Edição 155
A judicialização da saúde no Brasil
1 de agosto de 2013
Felipe Dutra Asensi Professor da FGV Direito Rio
A progressiva constitucionalização que os direitos sociais passaram na década de 1980 no Brasil, associada aos desafios de implementação efetiva por parte do Estado, fez com que tais direitos fossem cada vez mais submetidos ao crivo das instituições jurídicas para a sua efetivação. A judicialização do direito à saúde, mais especificamente, tem versado sobre diversos serviços públicos, tais como o fornecimento de medicamentos, a disponibilização de exames e a cobertura de tratamentos para doenças.
No Brasil, foi constituído um modo de sociabilidade em que a centralidade do Estado influenciou decisivamente a forma através da qual os atores sociais concebem o seu direito e o reivindicam. Esta centralidade do Estado no Brasil foi fundamental para a constituição de uma cultura política de reivindicação da saúde pelas vias formais estatais, recebendo cada vez mais destaque o Judiciário.
O cenário da efetivação do direito à saúde, nos dias de hoje, passa não somente por uma relação estanque e episódica entre a sociedade, que figura como demandante, e o Estado, que é o responsável pela política (Executivo) ou por resolver conflitos (Judiciário). De fato, as instituições jurídicas têm cada vez mais se debruçado sobre as questões de saúde, e isto pode ser pensado como uma “faca de dois gumes” para o Sistema Único de Saúde. Por um lado, as instituições jurídicas podem potencializar e qualificar as deliberações nos espaços de participação – inclusive participando deles – e contribuírem para a intensificação das estratégias de efetivação do direito à saúde. De outro, tais instituições podem contribuir para o “apequenamento” ou “sufocamento” dos mecanismos participativos ou podem promover um relativo “abalo” na gestão continuada do SUS.
Basicamente, observa-se no Judiciário brasileiro um boom de processos judiciais para a efetivação da saúde. Um exemplo paradigmático de julgado foi a decisão da Suspensão de Tutela Antecipada no 175, no Supremo Tribunal Federal, cujo relator foi o Min. Gilmar Mendes. Este julgado, dentre tantos outros, revela que a intervenção judicial na saúde pode produzir resultados significativos no processo de efetivação deste direito. Porém, apesar de ter o potencial significativo de efetivar o SUS, o Judiciário possui desafios internos para lidar com as demandas de saúde, tais como: a) a predominância de ações judiciais de feição individual nos diversos tribunais brasileiros, inclusive na seara da saúde; b) a incipiente utilização de mecanismos extrajudiciais – a exemplo da arbitragem, auto-composição, etc -, exceto quando desenvolvidos pelas demais instituições jurídicas; c) a colonização por um perfil de classe média e classe média alta na judicialização, especialmente em municípios em que a Defensoria Pública não se encontra bem estruturada; d) a reprodução de uma visão medicalizada da saúde também pode ocorrer, principalmente com a sobrevalorização do saber médico e farmacêutico no processo decisório judicial; e) se comparado aos Conselhos e Conferências, o Judiciário pode ser visto pelos cidadãos como uma estratégia mais rápida, menos custosa e que requer menos esforços físicos e psicológicos em matéria de saúde; f) a decisão judicial pode produzir um impacto financeiro e orçamentário significativo, especialmente para pequenos municípios; g) a predominância da dimensão curativa na judicialização, que versa sobre a concessão de medicamentos, deferimento de exames, etc, em detrimento da dimensão preventiva.
Na medida em que o Judiciário se fortalece no Brasil e assume o protagonismo na efetivação do direito à saúde, estaria
este Poder necessariamente efetivando o SUS? Talvez sim, talvez não. O protagonismo das instituições jurídicas – e, em especial, do Judiciário – não esteve isento de contradições no Brasil, mas isso é um processo compreensível. O que se observa, na verdade, é uma “faca de dois gumes” na relação entre Estado, sociedade e instituições jurídicas no processo de efetivação do direito à saúde e de consolidação do SUS. Uma questão é certa: apesar dos desafios, é melhor com ele do que sem ele!