“Uma gestão mais moderna e mais adequada às necessidades da advocacia”

2 de janeiro de 2025

Da Redação

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A advogada Ana Tereza Basilio é a primeira mulher eleita para a Presidência da OAB do Rio de Janeiro em 94 anos. Em entrevista exclusiva, ela destaca os desafios e prioridades para o triênio 2025-2027

Com eleição histórica e expressiva, a advogada Ana Tereza Basilio é a primeira mulher eleita para a Presidência da OAB do Rio de Janeiro (OAB-RJ) em 94 anos. Em entrevista exclusiva para a Revista Justiça & Cidadania, ela destaca os desafios e prioridades para o triênio 2025-2027, como o aumento da representatividade feminina, a modernização administrativa e tecnológica, o combate à violência contra a mulher, a valorização da advocacia no interior do estado e a ampliação de oportunidades para os profissionais.

Ela também destacou a importância da qualificação profissional gratuita, especialmente para advogados do interior e o estímulo para maior participação de jovens na gestão da entidade.
Com visão estratégica sobre os desafios da profissão, a presidenta eleita enfatizou a necessidade de combater a morosidade judicial e reduzir os custos processuais, além de defender uma abordagem cuidadosa sobre o uso de inteligência artificial na advocacia. Ela também quer incentivar mais mulheres a buscarem espaços de poder na sociedade.

A expectativa é que a gestão deixe um legado de modernização, eficiência e inclusão, contribuindo para uma advocacia mais forte, democrática e conectada às necessidades da sociedade. Confira a entrevista.

Revista Justiça & Cidadania – Sua eleição representa um marco histórico: a primeira mulher na Presidência da OAB-RJ em 94 anos. Como enxerga essa conquista para a advocacia e para a representatividade feminina?
Ana Tereza Basilio – É uma conquista muito simbólica e importante para a advocacia feminina. Nós, mulheres, já somos maioria na advocacia do Rio de Janeiro, com 52% e agora estamos ocupando também os espaços de poder na instituição. É a primeira vez, também, que uma seccional da OAB no Brasil tem presidenta e vice mulheres. Em nossas 64 subseções do Rio de Janeiro, elegemos 28 mulheres, um aumento de 47% em relação à eleição passada, na qual apenas 19 mulheres foram eleitas. Tudo isso sendo feito de forma democrática. Queremos que mais mulheres tenham papel relevante nas atividades da Ordem, em nossas comissões e na sociedade. Estamos inclusive criando uma Comissão de Combate à Violência contra a Mulher, que é uma epidemia no Rio.

JC – A sua chapa obteve 60,1% dos votos válidos, uma vitória expressiva. A que atribui esse resultado? Quais propostas ou debates considera terem sido decisivos para esse êxito?
ATB – A nossa chapa reuniu todas as oposições que concorreram na eleição passada. Dois ex-adversários fazem parte da nova diretoria eleita e são grandes parceiros em nossos novos desafios. Nós representamos, então, a união e a renovação da advocacia no âmbito da OAB-RJ. Todas as nossas propostas, as nossas pautas, foram estabelecidas em conjunto, ouvindo advogados e advogadas de todo o estado. Essa união de projetos novos com projetos já implantados e bem-sucedidos foi nossa maior virtude. Além disso, fizemos uma campanha limpa, propositiva e de exposição de propostas, sem divulgação de fake news e sem, sobretudo, interferência de partidos políticos, pensando apenas na advocacia e na sociedade. A classe percebeu isso e confiou na seriedade e comprometimento dos integrantes da Chapa 1.

