Licença-paternidade como instrumento em prol da paridade de gênero

2 de janeiro de 2024

Advogada, especialista em Direito do Trabalho, LGPD e Compliance

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Muito tem sido falado do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por  Omissão (ADO 20), analisada no Plenário físico do Supremo Tribunal Federal (STF) e que trouxe à tona a pauta da regulamentação da  licença-paternidade.

Conceitua-se a licença-paternidade e maternidade como o  direito de se ausentar do trabalho para cuidar do filho recém-nascido, adotivo ou  cuja guarda judicial foi obtida, sendo um direito trabalhista concedido aos  empregados e a servidores públicos federais.

Atualmente, existe uma norma de transição prevista no Ato das Disposições  Constitucionais Transitórias, que autoriza o gozo de cinco dias de licença-paternidade. E, ainda, a Lei nº 11.770/2008, que instituiu o programa Empresa Cidadã, prevendo a prorrogação da licença-maternidade para o total de 180 dias e da  licença-paternidade para até 20 dias, mediante concessão de incentivo fiscal e  desde que o empregador adira ao programa. 

Mais recentemente, a Lei nº 14.457/2022 instituiu o Programa  Emprega + Mulheres, que traz em seu bojo uma série de medidas positivas para a empregada mulher, sendo as demais garantias que visam o efetivo compartilhamento da parentalidade como, por exemplo, a suspensão do contrato de trabalho do empregado com filho, cuja mãe tenha encerrado o período da licença-maternidade, condicionadas ao poder diretivo do empregador. A norma também propõe a ampliação da licença-maternidade, podendo ser dilatada por mais 120 dias, mas não de efetivo afastamento.

Na Carta Magna, igualmente, encontramos a proteção à maternidade, estando  também disposta na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que garante à empregada gestante o direito à licença-maternidade de 120 dias, sem prejuízo  do emprego e do salário. 

Ocorre que, para além das questões legais envolvidas e da notória omissão legislativa da matéria, é importante abordar como esta regulamentação pode contribuir com a paridade de gênero. É urgente a compreensão de que a luta pela manutenção ou ampliação de direitos trabalhistas não signifique mais sacrifício e exclusão da mulher do mercado de  trabalho. Para tanto, é necessário pensar as transformações contemporâneas sob as lentes de gênero. 

Mais uma vez, encontra-se guarida na Constituição Federal, que determina a igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações, bem como traz a diretriz de que a família tem especial proteção e que os direitos e  deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem  e pela mulher, sendo dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à  criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,  dentre outros não menos importantes.  A Constituição de 1988 trouxe consigo a proibição de toda forma de  discriminação – não não cabem as assimetrias de gênero. 

Diante disso, é de clareza solar que as mulheres no mundo, em idade produtiva e reprodutiva, não possuem igualdade de oportunidades de emprego.  No Brasil, além dos agravantes sociais, dos elementos interseccionais e de  gênero, aqui entendido como construção social que transcende os aspectos  biológicos, essa realidade frustrante se repete, haja vista que um dos fatores que impedem o acesso da mulher ao emprego é justamente a condição “mulher  gestante”, “mulher mãe” ou, pior, “mulher que pretende ser mãe”, sendo amplamente usado o argumento do custo desta empregada ao empregador. 

Em outros dizeres, ampliar a licença-paternidade ou equiparar as licenças parentais, em última análise, destitui o poder desta falsa narrativa e, de uma só  vez, auxilia na eliminação deste viés discriminatório. Notório, ainda, que trazer a presença do pai ao convívio da criança não só fortalece o vínculo socioafetivo como divide a responsabilidade socialmente atribuída ao protagonismo feminino criado pela divisão sexual do trabalho, que hierarquiza esses papéis. 

Além disso, a regulamentação do direito à licença-paternidade fortalece a valorização paterna, propicia aos pais o convívio mútuo com a assunção das responsabilidades de forma compartilhada e, principalmente, retira da mulher a notória sobrecarga. Outrossim, a equiparação das normas internas estaria alinhada com as normas internacionais ratificadas pelo Brasil.

Nesse ambiente comparativo, é relevante citar a Convenção sobre Eliminação de Todas  as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), principal documento internacional sobre Direitos Humanos das mulheres. Nele, consta que os Estados-Partes reconhecerão à mulher a igualdade com o homem perante a lei e que adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação  contra a mulher na esfera do emprego. 

E, ainda, de forma absolutamente urgente, dispõe que os Estados signatários se  comprometem a modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e  mulheres, com vistas a alcançar a eliminação dos preconceitos e práticas consuetudinárias que estejam baseados na ideia de inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos, garantindo que a educação familiar inclua uma compreensão adequada da maternidade como função social. 

Dessa forma, os avanços na proteção à mulher foram responsáveis por combater práticas de discriminação, capazes de impulsionar e integrar a mulher ao mercado de trabalho. Todavia, a discriminação de gênero ainda encontra solo  fértil no Brasil. Ao mesmo tempo, é necessário reconhecer o potencial nivelador de nosso ordenamento jurídico que possibilita a adoção de medidas de combate à desigualdade e, dentre elas, a regulamentação da licença-paternidade poderá ser de grande valia para igualar oportunidades entre os gêneros.