A causa da contribuição compulsória

5 de agosto de 2003

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Toda sociedade que se desenvolveu deu especial atenção a formação de seu povo. Os economistas chamam isso de investimento em capital humano e são unânimes em afirmar que, nos dias de hoje, a capacidade, o talento e a habilidade das pessoas são muito mais importantes do que as máquinas. Não existe um só exemplo de país que tenha se desenvolvido com recursos humanos pobres. Há muitos casos de países que são pobres em recursos naturais e que superaram essa desvantagem com a alta qualidade dos seus recursos humanos.

Quando se fala em recursos humanos, fala-se não apenas em educação formal, mas também em capacitação profissional, saúde, cultura, esporte, uso de lógica, bom senso, relacionamento cordial e respeito ao próximo.

Investir em recursos humanos e responsabilidade do governo, das famílias, das empresas, das organizações comunitárias, das associações, dos clubes, das igrejas – de todos os que acreditam na força da preparação da mente como elemento decisivo para o progresso social.

No Brasil, a responsabilidade de preparar a mão-de-obra para o trabalho e compartilhada por todas essas organizações. Por força de lei as empresas são obrigadas a investir recursos próprios na formação profissional dos jovens, assim como na sua saúde, cultura, esporte e lazer. Na indústria, as empresas recolhem 1 % da folha de pagamento para o Senai e 1,5% para o Sesi, que, em conjunto, desenvolvem todas aquelas atividades, com alto padrão de qualidade provado por repetidas avaliações científicas.

Muitos avaliam que essa obrigatoriedade é esdrúxula e peculiar ao Brasil e deveria ser abandonada. Nada disso. A razão da compulsoriedade está no fato de que essas atividades são ”bens públicos”. Isso significa que a sociedade como um todo se beneficia dos investimentos feitos na preparação das pessoas para o exercício da profissão e da cidadania.

Revogada a compulsoriedade, o empresário observaria a conduta dos empresários vizinhos. Se todos investissem no capital humano, ele também investiria. Do contrario, optaria por não fazê-lo: ninguém gosta de preparar um trabalhador para o seu concorrente contratar. Com a compulsoriedade, todos passam a ser obrigados a investir. E assim que se garante os bens públicos.

A pratica não é invenção brasileira. O processo ocorre nas melhores democracias do mundo. Na França, por exemplo, as empresas com mais de 10 empregados são obrigadas a treinar seus empregados. Se não o fizerem, tem de recolher ate 1,5% da folha de pagamento para as escolas profissionais do governo. Na Itália, as empresas recolhem 0,3% da folha para formação profissional. Na Bélgica, 0,25%. Na Holanda varia de 0,2% a 0,8%, dependendo do tamanho e ramo da empresa. Na Espanha, as empresas contribuem com 0,6% da folha de salários e os empregados com 0,4%. Na Alemanha e 2% para cada lado. E na Dinamarca, 0,19% das empresas e 8% dos empregados (Winfried Heidermann, European Trade Union Institute, Berlim, 1996).

Em todos esses países, há recursos complementares (públicos e privados) que são injetados nos sistemas de formação profissional. Em muitos casos (Áustria, Suécia, Finlândia e outros), o aporte das empresas se faz como um adicional da contribuição ao seguro-desemprego, pois, como se sabe, emprego depende de crescimento econômico e de mão-de-obra qualificada.

A contribuição compulsória é uma necessidade para a sustentação de bens públicos, como é o caso da boa qualidade da força de trabalho. Longe de ser um custo, constitui o mais precioso de todos os investimentos que se pode fazer.

É irônico. Nesta sociedade tão tecnificada e que se guia par urna concorrência crescente, o sucesso das empresas e a multiplicação de empregos depende muito mais de gente do que de máquinas. Para as empresas conseguirem o máximo de eficiência das máquinas e fundamental a participação do trabalhador preparado. E, para o empregado, a preparação abre espaço não só no mercado de trabalho mas eleva a sua capacidade de entender o mundo, exercer a cidadania e contribuir para o aperfeiçoamento da democracia. Essa é a razão de garantir os investimentos em bens públicos – no caso, o capital humano da sociedade moderna.