JC – Como presidenta da OAB-RJ no triênio 2025-2027, quais serão as prioridades que vão guiar a gestão?
ATB – Nossa prioridade é elevar o padrão da advocacia do Rio de Janeiro, oferecendo conhecimento de qualidade e gratuito. Vamos ampliar a oferta de cursos e de pós-graduações gratuitas na mentoria da OAB-RJ,
principalmente para os colegas do interior, e proporcionar mestrado profissional gratuito pela Escola Superior da Advocacia. Além disso, estamos trabalhando para estruturar a advocacia dativa em nosso estado, em parceria com municípios. Já temos um projeto piloto em curso no município de Maricá. Queremos estimular a geração de trabalho e renda. Outro aspecto importante é uma ampla reforma administrativa que vamos fazer, com uso de tecnologia, para que possamos reduzir o valor da anuidade a partir do segundo ano de gestão.

JC – Quais são, em sua visão, os principais desafios enfrentados pela advocacia atualmente? De que forma sua gestão planeja atuar para superá-los?
ATB – Um dos principais desafios da advocacia é a oferta de oportunidades de trabalho e, consequentemente, de renda, o que tem relação direta com a situação econômica de nosso estado. Segundo a pesquisa perfil ADV, 46% dos profissionais recebem até cinco salários-mínimos por mês. Por isso, queremos investir na qualificação dos colegas e estimular a geração de trabalho e renda por meio da advocacia dativa, em parceria com entes públicos. Há um projeto de lei em andamento em Maricá e já levamos o projeto à Câmara de Vereadores do Rio e de Resende. Além disso, no estado, a advocacia tem sido muito afetada pela morosidade da justiça e pelos altos valores das custas processuais. Vamos continuar trabalhando por mais celeridade e pela redução dos valores das custas.

JC – O combate à litigância predatória tem sido amplamente discutido. Qual é sua visão sobre essa questão e como a OAB-RJ pode contribuir para prevenir essa prática?
ATB – É preciso ter muito cuidado com esse termo para que não se corra o risco de criminalizar o exercício da advocacia, especialmente da consumerista e trabalhista. Se nós temos uma concessionária de serviço público, que comete falhas com 10 mil clientes e um colega atende parte desses clientes, com petições parecidas ou iguais, estará cometendo um ilícito? Evidente que não, ele está representando um grupo de pessoas, vítimas de uma mesma falha na prestação de um serviço. Trata-se de algo legítimo, do direito de acesso à justiça. O que a OAB e o Poder Judiciário precisam combater, em união de esforços, é a prática de ilícitos, como falsificação de procurações, distribuição de ações judiciais por parte que desconhece a iniciativa etc.

JC – Fortalecer o diálogo com as subseções e aproximar a OAB-RJ dos advogados do interior é uma prioridade de sua gestão? Como pretende implementar essa aproximação?
ATB – A valorização da advocacia do interior é fundamental e prioritária para nossa gestão. Como presidenta da Comissão da Celeridade Processual da OAB-RJ, percorri 138 foros de todo o estado, vendo de perto a realidade e as dificuldades enfrentadas pela advocacia de cada região. Nesse projeto de elevar o padrão da advocacia por meio de conhecimento de qualidade, por exemplo, os colegas das subseções do interior terão prioridade, já que têm menos oportunidades e estão mais distantes dos grandes centros.

JC – Com relação à modernização, processos digitais e uso de inteligência artificial, há algo que precise ser implementado ou aprimorado nos serviços prestados pela OAB-RJ?
ATB – Assim que eu assumir a Presidência da OAB-RJ, vamos dar início a uma ampla reforma administrativa, que tem relação direta com modernização e uso de tecnologia. Precisamos adotar as mais modernas práticas de gestão, com aplicação de ferramentas avançadas e decisões baseadas em análise de dados e de prioridades da advocacia. Teremos que adequar a Ordem aos desafios que a revolução tecnológica nos apresenta. Na Seccional, vamos criar uma ferramenta virtual com os serviços cartoriais que oferecemos e investir em sistemas que reduzam gastos administrativos. Só assim, vamos conseguir cumprir o compromisso assumido de reduzir, significativamente, a anuidade, já a partir do segundo ano de gestão.

