Violência contra jornalistas

19 de maio de 2014

Compartilhe:

em-foco-165Em meio ao aumento do número de agressões a profissionais, evento promovido pelo STF e pela ONU ressalta os desafios do Poder Judiciário para assegurar a liberdade de expressão e de imprensa no Brasil

O Brasil amargou a segunda posição no ranking mundial dos jornalistas assassinados em razão da profissão, foi o que revelou uma pesquisa da organização internacional de defesa da liberdade de imprensa Press Emblem Campaing (PEC), divulgada em meio às comemorações do Dia do Jornalista, dia 7 de abril. Infelizmente, esse não foi o único estudo publicado na data a reafirmar o aumento de agressões contra os profissionais da imprensa. O fato chamou a atenção e acabou sendo um dos pontos nevrais do seminário “A Liberdade de Expressão e o Poder Judiciário”, promovido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em parceria com as Relatorias Especiais de Liberdade de Expressão das Nações Unidas (ONU), a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), na sede do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), nos últimos dias 7 e 8 de abril.

O ministro Joaquim Barbosa, presidente do STF e do CNJ, participou da abertura do seminário e em seu pronunciamento, ao ser questionado sobre os ataques cada vez mais frequente a jornalistas, se solidarizou com os profissionais que participavam do evento ao afirmar que “no Brasil, o número (de agressões) é expressivo”.

Dados apresentados por representantes do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), órgão ligado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, reforçam a constatação do ministro. Segundo um levantamento feito pelo órgão, o número de agressões contra profissionais da imprensa cresceu 232% em 2013.

Manifestações
De acordo com o relatório produzido pelo Conselho, os casos de violência saltaram de 41 em 2012 para 136 no ano passado. A maior parte deles ocorreu nas manifestações populares que tomaram contas das ruas a partir de junho de 2013. Uma contagem feita pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) também confirmou o aumento da violência com o início dos protestos. De 10 de maio do ano passado até o fechamento desta edição, a entidade registrava agressões a 169 jornalistas. A maioria ocorreu durante as coberturas das manifestações e partiu de autoridades policiais.

Com relação ao número de jornalistas assassinados, a pesquisa citada no início da reportagem mostrou que o Brasil vem logo depois do Iraque, que ocupa o primeiro lugar no ranking. Segundo o estudo, dos 27 profissionais executados nos três primeiros meses deste ano no mundo todo, quatro eram brasileiros. Os iraquianos somavam cinco. Segundo constatou o relatório da organização internacional PEC, o número de mortes no Brasil foi superior ao verificado na Síria, país que se encontra em guerra civil e registrou o assassinato de dois jornalistas no trimestre; e o Afeganistão, que contabilizou três mortes no período.

O Brasil tem sido apontado por entidades ligadas à defesa da liberdade de expressão como um dos países mais perigosos do mundo para exercer o jornalismo. Também em 2013, o País foi considerado o mais fatal para a profissão em todo o continente, com um total de cinco assassinatos, segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras.

No seminário sobre a liberdade de expressão realizado no TJRJ, o presidente do STF e do CNJ analisou o contexto das agressões contra os jornalistas no Brasil. Segundo Joaquim Barbosa, antes dos protestos que ganharam as ruas, a grande maioria dos casos se dava nos rincões do País “nas periferias e nas áreas onde os apóstolos dessa violência contra os comunicadores vivem com conforto”.

O aumento da violência contra jornalistas também tem preocupado os organismos internacionais. Catalina Botero, relatora especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ressaltou na abertura do seminário, que a liberdade é imprescindível aos países democráticos. “Não temos direitos políticos quando não temos liberdade de expressão”, destacou.

Frank la Rue, relator especial das Nações Unidas para a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e de expressão, explicou que esse direito se caracteriza pela garantia que a sociedade tem de obter e disseminar informações. Ele lembrou que essa liberdade sempre é a primeira a ser atacada pelos governos autoritários. “Creio que uma Justiça forte e a liberdade de se expressar são fundamentais a uma democracia. Devemos defender a participação, assim também como são as limitações legítimas desse direito, para que não sejam convertidas em censura”, destacou.

Guilherme Canela, assessor regional da UNESCO para Comunicação e Informação no Mercosul e Chile, frisou que a liberdade de expressão não é somente um direito de jornalistas. “É central para a governança das instituições públicas. E em relação a esse tema, há velhos e novos desafios sobre a mesa e sobre os quais o Poder Judiciário pode desempenhar um papel fundamental”, afirmou.

Punição
Em mensagem pronunciada no ano passado, em saudação ao Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, comemorado em 3 de maio, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e a diretora-geral da Unesco, Irina Bokova, alertaram que 90% dos casos de violência contra jornalistas ficam sem punição.

No que se refere ao Brasil, o presidente do STF e do CNJ afirmou que o Poder Judiciário precisa intensificar a atuação nesses casos. “Lamentavelmente, o Brasil tem testemunhado atos de violência contra comunicadores e jornalistas. Isso deve ser combatido de forma prioritária”, frisou.

