Edição 179
Vale ser voto vencido?
14 de julho de 2015
Roberto Rosas Membro do Conselho Editorial / Professor Titular da UnB
A personalidade do magistrado reflete-se invariavelmente na substância dos seus votos e sentenças. Mas destaca-se a opinião do juiz no externar suas convicções, por vezes, afirmando posições, vencido. Assim, o voto vencido nos tribunais tem demonstrado pelos tempos afora a sua importância, porque dissentindo do quotidiano lança novas posições, abre clareiras na floresta imensa da lógica, permitindo novos esclarecimentos, construindo pontos de partida de novos conceitos e situações. Esses votos vencidos são inúmeras vezes prenúncios de novas orientações legislativas.Essa importância dada aos votos vencidos foi acentuada na Corte Suprema Americana na fase do “Governo dos Juízes” (1895-1937) diante das posições excepcionais de Holmes, Brandeis e Cardozo; os famosos dissents.
Em nossa Corte Suprema os votos vencidos, por vezes, foram precursores de futura jurisprudência. Destacam-se entre os maiores contribuintes à formação da jurisprudência nacional e precursores de reformas legislativas três dos maiores magistrados que ocuparam curul no STF: Pedro Lessa, Filadelfo Azevedo e Orosimbo Nonato.
Pedro Lessa trouxe a sua parcela como jurista e professor, por meio da sua combatividade, arrostando as velhas teorias e práticas. Assim foi na interpretação extensiva do conceito de habeas corpus como inserido na Constituição de 1891. Pedro Lessa pretendeu ir além da garantia do direito de liberdade de ir e vir, assegurando a liberdade de locomoção como pressuposto do exercício do Direito ilegalmente cerceado ou ameaçado. Assim votou no caso da Mesa da Assembleia do estado do Rio de Janeiro, e no caso do Conselho Municipal do Distrito Federal.
Lessa pretendia que o Direito fosse líquido e certo para proteger a liberdade individual no sentido da liberdade de locomoção, também para a defesa do direito ao exercício de determinada atividade. Lançava-se aí a semente de um dos mais utilizados remédios jurídicos para a garantia do direito líquido e certo – o mandado de segurança – que encontra suas raízes nos votos vencidos, nas opiniões isoladas de Pedro Lessa.
Outra figura primacial foi Filadelfo Azevedo, que levou à E. Corte as manifestações jurídicas pelas originalidade e coragem incentivando contra as tendências conservadoras do Tribunal. Filadelfo Azevedo destacou sua atuação no E. Pretório em uma seara das mais importantes do arcabouço jurídico, fonte disciplinadora das atividades privadas e hoje, também públicas: a responsabilidade civil do Estado.
Pelo art. 15 do Código Civil a responsabilidade civil do Estado estava condicionada à prova de culpa dos funcionários no exercício de atividade representativa do Estado, após larga conceituação de irresponsabilidade estatal por ato de seus funcionários.
Filadelfo Azevedo assentou, em voto vencido, as premissas da evolução neste assunto. Apresentou estudo histórico do problema, desde o bombardeio da Bahia (1912), da revolta do Forte de Copacabana (1922), revolta de São Paulo (1924) etc., para fundar seu ponto de vista da responsabilidade civil do Estado com fundamento na teoria do risco. Suas ideias frutificaram na Constituição de 1946 (art. 194) e na de 1967 no art. 107.
Outra posição notável foi a de Orosimbo Nonato, que apontou à doutrina e à vida jurídica brasileira todo seu inesgotável saber por meio do seu inconformismo intelectual expresso nos seus notáveis votos vencidos, principalmente em sua fase inicial no STF, com extraordinária contribuição.
Destarte, Orosimbo Nonato deu à responsabilidade civil do preponente por ato do preposto as dimensões modernas e científicas. Entre outros votos memoráveis, plantou as raízes esclarecidas de nova doutrina e nova posição jurídica que veio a consubstanciar-se na Súmula 341.
A opinião divergente é tão democrática e útil como a opinião convergente, porque ela expressa uma vontade, e deve ser aquela convicção útil e importante para uma decisão. Será, então, útil ao debate, e ao futuro de uma linha interpretativa. Será, então, tão convincente a abalar a maioria em uma linha majoritária.
Na Suprema Corte americana o mais famoso voto vencido foi Oliver Holmes, talvez um dos mais importantes daquela Corte. Lá os famosos dissents sempre foram respeitados e ouvidos, na fixação de futuras diretrizes, como aconteceu com Holmes, ao despertar a Corte para as diretrizes do due processo of law, ou da liberdade. Venceu, no futuro, nas suas teses, que vieram para estudos expressivos (The Essential Holmes – com introdução de Richard Posner e Justice from Beacon Hill, de Liva Baker), profunda biografia de Holmes e seu tempo, onde ele foi chamado de D’Artagnan, como o espadachim vibrante de sua opinião contrária e vencida.
A opinião contrária não pode ser apenas oposição, insistência e simples contrariedade sem convicção, mas convicção e seriedade.
O voto vencido vale como opinião, e não impugnação.
No Senado Federal houve um senador que, sistematicamente, votava contra indicações (Ministro do Supremo Tribunal, Embaixadores) e assinalava a necessidade desse voto contrário para impedir a unanimidade. Esse era voto de impugnação, e não convicção.
Hoje, quando o Ministro Marco Aurélio vota vencido é voto de opinião, convicção, e não contrariedade. O voto vencido de hoje pode ser o vitorioso de amanhã, que digam os biógrafos de Holmes. Vale ser voto vencido.