A contribuição do TJRJ para a retomada econômica
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) bateu o martelo e decidiu levar a bem sucedida experiência da especialização de suas varas empresariais ao segundo grau da jurisdição. A decisão segue recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no sentido de dar efetividade à atuação judiciária nos processos de recuperação judicial e de falências.
Para discutir os desafios que a criação de câmaras especializadas em Direito Empresarial vai exigir do Judiciário fluminense, a Revista Justiça & Cidadania promoveu em agosto o seminário “A importância da especialização da Justiça Empresarial”. Realizado sem público, o evento reuniu ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), desembargadores, juízes de varas empresariais e membros do Ministério Público. A coordenação científica foi compartilhada entre o Ministro Luis Felipe Salomão e o Professor Titular de Direito Processual na UERJ, Flávio Galdino.
“É muito importante que o Tribunal volte seus olhos para o que acontece na sociedade. Vivemos um período sério de pandemia, no qual as pessoas ficaram presas em casa, milhares perderam os empregos, empresas faliram e muitas dívidas foram criadas. Atento a essa situação, o Tribunal precisa urgentemente criar as câmaras especializadas”, pontuou o Desembargador Henrique Figueira, Presidente do TJRJ, na abertura do seminário.
Tanque de ideias – O magistrado ressaltou o alto padrão de qualidade da prestação jurisdicional nas varas empresariais, mas avaliou que é preciso avançar na especialização do segundo grau. “Há pouco conversava numa roda de advogados e dois deles me falaram que antigamente colocavam o Rio de Janeiro como foro nos grandes contratos. Hoje em dia preferem São Paulo, porque lá os julgamentos têm mais qualidade, pela especialização”, disse o Presidente do Tribunal. Ele explicou que os estudos para colocar em prática a especialização no segundo grau estão sendo feitos pela Comissão de Regimento Interno, presidida pelo Desembargador Elton Leme.
Em sua saudação, o Procurador-Geral Luciano Mattos também disse ser favorável à especialização, principalmente pela sensível melhora na produtividade observada após a especialização de diferentes ramos do Ministério Público do Rio de Janeiro, como nos casos das Procuradorias de Justiça de tutela coletiva e de infância e juventude.
Ainda na abertura, o Ministro Luis Felipe Salomão, que coordena o Grupo de Trabalho do CNJ para a modernização e efetividade da atuação do Poder Judiciário nos processos de recuperação judicial e de falência, acrescentou: “Precisávamos de um evento como esse, um tanque de ideias, para avaliar os prós e contras de cada passo e assim contribuir com a Comissão que o Desembargador Elton Leme preside”.
Evidências científicas – “O conhecimento sobre tudo é um conhecimento raso. É necessária a especialização, é importante para os tribunais, e é inevitável que aconteça”, destacou o Desembargador Agostinho Teixeira, que também integra o Grupo de Trabalho do CNJ e mediou o primeiro painel.
Em sua participação, a Desembargadora Monica Di Piero – outra integrante do GT do CNJ – apresentou uma série de pesquisas, levantamentos e outros dados que corroboram a importância da especialização da Justiça em matéria empresarial. Dentre as evidências científicas que reuniu, a magistrada apontou como vantagens da especialização: a maior eficiência do procedimento, causando um impacto positivo nas operações econômicas; a melhoria da qualidade das decisões, especialmente quando se trata de caos com extrema complexidade; a uniformização das decisões, contribuindo para a maior previsibilidade e segurança; além da diminuição das taxas de recursos.
O Professor Flávio Galdino também trouxe dados de jurimetria e pesquisas sobre a especialização na percepção dos magistrados e outros operadores do Direito. Em todos os indicadores destes levantamentos, segundo ele, a especialização é apontada como fator positivo. “Há indicadores que parecem mais evidentes, como a redução de conflitos de competência, mas há outros menos intuitivos, como o índice de recorribilidade, a redução do número de recursos, que é também notável em se tratando de especialização”, ressaltou.
Decisões uniformes – O coordenador científico do seminário recordou ainda que segundo o relatório Justiça em Números produzido pelo CNJ em 2020, as varas exclusivas se destacam por apresentar taxas de congestionamento inferiores àquelas das varas não especializadas. Ele acrescentou que segundo estudos da Associação Brasileira de Jurimetria, da qual é membro, a redução no tempo de tramitação dos processos nos órgãos especializados é da ordem de 40%: “Sob o prisma do agente econômico, imaginar que seu dinheiro vai ficar empatado 40% a mais de tempo em alguma operação é um dado que traz muita objetividade, mas há várias outras inferências que podem ser extraídas das estatísticas que denotam uma superioridade clara no funcionamento das varas empresariais em relação às varas não especializadas”, comentou.
