Videoconferência: um caminho sem volta

28 de abril de 2014

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Rafael-Estrela_Desde os primórdios, a comunicação humana é essencial para a troca de informações, facilitando a construção da vida em grupo e contribuindo para a evolução social. Não se pode negar que a velocidade da comunicação é um valor priorizado pela sociedade moderna, principalmente em razão do dinamismo e da celeridade das relações sociais. Não poderia o Direito e seus operadores permanecerem alheios a tal contexto.

O interrogatório on-line (ou por videoconferência), tal qual concebido pela Lei no 11.900, de 8 de janeiro de 2009, e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça na Resolução no 105, de 6 de abril de 2010, é decorrência natural de todo esse processo: abrevia/elimina o espaço temporal e encurta o espaço geográfico, aproximando-se, em tempo real, o acusado e seu julgador.

Não se trata de inovação brasileira, sendo modalidade de sistema utilizado em diversos países como Austrália, Canadá, Espanha, EUA, França, Itália, Reino Unido, Inglaterra, Chile, Escócia, Holanda, entre outros.

Historicamente, no Brasil, o interrogatório on-line foi implementado pela Lei Estadual Paulista no 11.819/2005. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, no HC 90.900/SP, reconheceu sua inconstitucionalidade por vício formal em razão da competência exclusiva da União para legislar sobre matéria processual.

Dessa forma, hodiernamente, fixou-se o entendimento no âmbito dos Tribunais Superiores de que configura nulidade absoluta, por violação à competência privativa da União para legislar sobre matéria processual e ofensa ao princípio do devido processo legal, a realização do interrogatório do acusado por meio de videoconferência antes da regulamentação conferida pela Lei no 11.900/2009, que alterou o Código de Processo Penal para autorizar a realização do interrogatório por meio de transmissão de sons e imagens em tempo real.

O lamentável episódio recentemente ocorrido no Fórum de Bangu, quando meliantes fortemente armados tentaram resgatar dois presos, trouxe profundas reflexões acerca da segurança nos fóruns e da circulação de presos, impulsionando o Poder Judiciário, como um todo, a confe­rir maior brevidade à implementação de toda a infraestrutura necessária à realização do interrogatório por videoconferência, em resposta aos clamores de toda a sociedade.

Corolária disso foi a publicação no âmbito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro do Ato Executivo no 5.778/2013, que institui a Comissão Mista Interinstitucional para Estudo de Implementação de Sistema de Videoconferência e do Ato Executivo no 5.779/2013, que institui o Grupo Executivo para Instalação do Sistema de Videoconferência no âmbito desse Tribunal.

Não se pode olvidar que a adoção do interrogatório on-line contribui para a solução de diversas mazelas das quais a sociedade se encontra à mercê.

Cada preso requisitado e conduzido aos fóruns traduz-se em mais gastos públicos e deslocamento de força policial que poderia estar sendo diretamente empregada na segurança da população. Buscando apenas ilustrar a necessidade de uso desse sistema, vale mencionar que a videoconferência é deveras importante, principalmente no que tange ao deslocamento de presos de alta periculosidade para depoimentos, como foi o caso do traficante Luiz Fernando da Costa (o “Beira-Mar”) ao Rio de Janeiro, em uma operação que, além de ter contado com o apoio de expressivo contingente policial, gerou altíssima despesa ao governo federal.

A logística inicia ainda no estado em que se encontra o presídio federal de segurança máxima, quando o preso é deslocado sob forte escolta policial até o aeroporto, ingressando em um avião do Estado e seguindo para outro presídio, onde aguarda o dia da audiência, para, novamente, sob forte escolta policial, comparecer ao fórum para sua audiência, sendo certo que, após isso, ocorre todo o trajeto de retorno. Por vezes, essa operação leva dias e dias, com vultosa quantia empregada, além do risco envolvido no transporte de preso considerado de alta periculosidade.

Somada a tais fatores, a mobilidade nos grandes centros urbanos, como o Rio de Janeiro, atravessa perío­do cada vez mais conturbado, o que ocasiona, muitas vezes, a impossibilidade de apresentação do preso no dia e na hora marcados, frustrando as audiências e determinan­do o retardamento da marcha processual. Em suma, movi­menta-se toda a máquina pública sem garantia na obtenção de êxito.

