Entidades divergem sobre pena abaixo do mínimo legal em audiência pública no STJ

18 de maio de 2023

Compartilhe:

Schietti convocou audiência pública para possível revisão da Súmula 231. Foto: Reprodução

O Superior Tribunal de Justiça promoveu, nesta quarta-feira (17/5), uma audiência pública para discutir a possível revisão da sua Súmula 231, segundo a qual circunstâncias atenuantes não justificam a redução da pena abaixo do mínimo legal.

Em 44 exposições, representantes de instituições públicas e de entidades dedicadas à defesa de acusados em processos criminais se manifestaram sobre o tema aos integrantes da 3ª Seção. Alguns defenderam a manutenção da súmula, enquanto outras pediram sua revogação.

A audiência foi convocada pelo ministro Rogerio Schietti Cruz, com o objetivo de auxiliar a 3ª Seção no debate sobre a possibilidade de fixação da pena abaixo do mínimo previsto em lei.

Ao propor que o julgamento dos casos fosse afetado à 3ª Seção, o magistrado destacou o argumento de possível violação do princípio da legalidade, já que o artigo 65 do Código Penal traz uma lista de “circunstâncias que sempre atenuam a pena”. Um dos recursos também apontou que a súmula seria contrária ao princípio da individualização da pena.

 

Defensores da súmula
O subprocurador-geral José Adônis, representante da Procuradoria-Geral da República, ressaltou que a súmula está de acordo com a tese de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal no Tema 158: “Circunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”.

Ele também defendeu que a Súmula 231 não viola o princípio da individualização da pena. “A fixação da pena dentro dos limites mínimo e máximo previstos para o tipo penal, após o reconhecimento de circunstâncias agravantes e atenuantes, é uma questão de observância do princípio da legalidade. A individualização judicial da pena realiza-se dentro dos limites decorrentes de critérios legais”, afirmou.

Na mesma linha, o presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Manoel Victor Sereni, indicou que a súmula traz segurança jurídica e um piso de garantia ao acusado e à sociedade.

Assim, a sua revogação resultaria em um subjetivismo exacerbado e acabaria com balizas mínimas para criticar ou censurar a dosimetria da pena. “Ao não se respeitar a questão do piso da pena mínima, nós teríamos critérios, cada vez mais, sem nenhuma base. Nós nos perguntaríamos até quanto poderíamos baixar a pena, ou se poderíamos zerar a pena ou chegar ao ponto de que a prescrição sempre ocorreria”, comentou.

O procurador André Estevão Ubaldino, do Ministério Público de Minas Gerais, falou em nome do MP de vários estados. Segundo ele, a legislação brasileira já prevê, em alguns casos, a possibilidade de imposição de penas abaixo do mínimo legal. Um exemplo é o Código Eleitoral, que prevê pena máxima, mas não mínima.

Além disso, existem mecanismos como a transação penal, a colaboração premiada, a suspensão condicional do processo, a atenuante inominada e a possibilidade de o juiz substituir uma pena de reclusão por uma pena de detenção ou de multa.

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) também se posicionaram contra a revogação da súmula. Para o juiz Paulo Rogerio Santos Giordano, representante da AMB, se a intenção da lei fosse que os limites pudessem ser ultrapassados, haveria algum direcionamento aritmético ao julgador.

“Estabelecer que o juiz pode fixar a pena abaixo do mínimo legal em consideração à existência de atenuantes, quando a lei não disciplina qualquer parâmetro, não somente constitui incentivo ao ativismo judicial como ainda tem o condão de romper a harmonia do funcionamento do sistema de justiça criminal, ao dar azo a penas absolutamente díspares entre si país afora”, disse.

Críticos da súmula
Em nome da Defensoria Pública da União, o subdefensor público-geral federal Jair Soares Júnior lembrou da Súmula 545 do STJ, segundo a qual a o réu tem direito à diminuição da pena pela confissão. De acordo com ele, a Súmula 231 é incompatível com a 545 e a jurisprudência que lhe deu origem já está superada por reformas legais.

Ulisses Rabaneda dos Santos, conselheiro federal e procurador-geral da OAB, também considerou que os precedentes nos quais a Súmula 231 se baseou estão defesados, diante de diversas mudanças jurídicas e sociais ocorridas nos últimos anos..

“Antes da alteração de 1984, a aplicação da pena respeitava o critério bifásico, em que as circunstâncias atenuantes e agravantes eram valoradas junto com a pena-base, de modo que, em razão disso, ela não era fixada abaixo do mínimo legal. Contudo, com a reforma penal de 1984, adotou-se o método trifásico: fixa-se primeiramente a pena-base, e consideram-se na sequência circunstâncias atenuantes e agravantes, incorporando-se ao cálculo, finalmente, as causas de aumento e diminuição da pena”, explicou.

Na visão de Aury Lopes Júnior, representante da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), seria praticamente impossível a aplicação de tantas atenunantes a ponto de se atingir uma “pena zero”. Segundo ele, os argumentos a favor da Súmula 231 seriam um “terrorismo penal punitivo”.

O advogado também defendeu a imposição de limites a possíveis espaços de discricionariedade judicial. “A lei é garantia de limite de poder. Não podemos alargar o espaço punitivo sem lei clara e indiscutível no seu conteúdo”, finalizou.

Por fim, a coordenadora de política criminal da Associação Nacional das Defensoras e dos Defensores Públicos (Anadep), Lúcia Helena Silva Barros de Oliveira, disse que a Súmula 231 repercute principalmente na liberdade da população negra e dos menos favorecidos. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

Clique aqui para assistir à audiência

Publicação original: ConJur