JC entrevista o novo Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil, Nelson Alves
O Juiz Federal Nelson Gustavo Mesquita Ribeiro Alves tomou posse em 7 de junho como o novo presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), para o biênio 2022-2024. Exatamente uma semana depois, ele concedeu essa entrevista ao Editor-Executivo Tiago Salles, por videoconferência. Na conversa, o magistrado falou sobre as metas de continuidade de sua gestão em relação à anterior – presidida pelo Juiz Federal Eduardo André Brandão – e sobre o posicionamento da entidade no cenário político institucional de agora em diante.
Realizada por meio eletrônico em 5 de abril, a eleição para a diretoria da Ajufe contou com a participação de 873 associados, com um total de 95,72% de aprovação da única chapa inscrita. Foram também eleitos para compor a diretoria executiva os juízes federais Shamyl Cipriano (Vice-Presidente da 1a Região), Paulo André Espirito Santo Bonfadini (Vice-Presidente da 2a Região), Alexandre Saliba (Vice-Presidente da 3a Região), Marcelo Roberto de Oliveira (Vice-Presidente da 4a Região), Polyana Falcão Brito (Vice-Presidente da 5a Região), Ivanir César Ireno Júnior (Secretário-Geral), Carlos Eduardo Delgado (Primeiro Secretário) e Frederico José Pinto de Azevedo (Tesoureiro).
Perfil – Nascido no Rio de Janeiro (RJ), Nelson Alves ingressou na magistratura federal em 2006, na Seção Judiciária de Santa Catarina, na qual, atualmente, é membro da 1a Turma Recursal. Na vida associativa, foi diretor jurídico e presidente da Associação dos Juízes Federais do Estado de Santa Catarina (Ajufesc) no biênio 2013-2015. Na Ajufe, antes de ser eleito presidente, foi vice-presidente da 4a Região, diretor de assuntos legislativos e primeiro secretário.
Tiago Salles – Quais são os objetivos e as principais metas de sua gestão? Quais são hoje as prioridades estratégicas da Ajufe?
Nelson Alves – O nome da nossa chapa era “Respeito e igualdade”, com um programa de campanha baseado em três eixos. O primeiro deles é o respeito remuneratório à magistratura federal. Todos os dias defendemos o cidadão brasileiro, temos que fazer valer também os nossos direitos previstos na Constituição, inclusive os remuneratórios, obviamente dentro dos limites e balizas constitucionais. O segundo eixo é o respeito às prerrogativas e à própria instituição, o nosso respeito institucional. Então, obviamente, vamos lutar pelas melhores condições de trabalho para a magistratura federal. Já temos boas condições, mas sempre podemos aprimorar, porque isso não reflete apenas para o juiz, mas também para o jurisdicionado. O terceiro eixo é a igualdade. Precisamos que haja uma magistratura isonômica, igual em todas as suas esferas, inclusive em relação a outras carreiras. Hoje, infelizmente e de forma inacreditável, a magistratura, em especial a da União, se encontra atrás de outras carreiras, como a do Ministério Público, por exemplo. Por disposição constitucional, a magistratura é o topo do serviço público, isso porque a Constituição diz que o topo remuneratório é o subsídio do ministro do Supremo Tribunal Federal. Por decorrência lógica, a magistratura e o Poder Judiciário estão também nessa linha. Vamos lutar para que a magistratura reassuma essa posição de topo. Para isso, queremos um mínimo de igualdade, sem qualquer demérito às demais instituições e carreiras, mas porque entendemos que a Constituição assegura essa posição de topo ao Poder Judiciário e à magistratura.
TS – O senhor falou da questão remuneratória. Não só a magistratura, mas o serviço público em geral reclama uma defasagem remuneratória dos servidores. O senhor tem ideia de qual é a defasagem salarial da magistratura federal?
NA – Temos um critério objetivo desde a instituição do subsídio. Antes, a magistratura e outras carreiras tinham várias verbas dentro de seu contracheque e não havia uma parcela única, que fosse mais objetiva. Em 2005, isso aconteceu quando foi instituído o regime de subsídio. Hoje, a magistratura da União vive do subsídio, que é uma parcela única fixada. Se você contar desde a instituição do subsídio até o dia de hoje, e pegar qualquer índice de correção, talvez o mais simples e menos custoso seja o IPCA, vai ver que a nossa defasagem já chega a 49%.
