Igualdade e Justiça como valores supremos

2 de fevereiro de 2024

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Ricardo Lewandowski durante cerimônia de posse como Ministro da Justiça. Ao fundo, da esquerda para a direita: Lu Alckmin e o Vice-Presidente, Geraldo Alckmin; o Presidente Lula; e o Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco

Membro do Conselho Editorial da Revista JC, Ricardo Lewandowski assume o Ministério da Justiça e da Segurança Pública*

“Estou profundamente honrado por ter sido indicado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva para chefiar o Ministério da Justiça e da Segurança Pública. Trata-se do primeiro Ministério criado no Brasil, ainda sob a Regência do Príncipe Dom Pedro de Alcântara, futuro Imperador do Brasil, antes mesmo da Proclamação da Independência, em 3 de julho de 1822, ao qual foi dado o nome de Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça. Abarcava então as competências atribuídas pelo Rei D. João VI à Secretaria de Estado da Justiça, desmembrada da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino por uma Lei datada de 23 de agosto de 1821.

A Secretaria de Estado criada por Dom Pedro passou a tratar das questões relativas à justiça civil e criminal, dos negócios eclesiásticos, das nomeações de magistrados e servidores do Judiciário, da inspeção das prisões, da segurança pública, da promulgação de leis, decretos e resoluções, zelando por sua fiel observância.

Tempos depois, a sua denominação foi alterada para Ministério da Justiça e Negócios Interiores, pela Lei no 23, de 30 de outubro de 1891 e, bem mais tarde, simplesmente para Ministério da Justiça, pelo Decreto-Lei no 200, de 25 de fevereiro de 1967, destacando-se dele o Ministério do Interior.

No governo do Presidente Michel Temer a Secretaria Nacional de Segurança Pública foi desmembrada do Ministério da Justiça para formar o Ministério da Segurança Pública, por meio da Medida Provisória no 821, de 26 de fevereiro de 2018, convertida na Lei no 13.690, de 10 de julho de 2018.

Na sequência, no governo de Jair Bolsonaro, o Ministério da Segurança Pública foi reincorporado ao Ministério da Justiça pela Medida Provisória no 870, de 1o de janeiro de 2019, convertida na Lei no 13.844, de 18 de junho de 2019.

Não obstante essas idas e vindas e as mudanças de denominação, as extensas atribuições do Ministério da Justiça jamais cessaram de se expandir, desde que foi criado em meados do século XIX.

Para que se tenha uma ideia das enormes responsabilidades que minha equipe e eu enfrentaremos daqui por diante, permito-me enunciar algumas das inúmeras competências da Pasta arroladas no Decreto no 11.348, de 1o de janeiro de 2023.

Defesa da ordem jurídica, dos direitos políticos e das garantias constitucionais; Política judiciária; Políticas de acesso à justiça; diálogo institucional com o Poder Judiciário e demais órgãos do Sistema de Justiça, em articulação com a Advocacia-Geral da União; articulação, coordenação, supervisão, integração e proposição das ações do Governo e do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD) quanto à:  

• prevenção e repressão a crimes, a delitos e a infrações relacionados às drogas lícitas e ilícitas;       

• educação, informação e capacitação com vistas à prevenção e à redução do uso, do uso problemático ou da.
dependência de drogas lícitas e ilícitas;       

• reinserção social de pessoas com problemas decorrentes do uso, do uso problemático ou da dependência de
álcool e outras drogas; e       

•.manutenção e atualização do Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas;      

Além disso, a defesa da ordem econômica nacional e dos direitos do consumidor; nacionalidade, migrações e refúgio; ouvidoria-geral do consumidor e das polícias federais; prevenção e combate à corrupção, à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo; cooperação jurídica internacional; coordenação de ações para o combate a infrações penais em geral, com ênfase em crime organizado e crimes violentos; coordenação e promoção da integração da segurança pública no território nacional, em cooperação com os entes federativos; execução das atividades previstas no § 1o do art. 144 da Constituição, por meio da Polícia Federal; execução da atividade prevista no § 2o do art. 144 da Constituição, por meio da Polícia Rodoviária Federal; política de organização e manutenção da polícia civil, da polícia militar e do corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XIV do caput do art. 21 da Constituição.

E, ainda, a defesa dos bens e dos próprios da União e das entidades integrantes da administração pública federal indireta; coordenação do Sistema Único de Segurança Pública; planejamento, coordenação e administração da política penal nacional; promoção da integração e da cooperação entre os órgãos federais, estaduais, distritais e municipais e articulação com os órgãos e as entidades de coordenação e supervisão das atividades de segurança pública; estímulo e propositura, aos órgãos federais, estaduais, distritais e municipais, de elaboração de planos e programas integrados de segurança pública, com o objetivo de prevenir e reprimir a violência e a criminalidade; desenvolvimento de estratégia comum baseada em modelos de gestão e de tecnologia que permitam a integração e a interoperabilidade dos sistemas de tecnologia da informação dos entes federativos, nas matérias afetas ao Ministério;  planejamento, administração, promoção da integração e da cooperação entre os órgãos federais, estaduais, distritais e municipais, e articulação com os órgãos e as entidades de coordenação e supervisão das atividades de políticas penais; Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais; direitos digitais; reconhecimento e demarcação das terras e dos territórios indígenas;  segurança do Presidente da República, do Vice-Presidente da República e de seus familiares, quando demandada; e  assistência ao Presidente da República em matérias não afetas a outro Ministério.

