato com o povo, limitando-se ao dia-a-dia da atividade cartorial. A regra do artigo 93, inciso VII, da Constituição, que determina que os juízes titulares residam na respectiva comarca, é pura e simplesmente ignorada. Juízes e promotores, estes sujeitos a igual determinação, segundo o artigo 129, § 2º, da mesma Carta, deveriam conviver com a sociedade local, nas comarcas para as quais foram nomeados e por eles escolhidas. Mas são atraídos para os grandes centros, dos quais se locomovem para movimentar a burocracia inferior do Poder Judiciário. Verifiquem as Corregedorias dos Tribunais de Justiça e das Procuradorias Gerais da Justiça quantos são os juízes e promotores que residem nas comarcas existentes no entorno das grandes cidades. Irão ficar estarrecidos ao constatar que esses altos servidores da Justiça desconhecem a regra constitucional – a qual não existe por acaso, mas porque é da maior importância – de que tanto o juiz como o promotor residam nas respectivas comarcas, para que, ao pleitear e decidir com justiça, tenham em conta as pessoas envolvidas na lide e o fim social das leis, as exigências do bem como os direitos e deveres individuais e coletivos. E isso não pode ser feito sem convivência na comunidade.

Agora, que se retoma um discurso antigo de pelo menos 40 anos, data da primeira tentativa de reforma da infra-estrutura do Poder Judiciário, no caso de São Paulo, conviria acentuar que a virtude maior dessa proposta, residia, justamente, na descentralização, com a fixação de juízes, promotores e demais servidores da Justiça, em pequenos distritos, presentes em todas as capitais e grandes cidades.

Se a cidade de São Paulo tem cerca de 100 distritos policiais, por que não temos, pelo menos, o mesmo número de distritos judiciários?

Por que contamos com um imenso tribunal de Justiça, com aproximadamente 180 desembargadores, três tribunais de alçada, com cerca de 200 juízes, todos centralizados na capital do Estado? O mesmo acontece nos demais Estados da Federação.

São circunstâncias que dificultam o andamento das causas e, no plano criminal, constituem fator de impunidade.

O bom senso estaria, a partir da descentralização assinalada, em: regionalizar-se a Justiça de segunda instância, criando-se tribunais menores para o atendimento de grupos de comarcas, com uma pequena Corte para a harmonização da jurisprudência desses tribunais; fazer alguns retoques no processo civil e criminal, eliminando-se o excesso de recursos e prevenindo-se contra a indústria de liminares; reexaminar a competência das Justiças Federais (comum, trabalhista e eleitoral), evitando-se a duplicação de atribuições hoje existentes; transformar o Supremo Tribunal Federal em Corte Constitucional, criando-se, tendo como base o atual Superior Tribunal de Justiça, um Tribunal Nacional de Cassação, para atender aos recursos advindos da inconformidade das decisões últimas das Justiças Estaduais; estipular mandato certo para os juízes da Corte Constitucional e para o Tribunal de Cassação; editar súmula para orientar o julgamento de casos que se possam assemelhar, sem, contudo, poder vinculante, que retiraria dos juízes a liberdade de julgar, reduzindo-os a meros robôs.

Por fim, o tão falado controle externo, inconstitucional segundo as propostas até agora formuladas, porque fere o princípio constitucional da separação dos poderes, será uma conseqüência da descentralização, sendo exercido livremente pela sociedade civil e pela atuação da OAB e do Ministério Público.

É curioso, entretanto, que nos debates sobre essa tão falada reforma, não se pense em aproximar o juiz, e o promotor, do povo, continuando os dois fechados nos chamados Palácios de Justiça.

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