Embora se possa demonstrar a existência de tantos outros argumentos favoráveis, observa-se ainda a resistência de vozes contrárias ao novo sistema de interrogatório.

Mesmo com o advento da Lei no 11.900, de 8 de janeiro de 2009, doutrinadores renomados insistem em afirmar que, por ser o interrogatório ato pessoal, a adoção do sistema de videoconferência implicaria afronta ao disposto no art. 185 do Código de Processo Penal: “O acusado que for preso, ou comparecer, espontaneamente ou em virtude de intimação, perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado”. A questão de fundo cinge-se à compreensão da expressão “comparecer perante a autoridade judiciária”.

Aduzem, também, que o novo método de interrogatório a distância violaria os princípios do Devido Processo Legal, da Ampla Defesa, do Contraditório, da Publicidade e do Juiz Natural.

Segundo Paulo Rangel (Direito Processual Penal. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 578):

Há grande violação do devido processo legal, que exige que a autodefesa se consubstancie nos direitos de audiência e de presença ou participação do réu no interrogatório. A possibilidade de entrevista reservada do preso por telefone é achincalhe ao direito de ampla defesa (autodefesa + defesa técnica).

O autor acresce que: “Inerente ao devido processo legal está a publicidade dos atos processais (arts. 5o, LX, c/c 93, IX), que só pode ser excetuada na forma dita na própria constituição: defesa da intimidade, interesse social e interesse público” (2013, p. 571). E continua: “A virtualidade da videoconferência não pode substituir o contato físico do réu com seu juiz natural”.

Provoca o autor ao sugerir a seguinte indagação:

Ou será que alguém irá dizer que as portas do presídio Bangu 1, no Rio de Janeiro, estarão abertas para qualquer estagiário ou popular que quiser assistir ao interrogatório do réu, através da sala especial da videoconferência?

Aponta que:

O legislador quer, através do processo penal, resolver os problemas de segurança pública que ele não consegue eliminar e cria conceitos vagos que são perigosos de serem usados. (…) são problemas que devem ser resolvidos na órbita do Direito Administrativo.

Doutrinadores asseveram, ainda, a infringência ao disposto no artigo 9o, item 3o, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Pacto de Nova York), e o artigo 7o, item 5o, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), os quais determinam que o réu deve ser conduzido à presença física do juiz.

Aury Lopes Jr. (Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. 5. ed. 2 tiragem. v. 1. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 639-640) afirmava que, “por mais esforço que se faça, existe um limite semântico que não permite uma interpretação tal que equipare ‘presença’ com ‘ausência’.”

Apresentava o autor uma série de questionamentos ao leitor (2010, p. 639-640):

E a garantia que o preso tem de entrevistar-se reservadamente com seu advogado, como fica? Se o advogado está junto com o juiz? Será on-line também? Pode-se confiar nos “canais telefônicos reservados” previstos na Lei no 11.900? Como ter tranquilidade para usar o direito de silêncio se o réu está com seus algozes, enquanto juiz, MP e advogado estão, e continuarão, a quilômetros de distância? Não tardará para que administradores passem a se vangloriar de que “preso desta casa fala sempre”, aqui sempre existe “colaboração com a Justiça” e coisas do gênero (…) Outro grave inconveniente é o excesso de confiança na tecnologia.

Em sua atual obra, Aury Lopes Jr. (Direito Processual Penal. 10. ed. 2 tiragem. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 649-652) ainda firma críticas aos chamados canais telefônicos “reservados” e acerca do local em que deverá situar o advogado do réu (se no presídio ou no fórum). Entretanto, a despeito de tais assertivas, admite a utilização excepcional do novo sistema de interrogatório.

É interessante apontar que o ilustre doutrinador Guilherme de Souza Nucci, até então contrário ao interrogatório por videoconferência (Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 426-429), alterou seu entendimento após a introdução da Lei no 11.900/2009, admitindo o sistema com suas reservas:

Advinda a Lei 11.900/2009, em termos específicos e proclamando a excepcionalidade da medida, revemos a nossa posição. Parece-nos que, não se tornando regra, pode-se admitir a realização do interrogatório por esse meio tecnologicamente avançado, quando sumamente necessário. (Manual de Processo Penal e Execução Penal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 426-428).

