Judiciário: uma visão realista

5 de junho de 2001

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Nos dias atuais, e comum falar-se em crise. Muitos dizem-na linear, envolvendo o Estado como um grande todo. Outros a tem setorizada, distinguindo-a como restrita ao Judiciario. Ai, surgem as criticas exacerbadas, deixando-se de lado a visao abrangente, a visao racional, para potencializarem-se certos aspectos negativos.

As situações ligadas a administração, em si, nao merecem destaque, porque isoladas e submetidas, antes mesmo da CPI do Judiciario, ao crivo da lei. Voltemos os olhos para o oficio judicante e, portanto, a atuação do Estado-Juiz e ao atendimento dos anseios populares. De Norte a Sul, a problematica e a mesma. De um lado, surgem os magistrados em esforço sobre-humano, sacrificando a vida em sociedade, a própria dedicação ao aprimoramento constante, aplicando-se, a partir de obstinação insuplantavel, a busca da solução dos conflitos de interesse. O numero de processos em curso, cada qual apresentando peculiaridades desafiadoras do intelecto, tor-na-os verdadeiros estivadores do Direito, afastando-os cada vez mais do trato deste como uma verdadeira ciencia, a indicar, enquantotal, a valia dos meios sempre a submeterem o fim, o desfecho das controversias.

Sim, e de importancia maior o emprestimo de gradação a esses elementos, no que se lida com institutos, expressões e vocábulos com sentido especifico, devendo estar sempre presente a fidelidade aos parametros de nossa ordem juridica. De outra parte, verifica-se o surgimento, sem precedentes, de conflitos de interesses, exigindo atuação imediata dos órgaos investidos da jurisdição, porquanto a permanencia destas questões no cenario juridico implica o abalo da paz social. O desafio esta na busca do equillbrio de valores. A celeridade ha de ser considerada sem o sacrificio do conteudo. Podemos dizer que, nesse mister, nao se pode exigir uma maior dedicação. Alcançou-se o limite, tendo em conta a razoabilidade. E chegada a hora de reflexao direcionada a definir-se as causas da quadra vivida. O brasileiro apenas acredita na solução judicial. Diante de situação reveladora de posições antagônicas aciona o direito cívico de acesso ao Judiciario, ficando em segundo plano os meios suasórios de equacionamento das divergencias. Entao e facil detectar os motivos do grande numero de processos. Nos ultimos anos, os sucessivos govemos depararam com um mal maior – a inflação. Por isso, implementaram pianos econômicos, resultando deles mudanças normativas substanciais. Confiram-se os pianos: Delfim I, II e III; Dornelles; Cruzado I e ll; Bresser; Arroz com Feijao; Verao, Collor I e II; Marcílio e Real.

Tal procedimento teria sido menos nefasto caso observada a organicidade do Direito. Todavia, a elaboração de projetos fez-se sem o acompanhamento de juristas, prevalecendo a participação dos tecnocratas. O resultado foi um mar de duvidas sobre o alcance das novas normas juridicas. Ainda hoje, em que pese a passagem de anos sob a disciplina do plano real, continuamos no rescaldo dos incendios provocados pelos diversos pianos econômicos. Algumas materias ainda nao foram pacificadas, como ocorre, por exemplo, com a correção monetária relativa aos saldos das cadernetas de poupança objeto de bloqueios e das contas do FGTS.

Pois bem, convivemos com certa estabilidade financeira. Ja nao nos aflige a espiral inflacionaria de dois dígitos ao mes, havendo chegado em 1989/1990 a cerca de noventa por cento. Surgiu outra instabilidade. Referimo­nos a normativa e, o que é pior, aquela introduzida mediante instrumental de acentuada excepcionalidade, como o quer a Constituição Federal, que e a medida provisoria. Prevista no campo da mesclagem das atividades de Poderes diversos – O Executivo e o Legislativo -, esta jungida a requisitos rigidos: a relevancia e a urgencia do tema veiculado e a prazo de caducidade – trinta dias – sendo que, em se encontrando o Congresso em recesso, deve ser convocado para apreciação, em cindo dias, da medida provisoria editada. Essa providencia somente e repetida na Lei Fundamental quanta ao estado de defesa, exceção ao dia-a-dia da vida dos brasileiros que, felizmente e ao contrario do que ocorre com a medida provisoria, assim permanece. Esta e editada e reeditada sem peias, chegando-se, ate mesmo, ao embaralhamento de materias. Ademais, nao raro tem utilização provocadora de um maior desequilíbrio de forças, conflitando, assim, com os ares de um verdadeiro Estado Democratico de Direito. A mercê da potencialização de interesses secundarios do Estado – Uniao, Estados propriamente ditos, Municipios, fundações publicas e autarquias – versam, costumeiramente, sobre tratamento privilegiado – e a expressao exata e essa – dispensado as entidades publicas. Alem disso, vem surgindo tendencia espuria. Por meio de medidas provisorias – e, portanto, de instrumentos com força de lei de caráter precário e efêmero que acabam perpetuando-se no campo das relações jurídicas, sem que se conte com a manifestação dos representantes do povo – os Deputados Federais – e dos Estados – os Senadores ­cerceia-se o oficio judicante, proibindo-se certos atos processuais sem uma razao plausivel, ao menos socialmente aceitavel. O poder judicante pressupõe atividade que possa ser desenvolvida sem empecilhos. No exercicio que lhe e pertinente, o órgao ha de atuar com ampla liberdade, apenas submetendo-se a formação humanística e profissional daquele que o corporifica. Receamos, pelo andar das coisas e em tempo no qual se manuseia o instituto da medida provisoria com a finalidade, ate mesmo, de afastar jurisprudência da mais alta Corte do Pais, que dentro em pouco fiquem inviabilizadas ao cidadao comum, sob o angulo da eficacia da prestação jurisdicional, demandas contra o Poder Publico, tamanha e a construção normativa alicerçada em pseudo interesse coletivo.

Cabe aqueles compromissados com a paz social, com a segurança jurídica a ela inerentes, vigília das mais cuidadosas, reafirmando, com verdadeira resistencia republicana e democratica, a crença no direito. Sobressai o papel dos magistrados, insuplantaveis alquimistas dessa eletrizante ciencia, cujo escopo derradeiro e a feitura da justiça. Independentemente da falta de recursos, das limitações isoladas e momentaneas que lhes são impostas, da capa dos processos, da repercussao de certos atos processuais, hão de ser sempre os guardas imbativeis da liberdade, cumprindo o dever de, em nome do Estado, dar a cada qual o que e seu. Assim o fazendo, honrarão o sacerdócio da toga.