A todos esses assuntos – indiscutivelmente de grande complexidade – dedicaremos os nossos melhores esforços e daremos continuidade ao excelente trabalho executado pelo Ministro Flávio Dino e seus assessores.

Mas é nossa obrigação – e o povo brasileiro assim o espera – que o Ministério da Justiça dedique especial atenção à segurança pública, que, ao lado da saúde, é hoje uma das maiores preocupações da cidadania.

Mas é preciso compreender, todavia, que a violência e a criminalidade que campeiam entre nós não são problemas novos. São mazelas que atravessam séculos de nossa história, remontando aos tempos coloniais, em que índios e negros, recrutados à força, desbravavam os sertões inóspitos e labutavam à exaustão nas lavouras de cana e de café e nas minas de ouro, prata e pedras preciosas para o proveito de uns poucos.

Numa continuidade desse ciclo perverso, a criminalidade e a violência continuam se nutrindo da exclusão social, da miséria, do desemprego, da falta de saneamento, de saúde, de educação, de lazer, de habitação e que infelizmente ainda persistem no país.

Por isso, é escusado dizer que o combate à criminalidade e à violência, para ter êxito, precisa ir além de uma permanente e enérgica repressão policial, demandando a execução de políticas públicas que permitam superar esse verdadeiro apartheid social que continua segregando boa parte da população brasileira. 

Acontece, porém, que há ainda mais uma agravante. Nos dias que correm, a preservação da segurança pública cresceu muito em complexidade, porque não apenas o Brasil mas diversos países do mundo enfrentam agora um novo e temível desafio que é o da criminalidade organizada.

A atuação das organizações criminosas, nas quais se incluem as milícias, subdivididas em múltiplas facções, ora aliadas, ora rivais, antes restrita às áreas periféricas, onde o Estado se mostrava ausente, e aos recônditos ambientes prisionais, hoje se desenvolve em toda a parte, à luz do dia, com ousada desfaçatez, em moldes empresariais, dedicando-se ao controle do transporte público, da distribuição do gás de cozinha, das ligações clandestinas de internet a cabo, além da tradicional exploração da prostituição, dos jogos de azar, do tráfico de drogas e de armas.

E já há notícias de que, tal como ocorre em outras nações, o crime organizado começa a infiltrar-se em órgãos públicos, especialmente naqueles ligados à segurança, e a multiplicar empresas de fachada para branquear recursos obtidos de forma ilícita.

Isso lhes permite expandir a sua ação deletéria sobre territórios cada vez maiores, dificultando o seu controle por parte das autoridades estatais.

Por isso, não há soluções fáceis para tais problemas. Não basta, como querem alguns, exacerbar as penas previstas na legislação criminal, que já se mostram bastante severas, ou promover o encarceramento em massa de delinquentes, mesmo daqueles de menor potencial ofensivo.

Também não adianta dificultar a progressão do regime prisional dos detentos – do fechado para o semiaberto e depois para o aberto – que constitui um importante instrumento de ressocialização.

Tais medidas, se levadas a efeito, só aumentariam a tensão nos estabelecimentos prisionais e ampliariam o número de recrutados para as organizações criminosas. Penso que, para arrostar essas dificuldades, os caminhos já trilhados pelo meu antecessor, Ministro Flávio Dino, revelam-se bastante promissores. 

Para enfrentar eficazmente o crime organizado, que vem se ramificando por todo o país, é preciso aprofundar as alianças com Estados e Municípios, que constitucionalmente detém a responsabilidade primária pela segurança pública nas respectivas jurisdições. 

É preciso superar a fragmentação federativa e estabelecer um esforço nacional conjunto para neutralizar as lideranças das organizações criminosas e confiscar os seus ativos, porque elas não podem sobreviver sem recursos para custear seus soldados e suas operações.

O Ministério da Justiça aprofundará o esforço de centralização de dados de inteligência coletados pela Polícia Federal, pela Polícia Rodoviária Federal, pelas Forças Armadas, pelas Polícias Civil e Militar dos Estados, pelas Guardas Municipais, pelos Agentes Penitenciários pelo Ministério Público e outros órgãos e entidades que possam contribuir para a identificação dos líderes criminosos, rastreando e bloqueando transações financeiras ligadas às suas organizações.

E, para além de reunir informações dos organismos ligados à segurança pública, buscaremos integrar nesse esforço outras entidades que possam contribuir para a identificação de movimentações financeiras e patrimoniais que alimentam as estruturas criminosas, como a Receita Federal, o COAF, o CNJ, os Tribunais de Contas, os Cartórios de Imóveis, o Denatran e os Detrans, além de entidades da sociedade civil com poder de autorregulação a exemplo da Febraban. 

E não apenas isso: buscaremos informações junto às pessoas físicas e jurídicas mencionadas no art. 9o da Lei de Lavagem de Dinheiro, especialmente as que atuam em setores ligados à área ambiental (ouro, madeira e gado) com o objetivo de elaborar estratégias para a identificação de infrações e infratores ligados ao crime organizado.

Não é preciso dizer que todas essas ações serão executadas com estrito respeito aos direitos e garantias fundamentais dos investigados e acusados, especialmente no que concerne ao direito à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal. 

Encerro registrando que tenho muito orgulho de ter sido convidado para integrar o governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas mais do que isso, para participar de um projeto de país. 

Um projeto que pretende dar concreção ao generoso propósito dos constituintes de 1988, explicitados no Preâmbulo de nossa Carta Magna, qual seja, o de instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.”

 

* Discurso proferido pelo Ministro Ricardo Lewandowski ao assumir o Ministério da Justiça e da Segurança Pública no dia 1o de fevereiro