Projeto Politiza Mulher

5 de dezembro de 2023

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Ampliação do debate e incentivo à participação da mulher na política como expressão da cidadania e dignidade humana

A conquista de espaço das mulheres na política e no Poder Judiciário vem evoluindo ao longo da história. Os recentes acontecimentos do nosso cotidiano político revelam o papel do Judiciário e, em especial, da Justiça Eleitoral, para a consolidação da igualdade de gênero como expressão da cidadania e dignidade da pessoa humana, princípios fundamentais da Carta Magna de 1988 e valores do Estado Democrático de Direito.

A cidadania, segundo o professor André de Carvalho Ramos, engloba um conjunto de direitos e obrigações referentes à participação do indivíduo na formação da vontade do poder estatal. 

Acerca da dignidade da pessoa humana, esta representa a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano, assegurando-lhe proteção contra todo tratamento degradante e discriminação, não importando nacionalidade, sexo, opção política, orientação sexual, religiosa, entre outros fatores de distinção.

No que tange aos avanços legislativos, desde 2009, o Brasil instituiu um sistema de cotas, já que a Lei Eleitoral no 9504/1997 foi alterada para determinar que a lista de candidatos deve respeitar um percentual mínimo de 30% e máximo de 70% para cada gênero. Apesar de não especificar, a cota acaba funcionando como reserva para as mulheres, historicamente excluídas da participação política no Brasil.  

Outra mudança no cenário eleitoral ocorreu em 2018, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou que 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – o Fundo Eleitoral – fossem usados para as candidaturas de mulheres. Também ficou definido que o mesmo percentual deveria substituir os 5% do tempo de propaganda eleitoral gratuita que as mulheres já tinham conquistado no rádio e na televisão em 2013.

Com tais mudanças, a expectativa é que mais mulheres possam concorrer. Entretanto, Grossi e Miguel (2001) dissertam que mesmo com essas conquistas, existem questões sociais mais intrínsecas, como as resistências partidárias. Assim, as cotas não asseguram tantos resultados positivos nessa luta.

Ciente das dificuldades enfrentadas pelas mulheres no cenário político, o Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA) desenvolveu o Projeto Politiza Mulher, entre os anos de 2019 e 2021, objetivando provocar discussões e reflexões na sociedade sobre o tema, bem como promover ações educativas, envolvendo a valorização da mulher.

Para tanto, o primeiro passo do projeto foi convidar personalidades do mundo político e jurídico para participar de eventos organizados pelo Tribunal baiano, com
o escopo de iniciar um processo colaborativo entre Estado e comunidade, fazendo chegar à população mais informações sobre a importância da participação da mulher na política.

Foram realizados, no total, quatro encontros, um presencial e três on-line, por conta da pandemia de covid-19. Conforme o quanto dito alhures, o Projeto Politiza Mulher representa uma ação consistente do TRE-BA para que os eleitores e a sociedade em geral repensem a questão de gênero a partir de uma perspectiva feminista. 

A primeira edição do Politiza Mulher ocorreu em 6/3/2020, na Sala de Sessões do Eleitoral baiano. O painel foi mediado pela jornalista Carla Bittencourt e teve como participantes a Desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia Regina Helena Ramos Reis, a Deputada Estadual Olívia Santana, presidente da Comissão de Direitos da Mulher, e a Secretária Municipal de Políticas para as Mulheres, Infância e Juventude Rogéria Santos. 

O segundo encontro, diante da suspensão dos expedientes presenciais decorrente da pandemia de covid-19, foi realizado on-line, por meio do Instagram do TRE-BA, em 14/5/2023, e contou com a participação da Secretária de Comunicação do TSE, Ana Cristina Rosa. A discussão pairou sobre o esforço da Justiça Eleitoral em promover campanhas de incentivo à participação feminina na política. Na ocasião, constatou-se a conquista gradual de espaço político por parte das mulheres, mas se ressaltou que ainda é necessário um maior incentivo para que as mulheres se interessem pela vida política do País. 

A participação em todos os segmentos da sociedade é de suma importância e na política não pode ser diferente. Nossa legislação prevê uma reserva de ao menos 30% das vagas para as candidatas, mas é preciso evoluir para que nossas casas legislativas também tenham essa reserva.

Acredita-se que a baixa representatividade feminina na política esteja atrelada ao fato de que a mulher tem dificuldades a mais para se interessar ou se disponibilizar para a atividade política, porque outras atividades tomam a sua vida. São poucas as que se propõem a enfrentar a disputa.

Para refletir sobre a efetiva atuação de mulheres na sociedade, o terceiro passo do projeto foi promover uma entrevista com a advogada Daniela Borges, então conselheira federal da Ordem dos Advogados do Brasil e Presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada, no dia 6/7/2020, por meio de live no Instagram do TRE-BA. A entrevista foi conduzida pela jornalista Carla Bittencourt, da Assessoria de Comunicação do Tribunal, que possibilitou que o público participante pudesse enviar perguntas.

