Uma aproximação dos caminhos da responsabilidade por danos

23 de agosto de 2013

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Andre R. C. FontesI. É por todos conhecida a ideia de que a responsa­bilidade está relacionada às noções de obrigação e de garantia. O predomínio de concepções unitárias e de estrutura nos dispensa de retomar a polêmica da definição de responsabilidade por danos. A falta de consistência de algumas ideias, entretanto, não nos afasta da lembrança das raízes da palavra “responsabilidade”, originada da palavra latina sponseo, usada pelos romanos no contrato para, solenemente, obrigar o devedor. É que o problema da responsabilidade por danos, tal como conhecemos em nossos dias, não se formou senão após um longo desenvolvimento.

Nos povos primitivos, imperava a vingança privada e a reparação do dano pela Lei de Talião, com sua máxima “olho por olho, dente por dente”. E, desde essa época, já se distinguiam de alguma maneira os danos entre particulares e aqueles relativos às autoridades. Foi sob a influência de ideias gregas, com as leis das XII Tábuas, que assumiram um certo caráter sistemático na Roma antiga. Se pensarmos que a lex Aquilia de damno sequer exigia a culpa do autor do dano, podemos constatar o longo tempo que necessitou o curso de seu aperfeiçoamento.

Para conhecermos mais efetivamente a origem do termo “responsabilidade”, lembramos que ele entrou há pouco tempo na linguagem jurídica, possivelmente extraído de autores ingleses por filósofos continentais.

II. A responsabilidade vem definida como extracon­tratual em contraposição à responsabilidade contratual. É chamada de responsabilidade aquiliana por derivação da lex Aquilia de damno, que, no ano II a.C., disciplinou uma área em boa medida coincidente com aquela hoje coberta pelo ilícito extracontratual, ou ainda como responsabilidade civil, invocada nesses termos para se contrapor à responsabilidade penal.

A melhor maneira de entender a responsabilidade por danos é a sua caracterização como uma responsabilidade que prescinde da existência de uma relação obrigacional entre os sujeitos (a vítima e o outro, o causador do dano), o que levaria a se identificar com a responsabilidade resultante de uma obrigação, e ser o caso do ressarcimento do dano, como é o caso da responsabilidade contratual, que supõe uma relação concreta existente; e, por exclusão, não ser penal a responsabilidade.

A injustiça de a vítima ter de suportar o prejuízo que agrava, irremediavelmente, sua esfera econômica de interesse conduz à melhor designação de responsabilidade por danos. Dado que, na vida moderna, seja pela multiplicação das atividades, seja pela complexidade técnica dos meios empregados, os problemas e os embates alargam-se enormemente, impondo o exame de todo fato doloso ou culposo que cause prejuízo a outrem corresponderá a um dano injusto, que obrigará aquele que o praticou ao ressarcimento do dano.

III. Na aferição tradicionalmente considerada, concorrem os seguintes requisitos:

• o fato;

• a ilicitude do fato;

• a imputabilidade do fato danoso;

• o dolo ou a culpa do causador;

• o nexo de causalidade entre o fato e o dano;

• o dano.

Na técnica da responsabilidade por danos em nosso tempo, três questões parecem orientar a sua aplicação:

• se há responsabilidade;

• quem é responsável;

• quanto pagar.

A indagação sobre se o dano verificado deve ser ressarcido ou não parece que se tornou a questão fundamental, pois ela constitui o coração da responsabilidade por danos, ou seja, a seleção entre os danos que devem ser ressarcidos e os que não devem.

A segunda questão se abre sobre o pressuposto de que a primeira tenha uma resposta afirmativa: caracterizado o dano, ele seria ressarcível? Surge, então, a necessidade de se definir quem é obrigado a ressarcir o dano injustamente causado.

A terceira questão pressupõe que o dano seja ressarcível e que seja individualizada a responsabilidade: trata-se, nesse aspecto, o ponto de estabelecer qual soma de dinheiro o responsável deverá pagar à vítima, ou de qual modo deverá ser reparado o dano ocorrido.