Precisamos lutar pelos nossos direitos previstos na Constituição. O art. 37, inciso X, é muito claro, garante a todo o serviço público, inclusive à magistratura, a revisão geral anual pelos índices de inflação. Não é aumento, não é reajuste, é reposição da inflação, 49% de perda inflacionária é algo muito significativo.
TS – Presidente, eu há pouco estava assistindo uma palestra do Ministro Gilmar Mendes, na qual ele falava sobre a chamada politização do Judiciário. Ele condena essa expressão porque os juízes não agem de ofício, são os políticos que judicializam a política. Vivemos um momento de polarização muito grande. Esses assuntos políticos esbarram muitas vezes nas competências da magistratura federal. Como o senhor vê a necessidade de posicionamento da Ajufe em relação a essas questões políticas que a magistratura federal precisa enfrentar?
NA – Os magistrados têm um impedimento constitucional e da sua própria lei orgânica para o exercício da atividade político partidária. Essa é a primeira premissa. Não é dado ao juiz participar de atividades político partidárias. Ele não está completamente alijado do processo eleitoral, o juiz pode votar, um direito como o de qualquer cidadão, mas quanto mais ele permanecer afastado do debate de ideias político partidárias, mais adequado é. Logicamente, em alguns momentos há o excesso por alguns personagens da política.
A Ajufe, segundo o seu estatuto, é obrigada a defender a independência do Poder Judiciário, os direitos humanos e o Estado Democrático de Direito. Sempre que houver uma ofensa ou uma tentativa de aniquilar esses pilares da República, a Ajufe irá se manifestar. [Frente a] qualquer coisa que diga respeito à desobediência do que for decidido pelo Poder Judiciário, pelo Tribunal Superior Eleitoral, a Ajufe irá se manifestar e defender a independência do Judiciário e o cumprimento das decisões judiciais. Mas, repito, não é campo para o magistrado a emoção político partidária, entrar num debate que não seja para a efetiva garantia do Poder Judiciário ou dos direitos humanos. Deve haver um comportamento com temperança, tranquilidade, não o ingresso no debate político partidário puro, porque isso, inclusive, é vedado aos magistrados.
Lógico, como você próprio ressaltou, o Ministro Gilmar Mendes tem razão, o juiz não atua de ofício, não entra em seu local de trabalho e sai dando decisões sem que elas tenham sido requeridas. Se alguma das partes acha que a decisão é inadequada, decisão esta dada a pedido de um dos interessados, há os recursos cabíveis. A estrutura do Judiciário é bastante extensa na possibilidade de recursos e manejo de medidas para questionar outras decisões judiciais. O Judiciário funciona muito bem nesse campo e os interessados têm todas as condições para ingressar em juízo quando se sentirem prejudicados e para recorrer das decisões, quando também se sentirem prejudicados.
TS – Quais são hoje as pautas prioritárias da Ajufe no cenário nacional?
NA – Começamos falando dos eixos da gestão. Algumas pautas já até conseguimos vencer na gestão do Presidente Eduardo André, estamos agora implementando, como eu disse, a criação do TRF6. Acabei de voltar, inclusive, de uma sessão no Superior Tribunal de Justiça em que estavam sendo discutidos alguns aspectos para a efetiva instalação do Tribunal que, acredito, acontecerá em breve. Essa era uma pauta muito forte da Ajufe, que em breve estará amplamente concretizada, assim como a ampliação dos demais TRFs, o que vai gerar a entrega de uma prestação jurisdicional melhor. Estamos atentos também a muitas questões relativas a direitos humanos e à independência do Poder Judiciário, fazendo um trabalho diuturno no Congresso Nacional, acompanhando projetos de lei. Logicamente, também temos uma pauta que diz respeito efetivamente aos nossos direitos. Temos algumas pautas no Congresso para reestruturar a carreira, trazer maior segurança aos magistrados, inclusive na parte remuneratória. Temos várias frentes, mas sempre procuramos, ao fim e ao cabo, uma melhor estrutura para o Poder Judiciário e independência para os magistrados. Com isso, toda a população será fortalecida.