JC – E qual sua opinião sobre o uso de IA no exercício da advocacia?
ATB – Novas tecnologias são bem-vindas desde que venham facilitar nossa vida, nosso trabalho e baratear nossas despesas, mas jamais deverão substituir o trabalho intelectual do ser humano, como, por exemplo, o de decidir litígios. Uma parte de nosso trabalho está relacionada a sentimento, solidariedade, humanidade, aspectos com os quais uma máquina não conta. No caso da IA, ainda é preciso aperfeiçoamento para garantir uso seguro e confiável pela advocacia e, sobretudo, pelo Poder Judiciário na elaboração de decisões judiciais. O Conselho Nacional de Justiça já encontrou falhas no uso de inteligência artificial em sentenças. Temos que estar muito atentos ao uso indiscriminado deste tipo de tecnologia.

JC – A OAB-RJ tem papel importante na articulação com o Poder Judiciário e outras instituições. Como pretende fortalecer essa relação?
ATB – A OAB é uma entidade com múltiplas missões, perante a advocacia e a sociedade. Historicamente, tem papel que vai muito além da advocacia: tem o dever de defender os direitos fundamentais, o estado democrático de direito e a Constituição da República. Nesse sentido, a Ordem se relaciona com toda a sociedade. Hoje, na Seccional do Rio de Janeiro, temos mais de 240 comissões temáticas, que se dedicam aos mais variados temas, das prerrogativas profissionais aos direitos humanos. Vamos intensificar o trabalho de nossas comissões para que tenhamos cada vez mais contribuições positivas para a advocacia e para a sociedade, mas sem vinculação partidária. A polarização da sociedade precisa ficar do lado de fora da OAB-RJ.

JC – Como vice-presidenta, a senhora já deixou uma marca na OAB-RJ. Que legado deseja construir e deixar ao final do mandato como presidenta?
ATB – Quero ser lembrada como a presidenta que trabalhou muito pela classe, que ampliou, e muito, a oferta de conhecimento de qualidade e gratuito, elevando o padrão de nossa advocacia. Quero que nossa diretoria seja reconhecida como aquela que fez uma gestão democrática, que ouviu e trabalhou lado a lado com os colegas, que modernizou e renovou a OAB-RJ, e que conseguiu reduzir a estrutura ociosa da entidade e, com isso, a anuidade. Queremos também contribuir para redução da morosidade processual e dos valores das custas processuais na Justiça Estadual. Por fim, espero incentivar mais mulheres a buscarem mais espaços de poder na sociedade.

JC – Ao final do triênio 2025-2027, como imagina a OAB-RJ e quais avanços espera ter alcançado?
ATB – Sabemos que há muito trabalho a ser feito e que o tempo é curto, mas esperamos entregar uma OAB-RJ renovada, com uma gestão mais moderna e mais adequada às necessidades da advocacia, que vêm mudando nos últimos anos. Nesse período, teremos mais advogados e advogadas capacitados de forma gratuita e anuidade com valor reduzido. Esperamos também ter conseguido estruturar o projeto de advocacia dativa em vários municípios. Nesse processo de renovação, esperamos também maior participação da jovem advocacia, que deve ser incentivada a participar da gestão da entidade.

JC – Quais foram as pessoas que inspiraram sua trajetória profissional? E que mensagem gostaria de deixar para quem se espelha em sua história?

ATB – A advocacia é uma profissão apaixonante, com referências maravilhosas, como Myrthes Gomes de Campos, Rui Barbosa, Sobral Pinto, Evandro Lins e Silva, Sergio Bermudes dentre muitas outras. O que eu posso dizer é que a advocacia é uma profissão muito generosa, que retribui todo o trabalho e esforço que você dedica a ela. Essa profissão proporcionou a mim e a minha família muito mais do que eu poderia imaginar. Portanto, trabalhem duro, dediquem-se, procurem se qualificar, mantenham-se atualizados. Um profissional mais preparado é um colega mais valorizado e mais respeitado. E, claro, contem com a OAB-RJ. Afinal, juntos somos mais fortes.

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