Uma lição a ser observada e aprendida

5 de novembro de 2003

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Já citei várias vezes o livro de Michael T. Klare no qual o autor defende com todas as letras que o mundo moderno está fadado a viver com guerras violentas, devido à escassez de recursos naturais, em especial, de energéticos (Resources Wars, Henry Holt and Company, Nova York, 2002). Até aqui, as guerras estiveram distantes de nós, pelo menos geograficamente. Mas o quadro está mudando. Os tumultos sociais começam a bater às nossas portas.

Esse é o caso da Bolívia, que completa mais de um mês de agitação popular, com tristes perdas humanas. O motivo é o mesmo – recursos naturais. O povo boliviano não quer que seu país exporte gás para os Estados Unidos. E por que estes insistem nessa transação? Porque a economia mais forte do mundo está se mostrando frágil e vulnerável na área energética. No caso em tela, os Estados Unidos possuem apenas 3% das reservas de gás do mundo, o que daria para míseros oito anos do consumo. Isso não é nada para as imensas necessidades daquele país. Com essa situação tão dramática, os Estados Unidos não podem dispensar nenhuma pequena reserva de gás, em qualquer parte do mundo.

Mesmo considerando-se as reservas não existentes – mas que os cientistas vêem como prováveis de serem descobertas e utilizadas -, os americanos terão apenas 5% do gás mundial, aliás, o mesmo montante da América do Sul, onde a Bolívia e a Argentina concentram a maior parte (Are we running out of crude oil and natural gas?, Petro Strategies Inc., 2003).

Em termos mundiais, estamos falando de migalhas, pois só o território da ex-União Soviética dispõe de 38% de reservas efetivas e 41% com possibilidades de serem descobertas. No Oriente Médio, são 35% e 18%, respectivamente. Assim como a disputa do gás ensejou agora um conflito interno na Bolívia, ela pode provocar novos conflitos internacionais, como ocorreu no Iraque, onde as armas de destruição em massa nunca apareceram.

A guerra pelos energéticos é a guerra mais cara de todos os tempos. Só na última década, as maiores empresas petrolíferas gastaram a estonteante cifra de US$ 260 bilhões para simplesmente manter a produção atual. Para aumentar a produção, elas precisam investir mais e, como condição, não podem descuidar da eficiência e dos lucros. Por isso, recolher um gás que está pronto para ser transportado – como o da Bolívia – é um negócio da China.

Para o Brasil, o que está ocorrendo no mundo nos ensina uma lição. Afinal, nós também recebemos gás da Bolívia, que foi contratado por 30 anos. Mas as condições desse contrato serão renegociadas periodicamente. Aliás, estamos entrando nessa fase. Será que com toda essa pressão, conseguiremos manter uma posição vantajosa? Não seria o caso de intensificarmos ainda mais as explorações dentro do nosso imenso país? E de explorarmos as fontes alternativas e não poluentes de energia (hídrica e outras) que aqui abundam?