IV. Uma função compensatória ou reintegrativa é encontrada na responsabilidade por danos. O objetivo é compensar o dano pela perda ocorrida e reintegrar o patrimônio injustamente diminuído, reportando-se à consistência que tinha antes do fato danoso. Essa é uma função que corresponde a um elementar critério de justiça substantiva. Há, entretanto, um limite correspondente que, de modo exclusivo ou prevalente, determinará o ponto de vista individual do prejudicado, que sabidamente não opera nenhuma vantagem da sociedade no seu conjunto. Depois do ressarcimento, fica a indagação de se a função compensatória realiza plenamente a vítima, pois ela não é inteiramente satisfatória do ponto de vista social. E, em muitos casos, não se consegue satisfazer nem mesmo a vítima. É o caso do valor pago ao filho pela morte do pai, pois, em verdade, jamais compensará, adequadamente, a perda grave e repentina.

Disso resulta que a responsabilidade opera como instrumento eficiente, do ponto de vista individual e social, que, além da sua função compensatória, outra resulta: a função preventiva. Limitar-se a intervir depois que o dano ocorreu, para depois retribuir o peso entre o causador do dano e o responsável, é socialmente menos relevante do que atuar antes que o dano se verifique, com o fito de impedir que se produzam ou ao menos sejam reduzidos os números do resultado danoso. A vantagem resulta tanto para a vítima, como para a sociedade, para prevenir violações aos interesses psicofísicos da vítima ou mesmo a destruição de sua riqueza ou da própria sociedade. Esse objetivo é alcançado com a efetividade da ameaça de sanção estabelecida pela lei civil. Por impor o ressarcimento, menos danos se consumam, pois o temor de indenizar presume um comportamento de maior atenção e prudência, a ser empregado nas atividades, com cautela ou de segurança, de modo a não causar danos.

Pode-se tomar em consequência uma terceira função da responsabilidade por danos: a função sancionatória e até mesmo educativa. Ela pode ser resumida da seguinte maneira: punir o responsável por seu comportamento reprovável de modo a desincentivar a sua prática. Essa função deriva do caráter ilícito, consistente na violação do comando normativo. E o comportamento mencionado não é somente ilícito, mas também socialmente reprovável.

Uma concepção ética poderia ser identificada, mas cremos que hoje a dimensão ética parece ficar atenuada e se afirma uma concepção prática da responsabilidade por danos. Dessa forma, não é essencial que, em nome de um princípio abstrato de justiça, seja invocado para responsabilizar o causador do dano. O essencial é que a vítima receba ressarcimento proporcional e equivalente ao seu dano. Essa nova concepção, que valoriza a função compensatória, poderia se exprimir na concepção segundo a qual toda atenção se apresenta, de uma ampla justiça restauradora a ser prestada pelo causador, em benefício da vítima.

Dessa maneira, duas questões devem ser observadas:

• se houve o dano injusto;

• quem deverá ressarci-lo.

V. O problema de responsabilidade por dano consiste essencialmente nisto: o de selecionar entre os danos quais são os que dão lugar à responsabilidade e os atos que deixam o causador do dano a ela imune de responsabilidade; ou, de forma mais sintética: selecionar os danos indenizáveis e os danos não indenizáveis!

Ampliar as fronteiras da responsabilidade por danos e traçar um novo perfil, mais moderno e prospectivo, com o propósito de alcançar, com justiça e equidade, mais além da culpa, sem excluí-la, e mais além da responsabilidade individual, sem descaracterizá-la, impõe o fator de imputação ou atribuição para legitimar, passivamente, a quem se atribua o ressarcimento.

Na sociedade moderna, será necessário estender os limites do âmbito de atividade danosa na mesma medida em que o homem desborda no acionar sua órbita tradicional nessa aventura que enfrenta com um universo totalizador e competitivo.

Somente dessa forma atenderemos às necessidades de uma era tecnológica, que apresenta novos problemas à indenização por danos. Os juristas terão o desafio de encontrar respostas que logrem adequar o direito aos novos caminhos resultantes de produtos novos, tais como danos nucleares, ecológicos e aqueles resultantes da tecnologia da informática e da biotecnologia.

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