Ao comparar os custos das recuperações judiciais ao dos processos arbitrais, o jurista demonstrou que na arbitragem o custo é ao menos 20% superior, o que nas causas de grande vulto pode ultrapassar em muito o teto da taxa judiciária. “A pergunta que se faz é por que duas empresas sediadas no Rio de Janeiro, com atividades operacionais aqui, celebram um contrato com foro na comarca de São Paulo? Ou por que preferem fazer numa arbitragem, se demora muito mais tempo ou é muito mais caro? A resposta está na falta de previsibilidade nas decisões”, explicou Galdino, acrescentando que, com o passar do tempo, os órgãos especializados tendem a produzir decisões uniformes, o que torna a escolha por aquele ambiente de disputa mais atraente para o agente econômico.
Divisão de competências – “A especialização é boa e temos que implementá-la. O tema é relevante e a decisão política, que depende da presidência, de estudar e buscar caminhos para essa especialização, já está tomada. Esse é o primeiro grande passo. A especialização já é tão bem sucedida no Rio de Janeiro, no que tange às varas empresariais, que quando transposta para a segunda instância, nessa ambiente de crise, terá grande relevância para a retomada da atividade econômica”, pontuou em sua participação no segundo painel o Desembargador Elton Leme.
O magistrado explicou que a Comissão que preside estuda como prosseguir com a especialização de câmaras de Direito Empresarial, mas que ainda há dúvidas quanto ao formato da nova divisão de competências no segundo grau. Ele questiona, por exemplo, se o modelo ideal seria o das câmaras especializadas de competência empresarial exclusiva ou de competência preferencial, que receberia por preferência as distribuições dos temas empresariais, mas manteria o resíduo dos feitos genéricos, de modo a equilibrar a distribuição.
O Desembargador lembrou que no passado, no caso da especialização em Direito do Consumidor, houve mal dimensionamento, o que levou à concentração de grande volume de processos em poucas câmaras. “Tivemos que dar um passo atrás para poder continuar a prestar uma boa jurisdição. No caso atual, temos que refletir bem qual é o modelo que vamos utilizar”, observou o magistrado, que preside a 17ª Câmara Cível do TJRJ e é professor da Fundação Getúlio Vargas.
Experiência gaúcha – Titular do 1º Juizado da Vara de Direito Empresarial da Comarca de Porto Alegre, a Juíza Giovana Farenzena trouxe ao seminário um relato da experiência acumulada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul com a especialização. Ela explicou que na década de 1990, a quebra da indústria calçadista levou o Tribunal a especializar a Vara de Novo Hamburgo. Atualmente, há varas especializadas em matéria empresarial também em Porto Alegre e outras em implantação nas comarcas de Canoas e Santa Rosa.
A magistrada falou ainda sobre o uso da mediação e da conciliação como formas auxiliares de resolução dos conflitos empresariais: “Lá temos também o Cejusc Empresarial. Tudo isso vai culminar na segurança jurídica e, mais importante, na viabilização de novos investimentos”.
Alinhamento e controle – Em sua palestra, que fechou o segundo painel, o Promotor de Justiça Humberto Dalla reforçou a necessidade de alinhamento entre as decisões judiciais. “À medida em que temos um alinhamento da primeira à última instância revisora, que normalmente é o STJ, temos a construção do precedente. Não é um precedente parido na instância superior e imposto de forma vertical às instâncias inferiores, mas um que vai sendo construído de forma participativa, que vai sendo alinhado e amadurecido. É o verdadeiro sistema de precedentes pensado na common law”.
O Promotor aprofundou ainda a discussão sobre o uso das ferramentas de resolução adequada de conflitos em matéria empresarial, como os cejuscs empresariais, e defendeu a necessidade do Poder Judiciário supervisionar essas plataformas, da mesma maneira em que supervisiona as serventias extrajudiciais: “Mutatis mutandis, parece que também deve haver supervisionamento sobre essas plataformas. O papel delas é fundamental num primeiro momento, mas isso não pode ficar solto, precisa ter algum tipo de monitoramento ou controle.
Conclusão – “Depois dessa conversa, poderemos tirar posições mais objetivas e avançar na minuta de um texto, para que se possa aprofundar a discussão e tirá-la do papel. Penso que pode ser essa uma contribuição importante que o Judiciário do Rio de Janeiro vai dar para a retomada econômica do nosso estado”, concluiu no encerramento do seminário o Ministro Luis Felipe Salomão.