A Liberdade de Imprensa e a CPI do Cachoeira

30 de junho de 2012

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“Não concordo com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte o vosso direito de dizê-lo.” François Marie Arouet ‘Voltaire’
(Paris, 1694 – 1778)

As discussões que estão ocorrendo nas sessões da CPI do Cachoeira, na Câmara dos Depu­tados, sobre possíveis conversas do jornalista Policarpo Júnior para colhimento de fatos em dois telefonemas com o denunciado, cujo teor foi publicado na revista Veja, deram margem a que um recalcado Senador – agindo sob o impulso da mola da vingança duas décadas após a renúncia desonrosa – pretendesse ferir a imprensa por ter revelado à sociedade a podridão que patrocinava, tentando incriminar o jornalista como parte da quadrilha do bandido acusado, o que provocou imediata reação do deputado Miro Teixeira (também jornalista), que refutou com veemência a acusação.

Inconformados com o próximo julgamento do Men­salão, os denunciados pelo Procurador-Geral da República tentam envolver a imprensa, distorcendo os fatos com alegações infundadas – desmentidas pelos áudios das investigações policiais, cujo teor encontra-se na internet –, atestando que o jornalista não intermediou favores com Cachoeira e demonstrando cabalmente que a relação entre os dois era, exclusivamente, de jornalista e fonte, como, aliás, ficou registrado pelo delegado da Polícia Federal que conduziu a investigação.

As tentativas que se fazem contra a liberdade de imprensa, de pensamento e de expressão, de calar jornalistas e impedir investigações com o fito de buscar e difundir fatos e notícias, vêm sendo combatida há muito tempo, como declarado em notável pronunciamento pelo inolvidável jurista Nelson Hungria: “Depois que a renovada Declaração dos Direitos do Homem, no ano da graça de 1948, proclamou que, ao invés da liberdade de imprensa, se deve falar em liberdade de informação, de muito maior amplitude, todo indivíduo tem o direito à liberdade de pensamento e expressão – o que implica o direito de não ser inquietado por suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem considerações de fronteira, e seja qual for o meio, as informações e as ideias”.

Na edição especial e comemorativa do centenário, o Jornal da ABI, em magnífico e convincente editorial “Nossa vocação: a Liberdade”, traçou um paralelo entre a defesa da liberdade de imprensa e a preservação
do Estado Democrático de Direito, mantido durante toda a existência da ABI, enfrentando e afrontando os percalços contra a violência dos opressores e tiranos, na luta contínua travada pelos defensores da integral e inarredável liberdade de opinião e da imprensa.

À reação de Deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), desmistificando perante a CPI do Cachoeira as acusações contra o trabalho profissional investigativo do jornalista Policarpo Junior, juntaram-se os idênticos posicionamentos do ex-Procurador da República, senador Pedro Taques (PDT-MT), do deputado Silvio Costa (PTB-PE) e da senadora Kátia Abreu (PSD-TO), rebatendo a proposta do Senador Fernando Collor, que pretendia incriminar o jornalista, carimbando a sua atuação como uma relação promíscua da revista com Cachoeira, mentindo perante a Comissão ao afirmar a existência de duzentos telefonemas entre o jornalista e o bandido, quando, na realidade, segundo declaração do delegado da Polícia Federal, foram apenas dois telefonemas, não havendo nas conversas nenhum comprometimento do jornalista.

Oportunas, quanto ao papel da liberdade da imprensa e do jornalista na captação investigatória de notícias, foram as declarações prestadas perante a CPI do Cachoeira pela senadora Kátia Abreu: 

“O jornalista é, nos termos da Constituição, soberano em relação às fontes que elege. Está lá, no inciso XIV, artigo 5o: ‘É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional’. Sem esse sigilo, não há liberdade de imprensa, nem democracia. Simples assim. Sem imprensa livre, o Congresso Nacional deixa de ter sentido. Transforma-se num teatro de marionetes, de ínfima categoria. Não vale nada. Já vimos esse filme: a democracia morre no fim. Não importa quem seja o jornalista ou o órgão para o qual trabalha. O grave está em tentar constrangê-lo pelo crime de ter exercido seu ofício nos termos da lei. A simples suposição de que aí possa estar um delito, estabelece um dano institucional de extrema gravidade. Um dano contra a democracia. Quando se constrange a liberdade de imprensa, não é apenas o jornalismo que perde, é a sociedade em seu conjunto – é o próprio princípio civilizatório. Alguns membros da CPI – e é preciso que se diga que são só alguns – questionam a legitimidade da fonte eleita pelo repórter investigativo Policarpo Junior. Querem criar o princípio da tutela moral da fonte, algo inédito desde Adão. Não vejo legitimidade em nenhuma instituição da República – Congresso, Judiciário ou Executivo – exercer essa tutela. O jornalista não trabalha para o Estado. No exercício de seu ofício, Ruy Barbosa o definiu como ‘os olhos e os ouvidos da sociedade’. E o jornalista investigativo é mais um detetive da sociedade, pois se dedica, sem salvaguarda, a esclarecer questões de interesse público, ocultas por inconfessáveis interesses privados. O jornalista vai onde está a informação. Muitas vezes no inferno. Não há problemas em conversar com o demônio; o problema está em saber o que se fará com a informação. No caso específico, Policarpo Junior publicou o que obteve. Não prestou serviços, nem deu contrapartida ao informante – que, inclusive, em uma das gravações da Polícia Federal, queixa-se disso a um cúmplice. Volto então a perguntar: que crime cometeu? Se não injuriou, caluniou ou difamou, nem fez do que apurou instrumento de chantagem ou extorsão, a tentativa de convocá-lo não passa de um expediente oblíquo de intimidação, dos que sonham em promover o ‘controle social da mídia’, eufemismo de uma velha e conhecida senhora: a censura.”

O veemente pronunciamento da aguerrida defensora da liberdade de imprensa, da liberdade de informação, da liberdade de pensamento e expressão, senadora Kátia Abreu – coadjuvada pelos discursos dos deputados Miro Teixeira e Silvio Costa e do senador Pedro Taques –, jogou por terra a clara intenção de tumultuar os trabalhos da CPI do Cachoeira, desmoralizando a revista Veja e a mídia pela divulgação ostensiva dos corruptos intentos praticados pelos bandidos que usufruíram e se beneficiaram de rios de dinheiros escusos, com o propósito de desmerecer e protelar o julgamento do Mensalão no Supremo Tribunal Federal.

As tentativas que constantemente se fazem de desmoralizar a imprensa, face as denúncias de crimes de improbidade administrativa e corrupção praticados contra a sociedade, vêm à lume graças às garantias do Estado Democrático de Direito que vivenciamos, garantindo a liberdade prevista na Constituição Federal, reforçada e reiterada constantemente pela presidenta Dilma Roussef, em explícitas declarações, com o firme propósito de garanti-las, como proclamou na oração de posse na presidência da República: “Reafirmo meu propósito inegociável com a garantia plena das liberdades individuais, da liberdade de culto e da religião, da liberdade de imprensa e de opinião. Reafirmo que prefiro o barulho da imprensa ao silêncio das ditaduras.”