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Violência, emoção e razão

30 de abril de 2007

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Quando o país vivencia um clima de intensa emoção na esteira de atos de extrema violência, como o que vitimou o pequeno João Hélio, no Rio de Janeiro, emerge a questão do endurecimento da lei penal para o menor infrator. A diminuição da maioridade penal surge como panacéia para a questão da criminalidade envolvendo menores. Trata-se de um olhar enviesado, eis que o combate ao crime cometido por jovens com idade abaixo dos 18 anos deve se integrar a uma política abrangente de segurança, envolvendo eixos que não apenas o aumento da pena ou a diminuição da idade.

Urge considerar, em primeiro lugar, que o Brasil assiste a um ciclo desvairado de violência urbana, que começa a desvirtuar a função das cidades e a drenar volumosos recursos da adminis-tração pública, sem se alcançar resultados eficazes. A insegurança
social e o pânico se expandem sob a triste constatação de que o Estado está perdendo a guerra para os grupos criminosos.

Sob essa moldura, não há porque deixar de reconhecer que as causas da expansão da violência se devem, em primeiro lugar, ao acervo de carências da população de baixa renda, cuja assistência, apesar de programas de distribuição de bolsas, é extremamente precária. As conseqüências se fazem sentir na expansão das gangues e das hordas da criminalidade nas periferias.

A par das necessidades dos contingentes carentes, convivemos com um aparelho policial eivado de deficiências. As estruturas são defasadas. Há falta de equipamentos, e os quadros são desmotivados por conta dos salários. O sistema prisional é caótico. Há cerca de 80 mil encarcerados em delegacias de polícia que deveriam estar em presídios. O deficit no sistema prisional aponta para cerca de 100 mil vagas. A defasagem entre gastos de Estados e municípios e gastos da União é enorme. Enquanto os primeiros investem algo como R$ 25 bilhões no combate à violência, a União não chega nem aos R$ 3 bilhões.

Não por acaso, o desenvolvimento da inteligência para o combate ao crime é mínimo, fato que se deve, ainda, à tênue integração entre as Polícias, razão pela qual apontam-se como prioridades a formação de bancos de dados criminais e sociais, a implantação de sistemas de geogerenciamento e de sistemas de análises de dados para identificar perfis criminosos, padrões e tendências de cada área.

No que diz respeito à legislação, nossa posição é a de equilíbrio, ou seja, nem a favor de um direito penal máximo, próprio dos regimes autoritários – voltados para equacionar a questão social com leis duras na área da criminalidade – nem a favor de um sistema penal mínimo, incapaz de distinguir criminosos de pequenas infrações de grandes criminosos.

Algumas mudanças são perfeitamente admissíveis. Por exemplo, um criminoso condenado a 30 anos de reclusão poder desfrutar da liberdade – condicional – por bom comportamento, depois de cumprir apenas um sexto da pena, no caso, 5 anos? Ou seja, 1/6 da pena – ou 16,6% dela – seria suficiente para saldar um crime que merece seis vezes mais anos de prisão? Eis uma questão digna de
ampla discussão. No caso da maioridade penal, a internação de 3 anos é curta? Temos dúvidas. Não está demonstrado se o alargamento da pena incentivará o adolescente infrator a diminuir o ímpeto criminoso.

No entanto, podemos aduzir que a eficácia de intimidação deriva mais da certeza do cumprimento da lei do que seu rigor. Nesse sentido, cremos que se deva promover mudanças na legislação penal com a finalidade de se combater de maneira mais abrangente a criminalidade. Que adianta, por exemplo, ampliar o prazo máximo de prisão ou o prazo para progressão de regime se o julgamento pela prática do delito demora 8, 9, 10 anos para ser concluído? Por isso, um dos caminhos mais indicados aponta para a supressão dos gargalos e para a redução do tempo de tramitação dos processos com a finalidade de se criar um clima de segurança e certeza na aplicação das leis penais.

Chegou a hora de considerarmos todos os aspectos da questão da violência social. Entretanto, é indispensável que não se privilegie a emoção em detrimento de razão.