Garantir a punição nos casos de agressões ou mesmo de assassinatos de jornalistas constitui-se um importante lado da atuação cobrada por Joaquim Barbosa dos tribunais no campo da liberdade de expressão, mas não é o único. O ministro destacou a necessidade do Judiciário dar maior atenção a essa temática.

O ministro lembrou que a liberdade de expressão é um direito de primeira geração, que se encontra presente em mais de 90% das Constituições do mundo. “Trata-se de um direito fundamental para a construção de uma sociedade democrática. É o melhor antídoto para desmandos e para que a sociedade forme sua própria opinião”, ressaltou.

Um dos problemas do Judiciário brasileiro para efetivar esse direito, porém, está na falta de preparo. A presidente do TJRJ, desembargadora Leila Mariano, lembrou que nem todos os magistrados viram, na faculdade de Direito, disciplinas específicas sobre liberdade de expressão e de imprensa. “O Poder Judiciário do Rio tem tradição na análise de questões ligadas à liberdade de expressão. Nossa jurisprudência se alarga dia a dia. Também no dia a dia, buscamos complementar a formação dos magistrados. Muitos sequer tiveram contato com essas matérias nos bancos das faculdades”.

Joaquim Barbosa confirmou essa realidade. Segundo afirmou, ele mesmo só veio a estudar esses temas com mais profundidade na pós-graduação. “Eu tive a felicidade de vê-los, mas somente na pós-graduação. Por aí, verificamos a gravidade: o magistrado sequer é educado para apreciar essas questões”, lamentou.

Na avaliação do ministro, esse quadro vem mudando substancialmente nos últimos anos com a atualização da grade curricular dos cursos de Direito por muitas universidades. No entanto, a falta de leis específicas para regular os diversos aspectos que abrangem o direito à liberdade de expressão e de imprensa acabam por colaborar com um certo caos nesse campo. A principal norma sobre a comunicação no Brasil continua a ser o Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962. Na época em que a legislação foi editada, o País não contava com telefonia fixa nem internet tão disseminadas entre a população.

Joaquim Barbosa defendeu um marco legal para a imprensa brasileira. “Na vida social, temos necessidade de estabelecer balizas. E isso é importante porque ajuda o magistrado que está para resolver os conflitos. Sem um marco legal, o juiz, na maior parte das situações, não vai saber o que fazer”, destacou. O Ministro citou como exemplo uma série de questões contraditórias que podem chegar ao Poder Judiciário. Uma delas diz respeito à prevalência do direito à liberdade de expressão e à informação. Ele reforçou que nenhum dos dois são absolutos. Portanto, embora estejam assegurados na Constituição, estes não podem se sobrepor a outros direitos também constitucionais, como os direitos à intimidade e à vida privada.

À discussão acerca da prevalência dos direitos, o Ministro somou outras que também podem gerar polêmicas nos tribunais. Ele citou como exemplo o “boom do jornalismo via internet”, ressaltando que “ao mesmo tempo em que fortalece o pluralismo de opiniões, a internet pode permitir também a circulação de informações produzidas com baixa qualidade e precariedade”. O marco legal da rede ainda se encontra em apreciação no Congresso Nacional.

Segundo o Ministro, a falta de normas específicas é um desafio para o Judiciário. “O grande desafio do Poder Judiciário residirá nas circunstâncias em que determinadas decisões podem ou não ser aplicadas. É grande a contribuição de eventos como esses. É por meio da análise e de diálogos sobre a liberdade de expressão e a atividade de jornalismo no Brasil que poderemos refletir sobre a liberdade de imprensa”, disse. E destacou: “Falta de norma só serve ao mais forte, a quem detém o poder e a quem tem dinheiro. Não estou defendendo a censura, mas a vida social é feita de constantes choques e embates de direitos de pessoas e grupos. Sem balizamento, seja do Estado ou mesmo dos próprios integrantes de um determinado sistema produtivo, aquele que tem a competência para resolver os conflitos que surgirem entre essas pessoas ou grupos, tem dificuldade para fazê-lo. Daí a necessidade de sempre termos um mínimo de balizamento. Não pode haver um vazio, pois isso vai favorecer justamente o mais forte”, acrescentou.

Democratização
Sobre os desafios para a imprensa brasileira, e para o Poder Judiciário no caso de ser chamado a intervir a fim de garanti-los, Joaquim Barbosa destacou a democratização dos meios de comunicação. “Falta diversidade que expresse todo o espectro complexo da sociedade brasileira, em especial na diversidade racial, que não se encontra espelhada no panorama audiovisual brasileiro. Há também ausência de minorias em liderança e controle da maior parte dos meios de comunicação desse País”, alertou.

O seminário abordou diferentes aspectos da liberdade de expressão ao promover um debate acerca de temas tais como a violência contra jornalistas e a obrigação do Estado de proteger e investigar os crimes cometidos, o acesso à informação e internet e o Poder Judiciário, assim como o Direito Penal e liberdade de expressão. O evento, que contou com a moderação de jornalistas de veículos nacionais, se propôs a reforçar a importância da liberdade de expressão para a construção de uma democracia plena e a realçar o papel da Justiça para a preservação e o fortalecimento desta liberdade.