De acordo com os contrários, equiparar a condução da pessoa do acusado em juízo à condução da imagem do mesmo por fibras óticas é inadmissível.

Em que pesem os argumentos avessos à implementação de um sistema para interrogatório por videoconferência, chamo-lhes a uma profunda reflexão.

A legalidade do novo sistema de interrogatório encontra respaldo principalmente nos julgados da Suprema Corte e do Superior Tribunal de Justiça. À guisa de demonstração são os julgados extraídos do sítio do STF, AI 820070 AgR/SP, HC 100567/SP e HC 99609/SP, e do STJ, HC 194.576/SP, AgRg no HC 199.414/SP, HC 205.853/SP e HC 228.377/SP.

Em pleno século XXI, encampar a ideia de que o uso da videoconferência afronta direitos fundamentais do acusado é negar a própria evolução da humanidade, os implementos e as facilidades introduzidos pelos avanços tecnológicos do mundo moderno, e deturpar os objetivos do Poder Judiciário e do magistrado com a implementação dessa ferramenta.

A nova forma de interrogatório tem como desiderato colocar em contato duas ou mais pessoas separadas geograficamente por meio de um sistema de vídeo e áudio, tornando a comunicação entre elas rápida, fácil e dinâmica.

A alegação de que a expressão “comparecer” prevista na lei requer o comparecimento físico nos remonta a uma simples interpretação gramatical ou literal.

Sugere Vladimir Aras (Boletim Científico da Escola Superior do MPU. n. 15, p. 173/195. abr./jun. 2005) que:

Na sistemática do CPP, “comparecer” nem sempre significa necessariamente ir à presença física do juiz, ou estar no mesmo ambiente que esse. Comparece aos autos ou aos atos do processo quem se dá por ciente da intercorrência processual, ainda que por escrito, ou quem se faz presente por meio de procurador, até mesmo com a oferta de alegações escritas, a exemplo da defesa prévia e das alegações finais. Vide, a propósito, o art. 570 do CPP, que afasta a nulidade do ato, considerando-a sanada, quando o réu “comparecer” para alegar a falta de citação, intimação ou notificação. Evidentemente, aí não se trata de comparecimento físico diante do juiz, mas sim de comunicação processual, por petição endereçada ao magistrado. Se é assim, pode-se muito bem ler o “comparecer” do art. 185 do CPP, referente ao interrogatório, como um comparecimento virtual, mas direto, atual e real, perante o magistrado.

Se o sistema da videoconferência afronta o princípio do Juiz Natural para uns, e da Identidade Física do Juiz para outros, impedindo o contato físico direto do acusado com seu julgador, nada explica a realização de interrogatórios por meio de carta precatória fartamente admitidos pelo Supremo Tribunal Federal (RHC 103468/MS, HC 103425/AM, HC 107769/PR).

Questionar a confiabilidade dos canais telefônicos como argumento contrário à adoção do sistema de videoconferência apresenta-se como substrato raso. O sigilo das comunicações telefônicas é inviolável, sendo a interceptação dos canais telefônicos medida drástica e excepcional, tutelada por lei e de observância obrigatória por todos.

Não é crível que, em um mundo de maciços aparatos tecnológicos, seja ainda questionada a confiabilidade de canais telefônicos, instrumentos cada vez mais utilizados para estreitar distâncias. Se esse é o problema, basta a instalação de linhas telefônicas exclusivas, cuja fiscalização compita ao Poder Judiciário, que é o maior interessado na proteção das garantias constitucionais.

Não se trata de “excesso de confiança na tecnologia”, mas de adequação de todos os ramos sociais, inclusive do Direito, aos benefícios que os avanços podem proporcionar, sem se olvidar de se aprimorar os sistemas para atender ao ritmo acelerado que a vida atual requer.

A velocidade das relações cotidianas dita a atuação do Poder Judiciário, que cada vez mais é instado a prestar a jurisdição de forma célere, segura e eficaz.

