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Vestibular de Candidatos

5 de setembro de 2004

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A prescrição constitucional insculpida no art. 14, § 4º da Carta Cidadã de 1988 ficou a depender de regulamentação para sua aplicação prática, daí a recente instrução normativa n.º 21.608/2004 do Tribunal Superior Eleitoral, traçando critérios gerais e procedimentais para as eleições deste corrente exercício.

Dedicando cuidado especial acerca da escolaridade dos candidatos a cargos eletivos, de forma objetiva, a Resolução 21.608/2004 do TSE, em seu art.28, § 4º, quando documental e validamente não for comprovada a alfabetização, remete ao Juiz Eleitoral o exercício da opção prática do poder avaliatório.O problema surge quando o Juiz Eleitoral fica investido da alta responsabilidade, sem qualquer parâmetro ou limite prático na aferição pedagógica da condição de alfabetizado.

Daí, o art. 28, § 4º da Resolução n.º 21.608/2004 estabelecer possibilidade de “ser suprida  por declaração de próprio punho, podendo o juiz, se for o caso, determinar a aferição, por outros meios, da condição de alfabetizado”.

Na exata interpretação do referido comando normativo eleitoral, ficou, o Juiz Eleitoral, com a exclusiva e ilimitada responsabilidade pelo exame e decisão de pedidos de registro de candidaturas, com a faculdade e não determinação de, “se for o caso” aplicar, na aferição de alfabetização dos pré-candidatos, “outros meios”.

Até aí, tudo muito simples, quando o bom senso indica caminhos simplórios de avaliação prática e didática dos que desejam registrar candidaturas a cargos eletivos. O problema mesmo é que o conceito de alfabetizado restou excluído de especificação na norma regulamentadora do art. 14, § 4º da CF.

A boa jurisprudência pátria tem sido ancorada em princípios simples, partindo-se da definição léxica do que significa analfabeto, traduzido pelo Mestre Aurélio Buarque de Holanda como sendo quem “não sabe ler nem escrever”.

Neste exato sentido, ser alfabetizado significaria que o pré-candidato tivesse conhecimentos rudimentares de escrita e leitura, nada mais além dessas prerrogativas.

Como os juízes avaliadores ficaram livres e ilimitados para, querendo, adotar procedimento de avaliação da condição de alfabetizado, Brasil afora temos presenciado excessos intoleráveis, ridículos e abusivos.

Sob os efeitos de crônica  “juizite”,  arvoram-se, alguns magistrados, de autênticos inquisidores/avaliadores integrantes de banca examinadora de dissertações de mestrado ou doutorado.

A televisão, previamente avisada, tem mostrado, ao vivo, salas escolares cheias de pré-candidatos a cargos eletivos, com o juiz-professor, com ares reitorais de plena realização acadêmica, aplicando a prova de vestibular para a Universidade dos Cargos de Provimento Eletivo.

A simples aferição de escrever e ler restou submetida a questões complexas e sem qualquer balizamento pedagógico. Isto porque a escolaridade tem vários níveis, e é o menor deles que deve ser utilizado para aferição do grau inicial de alfabetização.

Questões de matemática, organização dos poderes, geografia, história, dentre outras disciplinas, formam o vestibulinho dos candidatos, constituindo abuso e ilegalidade.

Acerca do que vem a ser uma pessoa alfabetizada, a UNESCO, do alto de sua respeitabilidade, já no ano de 1958, definia como tal “a pessoa capaz de ler e escrever um enunciado simples”. E nada mais do que isto.

Com a evolução da educação em nosso país, também, a noção de pessoa alfabetizada submeteu-se a modificação para, nos idos de 1990, ainda sob a inspiração dos estados da UNESCO, o IBGE, como parâmetro válido em suas pesquisas, instituir em suas pesquisas o “alfabetizado funcional”. Integraram este conjunto, aqueles que se submeteram a alfabetização em período inferior a 4 anos.

Com um território de dimensão continental, nosso pobre Brasil apresenta desníveis em todos os segmentos, inclusive em seus vários conceitos de alfabetização, tomando-se por base as diversas regiões do país.

Ora, se a própria língua padece de múltiplos sotaques e vocábulos regionais, quanto mais a noção de alfabetização.

Há recantos onde as aulas ainda são ministradas sob a luz de candeeiros ou lampiões à gás, sobre chão de terra batida e sob teto de palha.

Melhor que a severa fiscalização acerca de analfabetos fosse dirigida à obrigação do Estado erradicar, de vez, o analfabetismo.

O censurável índice de analfabetos em nosso país, é  culpa de todos nós que não sabemos escolher nossos governantes e representantes legislativos.

Mas, se a escolaridade fosse requisito para o melhor desempenho das públicas funções, os crimes do “colarinho branco” deixariam de existir,  pois, em tese, são os mais cultos e eficientes, que, engenhosa e cientificamente, driblam a legislação para meter a mão na verba pública em benefício próprio e de seus apaniguados.

Vamos, então, caminhando para as próximas eleições, com os professores-juízes afastando-se dos critérios de razoabilidade na avaliação dos alfabetizados sem diploma e registro.

Alguns juízes eleitorais distanciam-se de critérios da razoabilidade na avaliação de alfabetizados para enveredar por critérios agressivos às mais rudimentares técnicas e procedimentos pedagógicos.

Deveria, sim, prevalecer o equilíbrio do trinômio de qualquer julgador em aplicar a razão, a lógica e o bom senso em todas as decisões, inclusive na avaliação dos alfabetizados sem diploma ou registro.

Com a palavra, o Tribunal Superior Eleitoral, a fim de regulamentar especificadamente o artigo 14, § 4º da CF, para, definitivamente, erradicar dúvidas e coibir abusos, na predominância plena da utilização da prática dos pré-candidatos demonstrarem, apenas, saber ler e escrever razoavelmente.

E nada mais.