TS – Percebemos que a nova diretoria da Ajufe tem quase metade de suas cadeiras ocupadas por mulheres. Foi desenvolvida alguma política de promoção da igualdade de gênero ou isso já faz parte da Justiça Federal como um todo?
NA – Na verdade, hoje nós temos cerca de 30% de juízas e desembargadoras em nossa carreira e um percentual muito grande, de 70%, de colegas do sexo masculino. Há alguns anos, através de colegas muito qualificadas e interessadas, a entidade criou a comissão Ajufe Mulheres, que não é composta só por mulheres, temos também colegas homens interessados no tema. Essa comissão veio exatamente para tratar desses assuntos, das colegas juízas, desembargadoras e ministras, do que poderia ser feito para melhorar esse aspecto. Desde então tem sido feito esse trabalho, mapeados alguns pontos de interesse e tomadas algumas medidas para que consigamos que, em algum momento, haja uma paridade de gênero dentro da magistratura.
Hoje já temos um processo de seleção democrático, que é o concurso público. Conseguimos diminuir um pouco alguns tipos de limitações para essa paridade, mas é preciso fazer mais. Nessa gestão agora, eu pessoalmente fiz questão que tentássemos conseguir a efetiva igualdade de gênero na diretoria. Infelizmente, não foi possível. Ficamos por uma colega para conseguir a efetiva igualdade de gênero, somos 28 e conseguimos 13 colegas mulheres para compor a chapa e a agora a diretoria da Ajufe.
A Ajufe tem uma dívida muito grande, porque nunca tivemos uma presidente mulher, e vamos fazer 50 anos no dia 20 de setembro. Essa realidade precisa mudar. Falei isso no meu discurso de posse, acredito que em breve teremos a primeira presidente mulher da Ajufe e que isso vai se tornar uma coisa cotidiana, vamos ter um revezamento amplamente democrático também nesse campo, com muitas colegas assumindo a presidência. Ainda assim, acho que foi dado um bom passo nesse momento, que foi o maior número de colegas numa diretoria da Ajufe, nunca havia acontecido isso, 13 mulheres na diretoria. Acredito que em breve teremos mais, até uma maioria em alguns momentos.
TS – Parabéns por esse passo importante. O senhor falou do jubileu de ouro da Ajufe. O que a entidade vai preparar e o que nós também podemos preparar para essa comemoração?
NA – Todo apoio é bem vindo, Tiago, vou pedir até uma edição especial da Revista Justiça & Cidadania sobre os 50 anos da Ajufe, em setembro. (risos) Seria uma alegria muito grande se tivéssemos essa oportunidade. Vários eventos estão entabulados. Ainda no ano passado formamos uma comissão dos 50 anos, com ex-presidentes, ministros, desembargadores e juízes, exatamente para preparar com carinho essa comemoração. Teremos uma semana de eventos em setembro. O aniversário mesmo cai no dia 20 de setembro, uma terça-feira, para a qual já agendamos sessão solene no Senado Federal. No mesmo dia, pretendemos lançar nossa agenda político-institucional, ou na Câmara ou no Senado, uma agenda que traz os projetos legislativos de interesse da Ajufe, nossos processos judiciais e outros pontos. Faremos também um seminário em comemoração aos 50 anos, do dia 19 ao dia 21. Queremos toda a colaboração da comunidade jurídica e também da imprensa, muito bem vinda como sempre. Faremos um grande evento, esperamos todos aqui em Brasília para essa comemoração, serão todos muito bem vindos.
TS – Presidente, muito obrigado pela atenção, é uma honra muito grande contar com sua participação. Aproveito para colocar a Revista e o Instituto Justiça & Cidadania à disposição para divulgar os seus eventos e o seu trabalho. Para finalizar, peço que o senhor deixe um recado para sua categoria, os juízes federais do Brasil.
NA – Agradeço muito novamente por essa parceria com a Revista e com o Instituto, que é motivo de grande honra para nós. Continuaremos juntos, pode ter certeza disso. Aos meus colegas associados e associadas digo que será um biênio de muito trabalho. Estamos dispostos e preparados para isso. Com a ajuda de todos, unidos, vamos fazer uma magistratura federal cada vez mais forte. Podem contar com isso.