Não é o fato de o acusado estar em sala reservada à videoconferência no presídio que o impede de relatar eventuais agressões ou pressões que venha estar sofrendo, eis que, além de ser-lhe reservada entrevista pessoal com seu defensor, o magistrado, pelas imagens das quais dispõe, tem fidedigna dimensão de todos os acontecimentos que circundam o preso ante suas expressões e aparência. Ade­mais, ao lado do acusado estará presente outro defensor, o que põe fim a qualquer alegação de vício no depoimento.

Não se pretende ignorar a importância do interrogatório. Reconhece-se que se trata de oportunidade de o juiz, no contato direto com o réu, formar seu juízo de convicção a respeito de sua personalidade, sua sinceridade, suas desculpas e sua confissão; observar as circunstâncias da conduta delituosa e analisar a psiquê do acusado e a sua formação moral, transferindo ao julgador as emoções do réu. A videoconferência não macula esse contato, já que o contato visual permanece e a tecnologia permite a captação, a amplificação e a aproximação de som e imagem.

As vozes contrárias parecem esquecer que a Constituição da República tem como princípio fundamental a Presunção de Inocência, e não está o Poder Judiciário, tampouco os magistrados, em uma busca obsessiva pela condenação.

A alegação de afronta ao princípio da Publicidade também não se mostra adequada. Com a moderna tecnologia implementada, há possibilidade de acesso simultâneo de várias pessoas via internet. Observa-se que, de qualquer lugar do mundo, qualquer pessoa poderá assistir às audiências, salvo na hipótese da decretação de sigilo, constitucionalmente concebida.

A nova sistemática revela a desburocratização dos atos, extirpando-se o incessante envio de ofícios, requisições, precatórias, evitando-se a frustração dos atos, os atrasos e as remarcações de audiências por impossibilidade de transporte e apresentação dos presos aos fóruns.

Não se corrobora a ideia de que princípios constitucionais sejam inobservados, sepultando-se garantias constitucionais.

Ao acusado deve-se oportunizar, ao máximo, no interrogatório, a apresentação de sua defesa de forma ampla, sendo-lhe, porém, assegurado o direito ao silêncio sem que isso caracterize prova contrária a seus interesses.

O sistema on-line não afeta a qualidade da prova: basta que sejam assegurados, em tempo real, o som e a imagem nos ambientes em que se encontram o juiz e o interrogando, cabendo à defesa irresignar-se contra qualquer prejuízo efetivo ao direito de defesa do acusado, sem contar com a maciça fiscalização da sala reservada à audiência pelos corregedores e pelo juiz de cada causa, como também pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, incluindo a Ordem dos Advogados do Brasil, nos termos do § 6o do art. 185 do Código de Processo Penal.

Asseguram-se ao interrogando o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor, e o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do fórum, e entre este e o preso, nos termos do  §5o do art. 185 do Código de Processo Penal. Salientando-se que, tanto a sala onde o acusado encontra-se para ser ouvido quanto a sala em que se situar o magistrado contarão com a presença de advogado/defensor do acusado.

Evidentemente as inovações deverão observar os rigores da lei. Não se pretende tornar o interrogatório por videoconferência uma regra, mas uma exceção aplicável às estritas hipóteses descritas no § 2o do art. 185 do Código de Processo Penal:

Prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento; viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal; impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código e quando responder à gravíssima questão de ordem pública.

É utópico e leviano acreditar que os deslocamentos de presos aos fóruns não são um convite à fuga e à articulação de resgates. As ressalvas estabelecidas pela legislação são bem claras e possuem destinatários certos: criminosos audaciosos.

O Direito Positivado não pode ser um obstáculo às inovações. O interrogatório por videoconferência se coaduna com o desenvolvimento tecnológico, concretiza a razoável duração do processo e aperfeiçoa a Justiça, conferindo-lhe maiores presteza e celeridade.

Não se concebe mais uma sociedade paralisada no tempo e no espaço, ainda mais quando as relações sociais atingiram grau de velocidade e dinamismo que saltam aos olhos.

O Poder Judiciário não pode ficar alheio aos novos rumos que alcançam a civilização, apegado a um formalismo exacerbado e desmotivado, atravancando as relações. A videoconferência é recurso imprescindível e irreversível para o aperfeiçoamento do processo penal e demonstra-se medida eficaz e segura, compatibilizando-se plenamente com o progresso e o anseio social.