O último painel da campanha ocorreu em 12/11/2020, também por meio da plataforma on-line do TRE-BA. Neste encontro, este autor reuniu-se com representantes femininas da imprensa baiana para discutir a participação da mulher na política. O bate-papo foi novamente mediado pela jornalista Carla Bittencourt e contou com a participação de Cláudia Cardozo, repórter do Bahia Notícias, Hilza Cordeiro, repórter do Correio, Tarsilla Alvarindo, apresentadora do programa Azeviche da TV Câmara de Salvador e repórter da TV Itapoan, e de Silvana Oliveira, diretora de jornalismo na Rádio Sociedade da Bahia.

Sob minha gestão, o Tribunal Regional Eleitoral da Bahia estava composto por maioria feminina. De suas nove secretarias, sete foram chefiadas por mulheres. Das 19 coordenadorias, 11 tiveram liderança feminina (dados da Gestão 2019-2021).

Por derradeiro, cumpre registrar que os eventos foram amplamente divulgados, transmitidos ao vivo e disponibilizados à população em geral. Assim, atingiram o objetivo esperado, que era levar a sociedade a refletir sobre a igualdade de gênero, especialmente na política, com nítido propósito socioeducativo. 

O Brasil tem maioria de eleitoras (cerca de 82 milhões, equivalente a 52% do eleitorado) e minoria de eleitas (311, equivalente a 18,2% do total das candidaturas), segundo os dados obtidos no site do TSE, referentes às eleições de 2022. Na Bahia, o número de mulheres eleitas é ainda menor. No ano de 2022, o percentual de candidatas se igualou à eleição anterior (2020), ficando em torno de 34% do total das candidaturas. Porém, quando se fala em baianas eleitas no último pleito, esse número cai de 18,2% (âmbito nacional) para 13,1%.

Destarte, o que se pode extrair das informações disponibilizadas pelo TSE é que, embora o número de candidaturas femininas tenham aumentado nas últimas eleições de 32% (pleitos de 2016 e 2018) para 34% (pleitos de 2020 e 2022), nem mesmo as alterações legislativas e as inúmeras campanhas institucionais da Justiça Eleitoral foram suficientes para superação desse desequilíbrio corrente na sociedade brasileira: a diferença histórica na representação entre mulheres e homens nas esferas do poder.

Defende-se com esse estudo que o debate sobre a participação feminina na política seja ainda mais ampliado e que o Brasil caminhe para uma legislação eleitoral que contemple uma reserva, não apenas de candidaturas femininas e do fundo partidário, mas de mulheres eleitas.

Com efeito, defendo ter chegado o momento de avançar, dando efetividade à participação feminina na vida política nacional. O caminho que se descortina como adequado para alcançar esse objetivo não parece ser outro, senão transferir a reserva de cotas hoje destinadas às candidaturas para a ocupação de cadeiras nos parlamentos.

Conquanto a imposição de percentual mínimo de candidaturas de cada sexo tenha se mostrado uma iniciativa louvável, que significou avanço histórico no Direito Eleitoral, a realidade tem demonstrado inúmeros casos práticos de cumprimento meramente formal da exigência e dado azo a diversas burlas, facilmente aferíveis pela baixíssima votação alcançada por candidatas do sexo feminino em milhares de municípios no País. 

Nesse contexto, a inversão da perspectiva, de modo a estabelecer a reserva de vagas diretamente no parlamento, não deixará outra alternativa a todos os atores participantes do processo eleitoral que não seja estimular, qualificar e aprimorar a participação feminina nos quadros políticos das agremiações partidárias, com a finalidade de ocupar as cadeiras a elas asseguradas no Poder Legislativo de cada ente federativo.

Todas as medidas legislativas e institucionais tomadas até aqui são necessárias, mas não suficientes, o que não nos impede de se tomar outras, para agilizar o cenário que desejamos. O País deseja e deve evoluir para que haja, no mínimo, 30% de mulheres em todos os espaços de representatividade política, seja nas câmaras municipais ou federais, nas assembleias legislativas, no Senado ou na Presidência do Brasil.

Ressalte-se que a equidade de gênero já está sendo fortemente efetivada em outros países da América Latina. Nesse contexto, pode-se citar a Argentina, onde o governo regulamentou a lei da paridade de gênero para o Congresso, elevando para 50% a cota de mulheres no parlamento. Em 2019, o país vizinho do Brasil realizou eleições paritárias, em que os partidos apresentaram o mesmo número de candidatos e de candidatas.

Entretanto, é preciso ponderar que, no Brasil, a solução que ora defendemos como necessária ainda é vista como “radical” por alguns, e que talvez não esteja em um horizonte tão próximo. Porém, como isso já é realidade em outros países, temos que amadurecer essa ideia, debater e avançar, porque é de suma importância a participação da mulher na vida política do País.

Foi justamente essa reflexão, sobre a efetiva atuação política das mulheres na sociedade, atentando para a importância que elas têm para o fortalecimento da democracia brasileira, o que se buscou com o Projeto Politiza Mulher do TRE-BA (2019-2021).

Conclui-se, assim, que a paridade de gênero na política é um dos pilares para a construção de uma sociedade livre e sustentável, e consequentemente, como expressão da cidadania e da dignidade da pessoa humana.

Notas_________________________

1 Ramos, André de Carvalho. “Curso de direitos humanos”. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 348.

2 Ibidem, p. 348.

3 Disponível em: https://www.justicaeleitoral.jus.br/tse-mulheres/